Notas críticas sobre pandemia e ações políticas

Por Bebeto Marques

A quem mais tem mais será dado

3.04.2020

A voz corrente agora é sobre quem vai se sacrificar pelo Brasil e pagar a conta da pandemia de COVID-19. Obviamente, os mais ricos e seus porta-vozes, dentre eles o governo federal, vários parlamentares e mídias como a Globo, já saíram na frente e apresentaram a solução: cortar salários, especialmente do funcionalismo público. Várias propostas tramitam no Congresso, uma delas já rejeitada propunha corte de 50%, outras com cortes até 25% – o que renderia cerca de R$ 18 bilhões. Valor insignificante diante da previsão do rombo nas contas públicas por conta da pandemia, hoje em R$ 419 bilhões, mas devendo chegar entre R$ 700 bilhões e R$ 1 trilhão.

Mas vamos ter que lembrar em que país vivemos e um dos fatores das desigualdades que carregamos. Das 200 pessoas mais ricas do país, as 20 primeiras juntas somam R$ 512 bilhões. Só os 6 primeiros bilionários concentram a mesma riqueza que a metade da população mais pobre, cerca de 100 milhões de brasileiros. Desses 6 bilionários, Joseph Safra – o banqueiro mais rico do mundo – tem a fortuna de 25 bilhões de dólares, o equivalente ao que se está propondo como Renda Básica de Emergência por seis meses, num valor de cerca R$ 120 bilhões. Sim, uma só pessoa detém a fortuna equivalente ao que 77 milhões de brasileiros receberiam como a Renda Básica (R$ 330 por pessoa, durante 6 meses). Apenas mais um exemplo, em 2019 o governo deu R$ 376 bilhões de incentivos fiscais, ano em que o Brasil bateu o recorde em desigualdade social.

É uma narrativa falaciosa, hipócrita e recheada de mau-caratismo falar que todos devem dar sua cota de sacrifício para salvar o Brasil. Muitos já o fazem e os primeiros são os trabalhadores da iniciativa privada, que agora ainda poderão ter reduzidos seus salários, mas a esses o Estado brasileiro terá que cobrir a folha de pagamento durante a crise. Enquanto isso, a elite financeira e os mais ricos pilham o dinheiro da população o ano todo, especialmente via juros e amortizações da dívida pública, protegendo suas fortunas em paraísos fiscais. Fica o desafio: taxem as grandes fortunas e votamos a falar sobre sacrifícios. Enquanto isso, prevalece a máxima: a quem mais tem mais será dado; e fica a punição para quem trabalha e paga seus impostos diretamente na fonte.

Santa Catarina: quarentena meia-sola

02.04.2020

O libera-e-fecha na quarentena, promovido pelo governador de Santa Catarina, cria confusão e coloca ainda mais toda a população catarinense em risco. É a terceira medida em menos de um mês. A primeira mandou todos ficarem em casa. A segunda, liberou praticamente tudo, exceto escolas. E agora liberou bancos, lotéricas e a construção civil – e o comércio a ela associado. Que o Coronel Moisés seja inexperiente em administração pública todos sabemos, mas é pouco razoável que não se apoie nas expertises sobre saúde pública e não siga as orientações do ministério da Saúde.

Torna-se evidente sua insistência em ouvir e atender os setores econômicos em detrimento do isolamento social, colocando em risco a saúde dos trabalhadores, seus familiares e toda a população que direta ou indiretamente se relaciona com essas atividades. O Congresso Nacional já aprovou auxílio financeiro emergencial aos trabalhadores e às empresas, então, por qual razão autorizar a reativação desses setores? Em um país (incluindo o estado de SC) em que faltam material de proteção individual e UTIs – com o sistema de saúde já apresentando sinais de colapso -, brincar de abre e fecha é um ato de irresponsabilidade política e sanitária. Novamente apelamos pela revisão dessa medida, não esperando que aumente o número de infectados e mortos.

