Presidente da SBPC fala sobre o futuro do Brasil e o desmonte da ciência e tecnologia

“Que modelo de desenvolvimento a gente quer?”, questiona Ildeu de Castro Moreira em entrevista à ANPEd

A Ciência e Tecnologia no Brasil vêm sofrendo diversos ataques ao longo dos últimos anos. O presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Ildeu de Castro Moreira, destaca que desde 2015 os cortes na ciência são contínuos e brutais. “Para 2020 o recurso que nós temos para o Ministério [da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações] é o que tínhamos 15 anos atrás. A Capes perdeu 30% do seu orçamento do ano passado para este”, disse em entrevista para a Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação (ANPEd). Ainda que justificassem os cortes com a crise econômica, Moreira ressalta que diversos países identificam a ciência e tecnologia (C&T) como instrumento de superação de crise e intensificam seus investimentos para garantir crescimento do país.

Na entrevista, o presidente da SBPC comenta sobre a situação financeira de diversas agências e fundos – Capes, CNPq, Finep, FNDCT – e seus impactos na formação de alunos e pesquisadores. Os dados são do caderno “A Política Brasileira de CT&I e as manifestações da SBPC”, publicado pela SBPC no fim de 2019. Moreira faz ainda uma breve apresentação sobre o quinto estudo “Percepção Pública sobre Ciência e Tecnologia no Brasil”, lançado em julho de 2019, pelo Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE).

Moreira conta ainda sobre as promessas do Presidente da República. Durante o processo eleitoral, após questionado pela SBPC, Bolsonaro apontou como meta direcionar 3% do PIB para C&T. Atualmente, o país disponibiliza cerca de 1% do PIB para área, segundo presidente da SBPC. Quanto ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) a promessa foi de destravar os recursos disponíveis. No entanto, o que se viu esse ano, foi uma movimentação para extinção do fundo – salvo  pela mobilização da comunidade científica e acadêmica.

Para o presidente da SBPC, é preciso responder “Que modelo de desenvolvimento a gente quer? Que modelo econômico a gente quer pro país? A gente tem que discutir amplamente na sociedade brasileira que país é esse. […] Que riqueza nós temos no Brasil, na Amazônia, na energia, no território, na luz, no sol? Nós temos um potencial imenso! Mas como desenvolvê-lo de uma maneira que isso também seja repartido? Não seja só propriedade de um por cento da população.” Moreira considera também oportuno debater publicamente essas questões a partir da efeméride de 2022: “vamos aproveitar o simbolismo do bicentenário e pensar que pais a gente quer”. Leia convite ao final da matéria.

Para 2020, o presidente da SBPC elenca seis questões importantes para atuarmos:

Recursos

Os investimentos e recursos são essenciais para as instituições e entidades de C&T. Para Ildeu Castro Moreira, é necessário atentar para a diferença entre a fala e a ação: “Quer dizer, você pode até não fazer um discurso radical, mas quando tirar o recurso inviabiliza o funcionamento.”

Autonomia universitária

“É necessário preservar espaços de autonomia, de liberdade interna, de liberdade de pesquisa”, dentro das universidades e instituições. Moreira identifica as dinâmicas são diversas e formuladas a partir de suas tradições internas e é necessário respeitá-las. As universidade precisam estar atentas ao diálogo com as respectivas comunidades que pertencem, convidando a sociedade e trabalhadores para participarem também de sua construção, salienta.

Política ambiental

O presidente da SBPC indica a importância das universidades se envolverem na construção de políticas ambientais. Ele denuncia a situação atual brasileira, como a possível abertura de mineração em terras indígenas, diminuição das reservais legais da Amazônia, entre outras. “Ameaçam o Brasil como um todo, inclusive a economia e a natureza brasileira.” É necessário pensar um desenvolvimento sustentável.

Direitos humanos e sociais

É preciso continuar o trabalho em defesa de direitos humanos, no seu sentido mais amplo. Combater pensamentos e preconceitos que fazem parte da estrutura brasileira, “mas que a gente vinha tentando superar”. Moreira identifica que várias políticas sociais estão sendo desmontadas atualmente.

Democracia

Castro identifica a democracia como um valor muito importante. Resgata que nossa história e pontua a importância de reconquista dela, após Ditadura Militar, e pontua que hoje ela está em situação difícil novamente. Confira aqui nota da SBPC, de fevereiro deste ano, em defesa da democracia. “A sociedade brasileira não pode aceitar o retorno a experiências antidemocráticas e autoritárias do passado”.

Que país queremos?

“Evidentemente tem uma discussão, aí de fundo, que eu acho a universidade às vezes não faz, com intensidade que deveria fazer, é: que modelo de desenvolvimento a gente quer? que modelo econômico a gente quer pro país?

A SBPC está inclusive propondo, para os próximos dois anos, porque nós temos aí em 2022 bicentenário da independência do Brasil, que é uma data simbólica. Pode até discutir o que significou a independência em 1822, mas é uma data importante de construção da nação. Então nós estamos fazendo uma certa provocação a sociedade civil brasileira […]. A gente discutir amplamente na sociedade brasileira que país é esse. […]

A sociedade civil brasileira tem que tomar a si o dever de construir políticas públicas e um projeto de país, já que não tem vindo de cima pra baixo. Talvez a gente tenha errado de esperar que viesse. […]. Precisa ter toda uma articulação de política no país, de todas as áreas, da economia, dos direitos humanos, do direito garantido na Constituição. De que projeto temos pra frente de inovação.

Que riqueza nós temos no brasil, na Amazônia, na energia, no território, na luz, no sol? Nós temos um potencial imenso! Mas como desenvolvê-lo de uma maneira que isso também seja repartido? Não seja só propriedade de um por cento da população.”

Confira a entrevista na íntegra (vídeo).

Com informações do Jornal da Ciência