Cloroquina: o presidente quer lançar o país em uma aventura química

Por Bebeto Marques

Negacionista da ciência, não é a primeira vez que Bolsonaro quer colocar a população do país em uma aventura química. Em 2016, o então deputado federal apresentou projeto para liberar o uso da “pílula do câncer”, um remédio vetado (a fosfoetanolamina). Agora, como Presidente da República, ao contrário das orientações do próprio Ministério da Saúde e da OMS, quer que pessoas contaminadas pelo Covid-19, mesmo em fase inicial da doença, tomem o medicamento hidroxicloroquina ou a cloroquina (menos tóxica), mesmo que essa(s) substância(s) não tenham comprovada eficácia científica contra o vírus. Para tanto, o presidente ordena o gasto de milhões de reais, dinheiro do contribuinte, com a importação dos insumos químicos (princípio ativo) da Índia para fabricar o medicamento no país.

Suas crendices e fantasias não têm limites. Precisam ser impedidas, pois estamos falando em colocar a vida das pessoas em jogo, por ato do presidente. Cloroquina não é uma aspirina, tampouco o Covid-19 é uma gripezinha.

Os mais respeitados cientistas e especialistas do mundo todo têm referido que somente uma vacina colocará um fim nos efeitos desse vírus. Sobre o hidroxiacloroquina, usado para conter outras doenças, ainda estão sendo feito testes, portanto, receitá-lo sem evidências médicas pode causar até mortes, por exemplo, pelo agravamento em pessoas com cardiopatia, causando arritmia cardíaca.

E, os pacientes cardíacos com o coronavírus são os que apresentam maior percentual de mortes no país e no mundo. Por outro lado, receitar Cloroquina para pacientes com apenas sintomas de Covid-19 (a maioria, 85%), é expor os mesmos aos riscos desconhecidos, podendo levar o organismo a ter uma toxidez sinérgica.

Há um princípio na ciência que afirma que quando não se conhecem os riscos e impactos, devemos adotar o Princípio da Precaução, que no caso do Covid-19 é o distanciamento social e a aplicação de testes em massa para definir as formas e intensidade das restrições/isolamento social. Portanto, não se deve fazer o oposto, isto é, até que se prove que não faz mal, que se tome a hidroxicloroquina e se permita sair do isolamento, facilitando aglomerações, consequentemente aumentando o risco de expansão das infecções.

A Comissão Mundial sobre Ética da Ciência e da Tecnologia (COMEST, 2005, p. 14) afirma que “quando atividades podem conduzir a dano moralmente inaceitável, que seja cientificamente plausível, ainda que incerto, devem ser empreendidas ações para evitar ou diminuir aquele dano”. O dano e o incerto aqui é a Cloroquina, portanto, o juízo de plausibilidade deve estar fundado em análise científica, também salientada pela COMEST.

Ao querer mostrar seu poder, o presidente demarca sempre o terreno ideológico, inclusive sem originalidade, ao mostrar seu contínuo servilismo ao presidente Trump, um defensor não isento da Cloroquina. O presidente, ao não conseguir emplacar o fim da quarentena, renova a seu repertório populista anti-ciência propondo o uso desse medicamento. E o faz, novamente, com a artificial contraposição entre economia/emprego e saúde. Que use o dinheiro do tesouro nacional para ajudar a economia e as pessoas, e não se tornar um problema maior que a Pandemia. Falta ética ao sr. Bolsonaro.

Leia mais: Nota técnica da Fiocruz sobre o uso da Cloroquina

Presidente da Apufsc

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