“Nosso desafio é envolver cada vez mais os filiados”, diz presidente da Apufsc

Professor Bebeto Marques avalia primeiro ano no comando do sindicato e fala dos próximos passos

Ao completar um ano à frente da Apufsc-Sindical, o presidente do sindicato, Carlos Alberto Marques, fala sobre os desafios que a entidade tem enfrentado diante da nova conjuntura. Bebeto, como é conhecido pela comunidade universitária, também é professor titular do Departamento de Metodologia de Ensino no Centro de Ciências da Educação (CED), Doutor em Química (UNIVE- Itália, 1995) e Pesquisador 2 CNPq.

Na entrevista a seguir, concedida na Sede Campus da Apufsc, o presidente revela alguns dos seus objetivos para o próximo um ano da diretoria do Sindicato dos Docentes das Universidades Federais de Santa Catarina e comenta sobre questões importantes, como o Programa Future-se e os cortes nas universidades. 

Bebeto tem mais um ano como presidente da Apufsc-Sindical. Foto: Diana Koch/ Imprensa Apufsc

A atual diretoria está há um ano à frente da Apufsc-Sindical. Quando vocês assumiram, a realidade era completamente diferente, tanto no País quanto na UFSC. Como o senhor observa essas mudanças? 

Todo dia é um novo desafio, tanto pela necessidade de acompanhar e interpretar as notícias e medidas, na maioria ruins, do Governo Federal, quanto pelos reflexos que elas têm dentro do funcionamento da universidade. O maior problema talvez seja conviver com as políticas de financiamento do governo às universidades públicas, porque parece que eles não querem que elas existam e isso tem desdobramentos na própria realização do nosso trabalho. Veja, os professores querem trabalhar em paz e não ficar o tempo todo tendo que se defender. Portanto, organizar a categoria, explicar as políticas do governo e engajar os professores nas lutas é algo que tem exigido de todos nós da diretoria muito trabalho.

De que maneira a diretoria tem tentado superar esses desafios?

Primeiro, é preciso registrar que temos um grupo de diretores muito engajado e comprometido com a categoria e com lutas sindicais. Segundo, atuamos para munir os professores com mais informação. E, terceiro, chamando-os à participação de modo democrático e plural, com engajamento nas lutas nacionais, afinal de contas nós somos uma categoria nacional. Enquanto esse governo não modificar as suas políticas, a todo instante vamos ter que chamar os professores ao envolvimento. Isso obriga o sindicato a ser mais presente nas lutas sindicais. Nós nos elegemos com a perspectiva de um sindicato de lutas. O que nós temos conseguido fazer é trazer mais gente para os fóruns sindicais. Tivemos duas grandes assembleias e isso levou mais pessoas a se filiarem e a participarem das atividades. O sindicato é um instrumento, quanto mais pessoas participam, mais forte é o sindicato e mais as decisões são representativas.

” Enquanto esse governo não modificar as suas políticas, a todo instante vamos ter que chamar os professores ao envolvimento.”

Como presidente da Apufsc e membro do Grupo de Trabalho da UFSC que discutiu o Future-se, o senhor tem participado ativamente das discussões com a comunidade universitária sobre o projeto do governo federal. Qual o posicionamento da Apufsc em relação ao Future-se?

O que nós temos até agora é uma versão preliminar do Future-se. O posicionamento da Diretoria e do Conselho de Representantes é contrário ao Programa, porque a lógica que ele expressa, de buscar outras fontes de financiamento e de que a gestão universitária não é eficiente ou correta, além de ser incorreta, é uma visão estreita do que seja uma universidade. O Future-se coloca nas mãos de um setor da sociedade, mais ligado a indústria, o financiamento da instituição e isso pode levar ao atrofiamento de muitas áreas do conhecimento que constituem a universidade. É uma lógica lesiva ao próprio conceito de universidade, a qual é constituída e atua em todas as áreas do conhecimento, seja para formar pessoas em alto nível seja para produzir soluções para toda a sociedade brasileira e não somente para um setor. Portanto, é um Programa que tende mais a destruir as universidades do que a ajudar a aperfeiçoá-la. Além disso, esse programa contém dispositivos que podem levar a destruição de um princípio fundamental ao trabalho docente, que é a autonomia, intelectual e didática, por meio da ingerência externa de um profissional contratado via CLT que poderá atuar no ensino. Por isso o programa Future-se é um equívoco e algo lesivo para a própria universidade. Lutar pela não adesão ou mesmo pela sua não aprovação tem nos tomado e vai tomar muito tempo, pois precisamos dialogar com a sociedade e com o Congresso Nacional.

“O Future-se tende mais a destruir a universidade do que a aperfeiçoá-la”

Como deve ficar o financiamento das universidades que não aderirem ao Future-se, como é o caso da UFSC, que já rejeitou o programa?

Não se sabe, porque no texto não está escrito nada sobre isso. O ministro da Educação tem dito que a princípio não haveria o ‘desfinanciamento’ público. Mas mesmo que se mantenha o financiamento que temos hoje, ele já é insuficiente e no orçamento do ano que vem já teremos um corte de 40% na verba de custeio da UFSC. O que eu vejo é que o futuro será muito ruim com o Future-se e com a atual política de financiamento das universidades e do sistema nacional de ciência e tecnologia.

Podemos afirmar que há uma crise de financiamento das universidades em geral?

