Corte de bolsas leva à queda na busca por pós-graduação

Na UnB, por exemplo, curso de mestrado em Ciência Política teve 100 alunos inscritos em 2018 e 70 no ano passado

Depois de passar por um boom com a expansão das universidades de 2003 a 2012, a busca por cursos de pós-graduação no Brasil está em baixa. A queda se acentuou no ano passado, segundo relatos de coordenadores de cursos e entidades de classe relacionadas a mestrados e doutorados.

Um dos fatores determinantes que têm afastado os estudantes da carreira acadêmica é a incerteza quanto às bolsas de ensino, com destaque para o imbróglio no governo Bolsonaro. O Ministério da Educação chegou a cortar o fomento aos estudantes no ano passado, mas após pressão social, voltou atrás. 

Exemplo dos impactos desse cenário de incertezas é a história da mestranda em Geografia na UnB (Universidade de Brasília) Larissa Sousa, 28 anos. Ela termina o mestrado no próximo mês e o caminho que havia planejado incluía emendar o doutorado. Tanto que ela chegou a fazer a inscrição, mas abandonou o plano. 

“Desisti porque é inviável tentar, sabendo que vou ficar anos passando necessidade por causa de bolsa. Pesa muito, como vou fazer doutorado sem bolsa? Se não tiver essa garantia, não consigo me manter.” 

Ela elenca outros agravantes que a impedem de seguir a carreira acadêmica sem amparo financeiro. “A pós-graduação exige dedicação exclusiva. Se for dar aula com 20 horas semanais, o salário é baixo, é muita coisa para dar conta. Se forem 40 horas, fica impossível. Não dá para se dedicar ao doutorado. A UnB é muito exigente, exige presença do aluno, produção e comprometimento com a vida acadêmica. Se for para seguir o doutorado, é para fazer só isso”, afirma. 

“Quem entra no mestrado sabe que a bolsa é de R$ 1,5 mil, no doutorado, é de R$ 2,2 mil. Isso para bancar todo custo de vida, aluguel, alimentação… A pessoa fica estagnada naquele valor, mas a academia quer que você, além de produzir, esteja ativo, com presença em eventos como congressos. Então, você entra na pós-graduação sabendo que tem que ficar entre os primeiros lugares para ganhar uma bolsa em um ano”, diz.

Foi isso que aconteceu com ela no mestrado. Larissa ingressou no curso em março de 2018 e apenas em maio de 2019 conseguiu a bolsa. “Foram 14 meses tendo que me virar. Agora que estou finalizando o mestrado, estou em busca de emprego. Vou receber em março a última bolsa e não sei como vai ser depois”, diz. 

A história de Larissa é caso comum que tem sido registrado em universidades por todo Brasil. Ainda na UnB, o curso de mestrado em Ciência Política, por exemplo, teve 100 alunos inscritos em 2018. Em 2019, o número de interessados em tentar a pós caiu para 70. No programa de pós em Literatura da Universidade Federal de Uberlândia, a queda no número de candidatos no mesmo período foi de 50%. Há ainda casos nas federais do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro e Amazonas. 

A Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG) também recebeu queixas de estudantes que renunciaram à ideia de seguir a carreira acadêmica. As justificativas endossam os argumentos da mestranda na UnB.

Presidente da ANPG, a mestranda em História na USP (Universidade de São Paulo) Flávia Calé diz que a bolsa é um dos fatores que mais pesam na decisão de abortar o ingresso na pós-graduação.

“Estamos vendo um processo de desvalorização da pesquisa, estamos no sétimo ano sem reajuste de bolsa. Os valores não comportam todas as atividades do pós-graduando. A gente identificou, junto com as universidades, que ainda não existe um aumento de taxa de evasão: quem entra na pós conclui. Mas o que se tem é uma seleção mais esvaziada.”

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