O vírus coroa os inconsequentes

1º.04.2020

Sempre com seus cálculos políticos, assistimos ontem a um pronunciamento do presidente da república falando antes de tudo para si mesmo. Sem convicção do que dizia, mostrou-se um homem-presidente fraco, isolado e com discurso raso. Deixou de dizer a coisa mais importante: Fiquem em casa! Claro, não combina com o valentão que enfrenta a gripezinha com um sopro de macho.

A mudança de tom no discurso, entretanto, não trouxe algum conforto às vítimas e tampouco embalou medidas substantivas de socorro sanitário aos mais necessitados, de preservação dos empregos e do sistema produtivo. Pelo contrário, em seu discurso insistiu em deturpar a fala do diretor geral da OMS sobre os riscos econômicos que medidas restritivas podem trazer, como o desemprego. Afirmação essa que Ghebreyesus fez apenas para defender que os países precisam planejar políticas públicas de não abandono aos trabalhadores de todo tipo. Além disso, manteve subliminarmente suas teses contra o isolamento ao semear ilusões na população quanto à cura da doença via a cloroquina (algo cientificamente não comprovado), quase como dizendo fiquem tranquilos, podem relaxar e voltem à normalidade.

Bolsonaro tornou-se um líder populista de extrema-direita contestado em todo o mundo, expondo o Brasil a um vexame internacional ao se contrapor às medidas sanitárias de isolamento social defendidas pela OMS e pelos principais líderes mundiais. Um perigo ao povo brasileiro, como se tem escrito na imprensa internacional.

Preso às suas ambições de poder e ideias negacionistas da ciência, nosso presidente acredita que sairá ileso dessa crise sanitária e política. Nem os mortos por Covid-19 esquecerão de cobrar a fatura via os seus familiares. Como disse um bravo refugiado haitiano: acabou Bolsonaro! Você não é mais presidente. Acrescento apenas que carrega a faixa presidencial e uma caneta Bic cada vez mais sem tinta. Apelo para que as instituições e todas as forças políticas responsáveis, especialmente àquelas que o levaram e o mantém ainda no cargo, que apoiem a sua segunda aposentadoria, agora e para sempre.

Liberar a população da quarentena: temor, revolta e irresponsabilidade

27.03.2020

Estavam indo bem alguns governadores de alguns estados, entre os quais o de SC, no combate à difusão do coronavírus, por meio de medidas de isolamento social. Mas, contrariando cientistas do mundo todo, capitularam aos interesses econômicos em detrimento aos da saúde pública, os igualaram ao Capitão da morte, esse esportista que não se curva a uma gripezinha.

Expor os trabalhadores de alguns setores da economia, significa decretar que suas vidas serão salvas na roleta russa da contaminação e das consequências mortíferas do Covid-19. Os patrões, com seus planos de saúde privado e com seus automóveis para ir e vir – inclusive para se protegerem em carreatas de protestos -, estarão um pouco mais seguros do que os trabalhadores que deverão ir trabalhar amontoados em transporte coletivo.

Abrir meia porteira na quarentena é pura ilusão de que o vírus será seletivo, dado que compreenderá que a “economia não pode parar”. Ninguém irá controlar o efeito manada, e muitos serão os setores que abrirão suas portas. A consequência inevitável e incontrolável será que as pessoas tenderão a ficar mais próximas e aglomeradas. Prato cheio para a expansão das contaminações e a corrida ao sistema de saúde.

Na Itália, país com mais mortes por coronavírus do mundo, também teve a campanha “Milão não pode parar”, na região da Lombardia. Hoje, lá se contabilizam 4 mil mortos.

São tempos difíceis e as decisões não são fáceis, mas a única certeza é que precisamos salvar vidas. A economia não existe sem pessoas vivas.

É triste ver tantas autoridades se candidatarem a promotores do genocídio da população. Na história da humanidade já teve quem fez isso, seletivamente, por meio da câmara de gás.

Fica o apelo, enquanto é tempo, a revogaram tais medidas.

Bebeto Marques é Presidente do Sindicato dos Professores das Universidades Federais de Santa Catarina (Apufsc)