Sem dúvida, a crise é profunda e grave. Se aplicado o orçamento para 2020, por exemplo, a UFSC terá o menor orçamento dos últimos dez anos. Isso é provocado por políticas governamentais relacionadas ao setor público. O fato é que o governo prioriza o orçamento público para outras coisas que não a educação, colocando a educação e as universidades como despesa, não como um investimento. Para o Brasil se desenvolver é preciso investir em educação e em ciência, tecnologia e inovação, e não ao contrário tornando o país cada vez mais importador de produtos de valor agregado. Mas, os problemas das universidades aumentam, pois nossa crise não é uma crise isolada, considerando que outras medidas que afetam o financiamento da ciência e a tecnologia também têm sido brutais por parte do governo. É esse conjunto de medidas que está levando à destruição da universidade pública brasileira que é responsável por 90% da pesquisa, que se ancora fortemente na pós-graduação. Mantida essa política de corte, os efeitos serão devastadores e comprometerão o futuro soberano do país.

A UFSC teve R$ 43 milhões do seu Orçamento de custeio bloqueados pelo governo em abril, sendo que R$ 22 milhões continuam contingenciados. Qual o impacto desses bloqueios para a universidade?

Isso é revoltante e ao mesmo tempo assustador. Nós convivemos com 48 mil pessoas, entre professores, técnicos e alunos. Chegar à situação onde não se sabe se no mês seguinte a universidade terá condição de atender, principalmente o ensino, bolsas, assistência estudantil, é algo que nunca vimos antes. E principalmente porque o governo não dialoga, pelo contrário, desprestigia e difama a universidade. Acusa os professores de serem milionários, deslegitima a ciência o tempo todo. A comunidade universitária tem expressado seu descontentamento e o sindicato se torna ainda mais importante na vida dos professores. O trabalho conjunto com as outras entidades são fundamentais.

A comunidade universitária tem expressado seu descontentamento e o sindicato se torna ainda mais importante na vida dos professores.

Como forma de protesto, os estudantes da UFSC estão em greve há cerca de um mês. Os professores optaram por não aderir ao movimento, mas decidiram participar da paralisação nacional de 48 horas, por exemplo. Qual a importância dessa mobilização?

Toda luta dos estudantes tem servido de exemplo para todos a comunidade universitária, em particular para nós professores. Obviamente que a forma de luta é uma escolha deles. Os professores optaram por não paralisar por tempo indeterminado. Nós julgamos que o mais importante é que nessas lutas a gente dialogue com a sociedade para reforçar o papel da universidade e da ciência. Respeitamos as opções estudantis e estamos buscando conviver com as consequências dessa forma de atuação. O importante é que a comunidade universitária se una nas lutas, porque isso que dá uma força capaz de ir contra as políticas governamentais, que ainda não acabaram. Temos que resolver o problema dos cortes orçamentários deste ano, o orçamento do ano que vem, o programa Future-se e uma reforma administrativa que se aprovada vai alterar completamente a organização do trabalho docente, o regime de contratação e com efeitos inclusive na organização didática. Se essas políticas forem implementadas, não há dúvida de que a universidade pública tende a ser atrofiada e eu diria que, a médio prazo, tende a ser privatizada ou desaparecer.

O senhor sempre fala em resgatar esse espírito de luta por parte dos professores. Nesse sentido, como analisa a caminhada até aqui à frente da Apufsc? 

Tem sido muito trabalhoso, porque a maioria dos diretores, como eu, estão na ativa, e não têm liberação para trabalho sindical. Eu dou aula na graduação, na pós, faço pesquisa, oriento. Então tem sido um trabalho árduo, cansativo, mas ao mesmo tempo interessante, porque a resposta dos professores tem sido boa. Nós tivemos cerca de 300 novas filiações, a participação nas assembleias tem sido muito grande, tivemos recorde de participação nas últimas votações. Nosso Conselho de Representantes aumentou, triplicou o número de representantes dos departamentos no Conselho. A Apufsc tem sido referência na construção de opinião em diverso temas públicos, na construção de convergência tanto para se compreender os problemas e apontar caminhos nas lutas da universidade. Além disso nosso sindicato tem ganhado respeitabilidade no mundo sindical, inclusive no meio externo. Fazemos parte do Observatório do Conhecimento, temos um diálogo direto dentro Câmara Federal com muitos deputados, especialmente com as diversas frentes parlamentares em defesa do serviço público. Somos chamados a opinar sobre temas que envolvem a autonomia da universidade e o próprio Future-se. Eu diria que nesse um ano de gestão, apesar do cansaço, tem sido gratificante pois temos uma diretoria que colabora com as lutas sindicais sem perder de vista o trabalho de apoio aos filiados. Estamos aqui estudando a possibilidade de oferecer um plano de saúde alternativo, temos muitos convênios, atividades recreativas, culturais. Mudamos o escritório de advocacia que presta serviços aqui e nos campi. Do ponto de vista político, sabemos acolher a crítica política, que é saudável e nós convivemos bem com ela. Por isso tem sido importante essa reformulação da nossa imprensa, que dá vazão às opiniões. Essa aproximação dos professores e a ressignificação de um sindicato de lutas nos gratificam.

“O sindicato não é uma diretoria, o sindicato se faz com muitas pessoas.”

Quais os objetivos para o próximo ano de gestão?

A própria categoria apontou que é preciso estar filiado nacionalmente, nós precisamos equacionar isso, aperfeiçoar o estatuto, talvez aumentar um pouco a diretoria, ter uma diretoria específica para políticas sindicais e oficializar a representação sindical dos campi, por exemplo. Foi um acerto termos criado um Grupo Especial de representação dos quatro campi do interior, pois isso aumentou o grau de representação e participação da categoria. Também queremos ampliar e diversificar um sistema de comunicação e o novo site já é isso, pois o tornamos mais moderno, mais interativo e mais dinâmico. E continuar com essa disposição de luta, abertura ao envolvimento de mais pessoas. O sindicato não é uma diretoria, o sindicato se faz com muitas pessoas. O desafio é envolver cada vez mais os filiados.

Diana Koch