Às vésperas da pandemia, MEC lançou programa de alfabetização que encontra resistência entre estados e municípios

Iniciativa da pasta não foi discutida e pactuada com gestores locais que cuidam da educação na ponta e, segundo eles, desconsidera experiências exitosas em curso

Em meio à pandemia e às dificuldades de efetivar a alfabetização de crianças,  gestores reclamam das medidas empreendidas pelo Ministério da Educação (MEC) na área. A alfabetização é tratada como tema prioritário do presidente Jair Bolsonaro desde a campanha eleitoral. Embora os municípios sejam responsáveis por executar a política na ponta, boa parte deles seguem diretrizes de governos estaduais e dependem de orientação e recursos da União.

Em fevereiro, às vésperas da pandemia, o MEC lançou o programa “Tempo de aprender”, que estabelece diretrizes relacionadas à alfabetização com proposta de formação de professores e conteúdo pedagógico, entre outros eixos. Até a última sexta-feira, segundo o MEC, no entanto, apenas seis estados e o Distrito Federal aderiram ao programa. No caso dos municípios, quase 40% dos 5.570  ainda não ingressaram no “Tempo de Aprender”. A data limite para adesão, que  inicialmente ia até o dia 30 de maio, será estendida pelo MEC.

A pandemia da Covid-19 não explica, integralmente, a falta de interesse dos estados. Desde o lançamento, o Tempo de Aprender é alvo da crítica de gestores, que cuidam da alfabetização na ponta. O programa, segundo eles, foi feito sem qualquer pactuação ou debate com as redes de ensino.

A reportagem ouviu secretários estaduais pelo país que reclamam que o governo federal propôs iniciativas em relação à alfabetização que não levam em consideração, por exemplo, o que já é feito na área. Os estados foram consultados sobre a existência de programas locais de alfabetização e, das 17 unidades da federação que responderam, 13 já têm uma diretriz sobre o tema, com a adesão de municípios.

O “Tempo de aprender” é organizado em quatro eixos: formação continuada de profissionais de alfabetização, apoio pedagógico, aprimoramento de avaliações e valorização dos profissionais. Um dos poucos pontos elogiados pelos secretários é a possibilidade de custeio fornecido pelo MEC para atuação de assistentes de alfabetização, profissionais que auxiliariam os professores em sala de aula.

De acordo com cálculos obtidos pelo GLOBO via Lei de Acesso à Informação, o MEC já havia gasto com o Tempo de Aprender pelo menos R$ 900 mil, repassados à Universidade Federal de Goiás para pesquisas sobre tecnologias e produção de conteúdos para o desenvolvimento de material digital, interativo, responsivo e acessível na forma de cursos modulares de formação. Ainda faltavam R$ 700 mil, dentro do contrato feito. A pasta também prevê gastar R$ 6.3 milhões entre 2020 a 2024, com o Acordo de Cooperação Internacional entre a Capes, a Universidade do Porto e o Instituto Politécnico do Porto para o Desenvolvimento Profissional de Professores Alfabetizadores em Portugal.

Um terceiro gasto previsto era no valor de R$ 434 mil com um Termo de Execução Descentralizada para a Escola Nacional de Administração Pública (ENAP). O objetivo é a formação continuada de gestores escolares. O repasse dos recursos ocorreria até o dia 15/4/2020, segundo resposta via Lei de Acesso.

— A gente não reinventa a roda. Imagina se os estados não aderirem, como fica a alfabetização no Brasil? — questiona Natalino Uggioni, secretário estadual de educação de Santa Catarina.

Leia na íntegra: O Globo