Não quero a oportunidade de ficar rico. Quero ter boas condições de fazer meu trabalho

Quando eu estava terminando o doutorado, me preparando para ingressar na carreira docente, recebi o telefonema de um ex-professor. Ele me convidava para ser sócio de sua firma de consultoria. Explicou em que consistia a proposta, enfatizou muito que o serviço era consultoria e não lobby e apresentou seu argumento principal: “Você terá uma vida muito mais confortável”.

Eu ouvi com atenção e polidamente recusei a oferta. Não sou nenhum asceta, quero ser bem remunerado pelo meu trabalho. Mas o que a universidade me oferecia era muito mais do que isso: o espaço para pensar com liberdade, para ser útil à sociedade, para contribuir na sua transformação.

Mais de vinte anos se passaram. A universidade brasileira mudou muito, de lá para cá, para o bem e para o mal. Mas continuo insensível ao chamariz do “Future-se” do MEC: não quero a oportunidade de ficar rico. Mesmo, aliás, que isso fosse de fato uma possibilidade aberta, não uma ilusão para tolos.

Quero ter boas condições de fazer meu trabalho. E a primeira condição é autonomia.

O governo Bolsonaro ataca esta autonomia por um lado com a censura ideológica, por outro com o subfinanciamento. Seu projeto é o pior dos mundos: uma universidade dependente das vontades do mercado e, ao mesmo tempo, submissa ao controle dos donos do poder.

A universidade não precisa de “empreendedorismo”. Precisa de pensamento crítico.

Os ingênuos podem perguntar: mas uma coisa é incompatível com a outra? É, sim: o “empreendedorismo” exige assumir como próprios os imperativos do mercado que devem ser alvo do pensamento crítico.

A proposta do MEC de Weintraub é bastante vaga, mas já dá para saber para onde leva. Subfinanciamento do ensino superior. Entrega de dinheiro público para bancos gerirem. Darwinismo acadêmico em que cabe ao mercado decidir quais são os mais aptos.

Não existe nada, absolutamente nada, que não aponte na direção da privatização da universidade, de sua desresponsabilização com a sociedade, de rompimento de seu compromisso com o povo brasileiro.

Como bem escreveu ontem Antônio Augusto, o caminho deve ser rechaçar liminarmente a armadilha lançada contra nós: “Nada de se dispersar em infinitas discussões, nem levar a sério as ‘propostas’ do Vire-se. Ao contrário, devem ser ridicularizadas, pois não são sérias, são irresponsáveis, destruidoras, e antipatrióticas”.

Eu me pergunto se seremos capazes de dar esta resposta. Até agora, nossas organizações reagiram mal ao golpe e ao bolsonarismo. Resistem a admitir que o governo é formado por nossos inimigos e continuam fazendo o teatrinho do diálogo republicano – por exemplo, quando Bolsonaro declarou que as universidades não produzem conhecimento ou quando Weintraub disse que as ciências humanas não servem para nada, saíram educadas notas dizendo que eles estavam “mal informados”, em vez da denúncia forte de que era o obscurantismo falando.

A Andifes já anunciou que vai formar “grupos de estudo” para analisar a proposta. No jornal, vi um educador – de esquerda, filiado ao PCdoB – apresentando como principal preocupação a transição do sistema atual para o mercantil.

Se é essa a nossa resposta, estamos mal.

Não dá para pautar a discussão da educação por um projeto que desprezou reitores, professores, estudantes, especialistas, nenhum deles consultado na elaboração, para alinhavar meia dúzia de dogmas ultraliberais e colocar a universidade sob gestão de bancos.

É hora de reafirmar com clareza nosso compromisso básico: universidade pública, gratuita, laica, de qualidade e socialmente referenciada. Nenhum projeto que negue esses valores merece discussão.

* Luis Felipe Miguel é Professor de Ciência Política da UNB, onde coordena o Grupo de Pesquisa sobre Democracia e Desigualdades, e jornalista formado pela UFSC