‘Parasitas’ de Guedes evitam o desmonte total do serviço público

Por Luiz Fernando Vianna

Ao chamar os servidores de parasitas, na sexta 7, Paulo Guedes não fez um desabafo, mas expôs uma política de Estado. No Brasil, desmonta-se o que é público para que os agentes privados – com subsídios públicos, mas arrotando o discurso da livre iniciativa – construam seus próprios monopólios.

Se “o dinheiro não chega no povo”, como discursou o ministro da Economia, certamente não é por causa do funcionalismo. Pegue-se o exemplo da Cedae (Companhia Estadual de Águas e Esgotos), que está entregando água barrenta e fedorenta aos contribuintes do Rio de Janeiro.

A empresa, por causa dos cargos e recursos que movimenta, sempre foi alvo da cobiça de políticos. Ela é entregue por governantes em troca de apoio na Assembleia Legislativa. Eduardo Cunha já deu as cartas por lá. Hoje, o dono da Cedae é Everaldo Dias Pereira, o Pastor Everaldo, padrinho político do governador Wilson Witzel. Há uma guerra no momento, pois a turma do secretário estadual de Desenvolvimento Econômico, Lucas Tristão, quer tomar conta do pedaço. Ninguém está preocupado com a qualidade da água.

Em março de 2019, foram demitidos 54 funcionários. É gente com 25 a 40 anos de casa e bastante conhecimento técnico. Alegação para as demissões: altos salários. O presidente da companhia, Hélio Cabral, foi posto na função pelo Pastor Everaldo. Em 2015, quando rompeu a barragem de Mariana (MG), deixando 19 mortos e o Rio Doce destruído, Cabral era conselheiro administrativo da Samarco, mineradora responsável pela tragédia. Segundo o Ministério Público, os dirigentes da empresa sabiam dos riscos.

A Cedae vem sendo sucateada, com redução de pessoal e investimentos, para ficar mais lucrativa e, logo, mais valiosa quando for privatizada. Em 2018, o superávit foi de R$ 750 milhões. É o valor que, agora, Witzel diz que vai investir na reforma da estação de tratamento da ultrapoluída água do Rio Guandu.      

No INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social), 7 mil funcionários se aposentaram em 2019. Não houve reposição e deu-se um apagão técnico. Já está em 1,83 milhão o número de pedidos de aposentadoria parados. A fim de agradar uma parte de sua base de apoio popular, o governo decidiu chamar militares para tapar o buraco. Constatou que eles não aprenderiam o serviço a tempo e resolveu chamar também funcionários do INSS que tinham se aposentado. Tamanho do déficit de pessoal estimado pelo governo: exatamente 7 mil.

O SUS (Sistema Único de Saúde), de valor reconhecido internacionalmente, é violentado desde a sua criação, em 1988, para que as operadoras de planos de saúde e as redes privadas de hospitais dominem o setor. Vende-se a ideia de que a saúde pública não funciona, como se fosse possível funcionar satisfatoriamente sem condições mínimas.

Há método na incompetência. O ministro da Educação, Abraham Weintraub, saliva ao fantasiar que sexo e drogas rolam soltos nas universidades públicas. Sob a sua notória imbecilidade está o projeto do governo – e não só do atual – de desmontar a educação pública e deixar o terreno livre para os grandes grupos privados.

No entanto, em que universidades a maioria dos jovens de classes média e alta quer estudar? Nas públicas. Apesar de toda a secura de verbas e dos ataques que sofrem, elas são as melhores. Infelizmente, é bastante plausível imaginar que existam profissionais formados em faculdades federais e estaduais que pensam como Guedes.

O ministro é estrela de um governo que não é mais privatista do que outros da história recente do país. Mas é orgulhosamente destrutivo. A gestão de Jair Bolsonaro não tem ideias claras sobre o que deseja construir, mas não esconde o que deseja destruir. Ibama, Inep, Funai, SUS, Funarte… Tudo o que, embora sofrendo há muito com o sucateamento, deve desempenhar papéis civilizatórios é alvo do atual governo. É coerente que, em relação ao serviço público, não se tente melhorá-lo, mas destruí-lo.

Bolsonaro passou à reserva do Exército aos 33 anos, quando se elegeu vereador no Rio de Janeiro. Desde então, nunca deixou de ter mandatos. Pode ter amealhado recursos de outras maneiras, mas sempre foi remunerado pelo contribuinte. Seria um parasita?

Luiz Fernando Vianna é jornalista

O artigo foi publicado originalmente no site da revista Época