Heleno critica Congresso e reforma administrativa é adiada

Segundo o Valor, recuo do governo foi motivado por críticas do general às “chantagens” dos parlamentares em áudio vazado no canal do presidente no Facebook

Na tarde desta quarta-feira (19) o Congresso foi informado pelo governo que o texto da reforma administrativa  não será mais enviado ao Parlamento nesta semana. No dia anterior, o presidente Jair Bolsonaro tinha declarado à imprensa que iria “virar a noite estudando” o texto da reforma para enviá-la ao Congresso antes do Carnaval. O jornal Valor Econômico, que ouviu fontes em sigilo, relaciona o recuo do presidente ao vazamento de um áudio em que o general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), acusou o Legislativo de “chantagear” o governo e foi rebatido pelos presidentes da Câmara e do Senado.

O impasse ajudou a adiar novamente o envio da proposta de reforma administrativa, que ficou sem prazo para sair das gavetas do Palácio do Planalto.

Disputa pelo controle do Orçamento

Heleno se insurgiu contra a tentativa dos congressistas de aumentarem seus poderes sobre a execução do Orçamento e afirmou, enquanto conversava com os ministros da Economia, Paulo Guedes, e do Governo, Luiz Eduardo Ramos, que eles não deveriam “aceitar esses caras chantagearem a gente o tempo todo. F…-se”. A conversa, que ocorreu durante uma cerimônia, teve o áudio vazado pelo canal oficial do presidente Jair Bolsonaro no Facebook.

O episódio causou reações. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), disse que o ministro foi “infeliz” e se transformou num “radical ideológico contra a democracia”. Ele ironizou ainda que não viu “por parte dele [Heleno] nenhum tipo de ataque ao Parlamento quando a gente estava votando o aumento do salário dele como militar da reserva”. O presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), foi menos enfático e disse que “nenhum ataque à democracia será tolerado pelo Parlamento”.

O ministro Augusto Heleno insistiu no assunto à tarde, dizendo que alguns parlamentares têm “insaciáveis reivindicações” por fatias do Orçamento, o que reduz o poder do governo de decidir como gastar os recursos. “Isso, a meu ver, prejudica a atuação do Executivo e contraria os preceitos de um regime presidencialista. Se desejam o parlamentarismo, mudem a constituição”, escreveu no Twitter. E foi apoiado por um dos filhos do presidente, o vereador Carlos Bolsonaro (PSC). “Como gostaria de ter o prazer de ver muitos dentro do governo terem o entendimento do perigo que o país atravessa, a exemplo do Grande Heleno”, reforçou.

O novo estremecimento na relação entre governo e Congresso, junto com divergências sobre as regras para os novos servidores públicos, levou o governo a suspender de novo o envio da reforma administrativa para o Legislativo, segundo fonte. Não há novo prazo para essa decisão.

Apesar dos embates públicos, a principal preocupação das lideranças políticas, contudo, é a tentativa do governo de rever o acordo sobre o Orçamento impositivo. Líderes da Câmara passaram o dia em conversas e decidiram que, se o acordo não for cumprido, derrubarão os vetos presidenciais à Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) sem dar como contrapartida de aprovar a redução das emendas ao Orçamento de 2020 de R$ 45 bilhões para R$ 34 bilhões.

O acordo fechado semana passada com o ministro Ramos é para aprovar um projeto de lei devolvendo ao Executivo o controle sobre R$ 11 bilhões em recursos dos ministérios e manter os vetos que obrigam o empenho das despesas em 90 dias e permitiriam enquadrar Bolsonaro por crime de responsabilidade se ele não executar o Orçamento do jeito determinado pelo Congresso.

Em troca, o governo não faria resistência à derrubada do veto que determina que os próprios aos autores das emendas parlamentares ao Orçamento decidirão a ordem e prioridade de execução delas. Esses recursos, que somam R$ 45 bilhões, incluem mais da metade dos recursos para investimentos em 2020.

A dúvida entre os deputados, como já se tornou rotineiro, é se os senadores darão apoio a essa estratégia. Parte deles se insurgiu contra a derrubada do veto, dizendo que o relator do Orçamento, o deputado Domingos Neto (PSD-CE), teria sozinho muito poder ao decidir sobre a execução de cerca de R$ 19 bilhõesA avaliação dos deputados, contudo, é de que há os 41 votos necessários para derrubar o veto, mesmo a contragosto do governo.

O veto levou Guedes a se reunir com Alcolumbre e parlamentares na noite de anteontem para renovar o pacto em favor da agenda de reformas econômicas, com prioridade para votação da PEC Emergencial, e acalmar os ânimos em torno do debate sobre o Orçamento impositivo. A equipe econômica é favorável ao veto, que tira deles o controle do orçamento, mas busca um entendimento para resolver essa questão sem prejudicar os demais assuntos.

Para melhorar a relação, Bolsonaro planejava fazer uma mudança na articulação política para tentar melhorar a relação com a Câmara. O ex-ministro da Cidadania Osmar Terra (MDB-RS), deputado em sexto mandato, afirmou a colegas que deve assumir a liderança do governo no lugar do deputado Vítor Hugo (PSL-GO) após o Carnaval. Hugo tem uma relação conturbada com Maia e dificuldade de negociação com os demais líderes partidários da Câmara.

Valor Econômico