Uma análise sobre a nota do CUn sobre a intervenção policial

Diante de eventos polêmicos é natural que surjam mÚltiplas leituras por parte de pessoas que, de uma maneira ou outra, acompanharam não somente os fatos, mas também seus desdobramentos. Contudo, para o cidadão que acompanha tudo de longe e deseja entender o ocorrido, essas diversas leituras de nada adiantam. Faz-se necessário, então, uma análise comparativa dessas leituras É o que eu pretendo fazer aqui.

Em relação à ação policial ocorrida no campus da UFSC, vamos analisar duas notas, uma do CUn e outra da APUFSC.

Nota do CUn: “Tendo em vista os acontecimentos do dia 25 de março de 2014, quando houve uma violenta e exacerbada intervenção policial, o Conselho Universitário da UFSC vem a público manifestar-se contra qualquer forma de violência, ainda mais em um espaço público e vocacionado para a formação humana como é o Campus Universitário. Declaramos a mais firme defesa da autonomia universitária, condição essencial para o pleno desenvolvimento e socialização dos conhecimentos filosófico, científico, tecnológico e artístico”.

Nota da APUFSC: “[…]São lamentáveis os fatos ocorridos na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 25/03/2014 e que estão gerando desdobramentos questionáveis, acarretando transtornos para todos aqueles que fazem parte da instituição. […]A Apufsc-Sindical preza pela legalidade e segurança da comunidade universitária e se manterá compromissada em defesa da ética, moralidade e ordem. Nesse sentido a Apufsc apela para que as partes envolvidas atuem com racionalidade e serenidade, interpretando corretamente os textos legais que devem ser devidamente respeitados no âmbito do Campus Universitário.”

Há uma discrepância considerável entre ambas as notas em relação à intenção de quem deve ser culpabilizado.

Com efeito, analisando a nota da APUFSC é evidente a opção pela neutralidade e distanciamento, ficando a impressão de que a nota foi emitida mais por força de obrigação de ter que se pronunciar do que pelo desejo de apresentar uma leitura dos fatos e, assim, tomar posição. Vou um pouco mais além. Na nota da APUFSC, o apelo para que

“as partes envolvidas atuem com racionalidade e serenidade, interpretando corretamente os textos legais que devem ser devidamente respeitados no âmbito do Campus Universitário”,

é ambíguo, pois, dependendo de quem lê, pode ser aplicado a cada um dos envolvidos, sejam policiais, professores, servidores e estudantes, bem como à administração central que também não deixou de emitir uma nota desastrada criminalizando a ação policial.

é compreensível que a APUFSC tenha feito isso, pois, sendo um sindicato, qualquer opinião que a diretoria emitisse sobre a questão seria tomada como presumidamente representando coletivamente a opinião de seus associados. Na dÚvida, opta-se pela neutralidade e faz-se a um convite a moderação e ao bom-senso de todos.

O mesmo não se pode afirmar da nota do CUn. De fato, a nota do CUn caracteriza a ação policial como violenta e, provavelmente, se refere a intervenção da polícia militar que fora chamada para proteger os policiais federais diante da atitude extremada, violenta e desnecessária de um segmento da UFSC (professores, servidores e estudantes) que acuaram os policiais federais, viraram as viaturas, além de outras ocorrências que são partes de um processo criminal. A omissão desse outro aspecto do conflito na nota do CUn torna factível recriminar a ação policial, pois dá a entender que não haviam pessoas dispostas ao confronto com a polícia. No entanto, as imagens do conflito mostradas no noticiário deixam isso evidente.

Ao cidadão de fora, que não tem ideia de qual é a função do CUn dentro da universidade, basta saber que ele é um órgão colegiado que aprecia e delibera sobre vários assuntos necessários ao bom “funcionamento” da universidade. Diferente da APUFSC, que representa coletivamente os interesses profissionais dos professores da UFSC, os conselheiros do CUn, embora escolhidos entre professores, funcionários e estudantes, não representam, em particular, nenhum segmento da UFSC, nem muito menos a totalidade da comunidade universitária. Assim, a nota do CUn sobre o conflito deve ser entendido apenas como a opinião dos membros do CUn, algo que de modo algum representa a opinião da comunidade da UFSC como um todo. Ora, mas o cidadão, neste ponto, deve estar confuso. Se a nota do CUn sobre o conflito não representa a opinião da universidade e também não se constitui matéria imprescindível para o funcionamento da universidade, o que então teria levado o CUn a emití-la? Certamente que isso tem a ver com o fato peculiar da solicitação ter sido iniciativa de um conselheiro do próprio CUn que, segundo o noticiário, teve participação ativa nos eventos. Já as razões que levaram o CUn a considerar o pedido é algo inerente ao que cada conselheiro julga apropriado. Contudo, contrastando com a neutralidade da nota da APUFSC, vemos que a nota do CUn, ao criminalizar a ação policial classificando-a como “violenta e exacerbada” e se calar sobre a violência dos manifestantes, torna-se quase que uma defesa de uma das partes, representada pelo segmento da universidade que confrontou os policiais federais.

é lamentável que o CUn tenha se deixado envolver nessa discussão, se posicionando indiretamente a favor de uma das partes, já que as pendências com a polícia envolvendo cada um dos manifestantes indiciados não é algo que diz respeito a universidade como um todo, nem se constitui matéria relevante para pronunciamento de um órgão colegiado. Há ocasiões onde é melhor ficar calado.

*Marcelo Carvalho
Professor do Departamento de Matemática da UFSC