Foi descoberto um possível tratamento?

Especialista em biologia molecular diz que pandemia vai ensinar o valor da ciência e o tamanho da desgraça que é ter líderes ignorantes

Especialista em biologia molecular e ex-professor titular no Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP), Fernando Reinach dedicou sua última coluna no Estadão para tratar da corrida da ciência no combate ao coronavírus.

Ele conversou com o cientista francês responsável por testar uma combinação de medicamentos que surtiu efeitos positivos na cura da doença. Reinach traz boas notícias e faz o alerta para quem ainda não entendeu: Twitter não mata o vírus.

Leia na íntegra o texto de Reinach:

Desenvolver drogas e vacinas para o coronavírus é uma rota segura, mas lenta. E tempo é o que não temos. Outra possibilidade é procurar no nosso estoque de armas que já estão na prateleira, se alguma delas funciona contra o vírus. Esse estoque de armas são as milhares de drogas que já são usadas e estão disponíveis nas farmácias e nos laboratórios farmacêuticos. A grande vantagem desses compostos é que eles já foram testados em seres humanos, sabemos a dose que podemos usar, conhecemos os efeitos colaterais e, em muitos casos, existem fábricas que podem ser expandidas rapidamente.

Desde o início da epidemia, em praticamente todos os hospitais, médicos estão testando os mais diferentes medicamentos. Mas, infelizmente, na maioria dos casos, eles simplesmente não combatem o vírus. Os resultados negativos têm sido publicados rapidamente para evitar que outros grupos tentem o mesmo medicamento. As revistas científicas de medicina estão coalhadas desses estudos. A novidade é que agora circulou um trabalho que indica que uma combinação de duas drogas já conhecidas parece funcionar.

Para entender o resultado é importante compreender como são feitos os experimentos. Os médicos recrutam pacientes e os dividem em dois grupos. O primeiro é tratado com drogas, o segundo serve como controle. Em seguida os resultados são apurados.

Esse trabalho envolveu 36 pessoas internadas com resultado positivo para o vírus. Destas, 16 não foram tratadas e 20 foram tratadas. Todas as 20 foram tratadas com hidroxicloroquina e 6 das 20 receberam também azitromicina. A média da idade dos pacientes foi de 45 anos e nenhum deles era caso gravíssimo (que necessitam de respiradores). O estudo começou 4 dias depois que os pacientes foram internados e durou 6 dias. Os pacientes foram testados diariamente para a presença do vírus. Foi usado o mesmo método de teste que é utilizado pelos laboratórios para saber se uma pessoa está infectada.

O resultado é impressionante. Depois de 6 dias, 90% dos pacientes não tratados ainda testavam positivo para o vírus. Entre os tratados com uma das drogas, a hidroxicloriquina, 55% testaram positivo. Entre os 6 indivíduos tratados com ambas as drogas, já no quinto dia nenhum testou positivo, o que se repetiu no dia 6. Ou seja 100% dessa pequena amostra foi aparentemente curada. Um resultado muito claro, mas ainda preliminar. A figura abaixo mostra os resultados.

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Gráfico mostra o resultado da pesquisa sobre tratamento para o coronavírus. Foto: Reprodução

Antes de você ficar muito animado é preciso lembrar que esse é um estudo muito pequeno, feito com pouquíssimos pacientes, no qual as pessoas não foram colocadas de maneira aleatória nos grupos de estudo. Ou seja, ele tem que ser repetido com mais pacientes ao longo de mais tempo em mais centros, com pacientes de diferentes idades e gravidade. Mas sem dúvida é encorajador. Não tenha dúvida que nas próximas semanas saberemos se esse resultado foi confirmado. Se for confirmado, será o primeiro tratamento para a Covid-19.

A grande vantagem desse tratamento é que ele usa duas drogas amplamente comercializadas. Uma delas é um derivado da droga que usamos para tratar malária e a outra é um antibiótico. Ambas são drogas baratas, muito bem conhecidas. Já existiam evidências que a hidroxicloroquina ataca células que produzem o coronavírus. O efeito da azithromicina ainda não é bem entendido, mas o mais provável é que ela evite o crescimento de bactérias nos pulmões afetados.

Esse resultado é quase bom demais para ser verdade, e por isso os cientistas estão ocupados repetindo os experimentos. É esperar para ver. Enquanto esses experimentos estavam sendo feitos, nosso líder, ao invés de nos preparar para a pandemia, insistia em dizer que tudo era histeria superdimensionada. Agora, quando aparece com uma máscara pendurada em uma só orelha, resultados científicos são divulgados. Twitter não mata vírus. Lembre disso.

Conversei com o líder da pesquisa na França, um cientista bem conhecido chamado Didier Raoult para me certificar que os dados eram reais. Ele afirmou que o trabalho já havia sido revisado e será publicado em breve em uma revista científica.

Fernando Reinach é especialista em biologia molecular e ex-professor titular no Departamento de Bioquímica da Universidade de São Paulo (USP). Foi um dos coordenadores do primeiro projeto genoma brasileiro, que decifrou o material genético da bactéria Xylella fastidiosa, causa importante de doenças em laranjais e outros cítricos de importância econômica.