A letargia da UFSC na pandemia: razões ideológicas

Por Armando Lisboa

“O Pântano da Tristeza em relação à UFSC fica ainda mais profundo ao ver que no Estado do Maranhão, onde ter 35% dos alunos da Rede Estadual sem condições de acesso à internet não foi motivo para a Secretaria Estadual da Educação parar tudo e nada fazer. Pelo contrário, foi razão para que se desdobrassem de um em dois, de dois e quatro, de quatro em oito e assim por diante para suprir a cada dia mais e mais alunos conectados em direção à inclusão pela educação” (J. Vianney).

O Presidente da Apufsc, há poucos dias, publicou uma reflexão sobre as dificuldades da retomada virtual do ensino em nossa universidade¹ . Como já indicado no título do seu artigo, para o professor Carlos A. Marques (Bebeto) a letargia da UFSC em adotar o ensino remoto deve-se apenas a “tecnofobia” e ao “anacronismo pedagógico”.

Estes fatores certamente contribuem, mas eles não perfazem nosso principal gargalo, de ordem político-ideológica. Na UFSC, as barreiras ao ensino virtual não são técnicas, mas essencialmente ideológicas. Paira no ar dos que resistem ao ensino remoto o temor de que aceitar o mesmo equivale a se render ao jogo político do atual Ministro da Educação, que, com sua visão privatista, normalizará as formas não presenciais após a pandemia² .

Assim, entre a cruz e a espada, as IFES estão enredadas numa armadilha ideológicopolítica: como a alternativa do ensino remoto significa ceder ao Ministro Abraham Weintraub e precarizar o ensino; nada fazer no âmbito do ensino até passar a pandemia passa a ser uma opção válida pois considerada parte da democracia e da defesa da universidade pública. Aulas virtuais costumam ser encaradas como mais limitadas que as presenciais, e acarretam n implicações políticas para o futuro da universidade estatal. Mas, como é socialmente inadmissível permanecer sem qualquer forma de ensino, esta atitude fragiliza ainda mais a instituição diante do atual governo federal, dando razões para corrosivas retaliações.

Em verdade, o prof. Bebeto tangencia aquela dimensão quando reconhece às “razões políticas” da tecnofobia na UFSC, e aí resgata “cicatrizes” da nossa história, apontando a experiência do LED e da PG em Engenharia de Produção.

Neste momento, e para corporificar a visão mercantilista da educação associada ao ensino virtual, Marques critica o artigo “Por que a UFSC nega seu DNA e proíbe a difusão do conhecimento”, do prof. João Vianney³ . A partir dum panorama do ensino remoto nestes tempos pandêmicos, não apenas em Santa Catarina, mas também no Brasil e no mundo, o prof. Vianney expôs uma dura e precisa crítica à atual paralisia da UFSC.

Apesar de Vianney fazer decisiva contribuição para romper o presente bloqueio, o preconceito impediu Bebeto de dialogar com aquele autor, que sequer é nominado. Perde, assim, o Presidente da Apufsc, uma excelente oportunidade de contribuir para quebrar a inércia que nos imobiliza.

Por exemplo: Bebeto induz que o fato de sermos “organizações pesadas” é impedimento para mudar. Ora, muitas outras universidades, inclusive algumas das melhores do mundo, adotaram formas remotas de ensino durante a pandemia, e o fizeram muito rapidamente, em poucas semanas, numa única semana, ou até em poucos dias, como aliás demonstra aquele artigo criticado por Bebeto …

Sem dúvida, para romper com a inércia não é necessário ficar amarrado num artigo em particular, ainda que brilhante. O imobilismo da UFSC poderia ser desnudado e quebrado a partir da problematização dos fatos que estamos todos vivenciando nos últimos três meses. Basta explorar as concretas situações e encaminhamentos ocorridos, como, por exemplo, os escandalosos impasses dentro da Pós Graduação (4). A PG está apta a retomar todas as atividades. A CPG aprovou a retomada após longas discussões. A Reitoria, pressionada pela representação estudantil, desautorizou …

O veto a qualquer atividade remota espelha uma bárbara condução da instituição, sendo bem retratada por Vianney sob o subtítulo “é proibido proibir a difusão do conhecimento”: “O mais grave por aqui é que a UFSC não apenas parou. Ela “mandou parar”. Uma regra institucional de tábula rasa, sem ao menos permitir que se desse continuidade onde fosse possível ao processo de ensino-aprendizagem online”.

Os episódios locais revelam que, encastelados na torre de marfim, estamos, de um lado, prisioneiros do comodismo; de outro, reféns do esquerdismo. Formou-se aqui uma desastrosa aliança que sustenta internamente o inoperante arrastar de “ações parainglês-ver” da Reitoria nos últimos três meses.

Explicitar os vais-e-vens da politiquinha ufsquiana na presente crise pandêmica desmascararia que o extremo rigor de exigir que uma retomada virtual das atividades de ensino seja feita apenas quando se garantir a qualidade das mesmas e a inclusão de todos, bem como a postura intransigente tudo fazer sob o manto da absoluta “pureza democrática”, são, presentemente, ações protelatórias.

O problema não se reduz a que tal mantra encobre o quanto são covardes, pois usam de subterfúgios para não assumir que almejam cancelar o semestre. O mais grave é que agindo assim, nossa UFSC se afasta cada vez mais da sociedade e nega sua missão institucional. As consequências desta irresponsabilidade serão brutais, e podem ser fatais para a instituição.

Hipocritamente, como desnudou o prof. Daniel Vasconcelos, Coordenador do Curso de Graduação em Economia, “a tentativa de não deixar ninguém pra trás acaba deixando todos pra trás” (5) . Nossos zelosos dirigentes esquecem que até os brasileiros mais miseráveis acessam ao mundo virtual, universalizado e franqueado em todos os rincões: 65 milhões já obtiveram direito ao auxílio emergencial de 600 reais, disponível apenas por aplicativo.

Mas, nada disso é discutido por Bebeto. Por quê? Porque, no fundo, ele compartilha da viseira ideológica que avalia o ensino não presencial, no limite, ser precarização, pura pilhagem e desmonte do ensino público. Por esta razão seu artigo também depreciou o que de mais luminoso se escreveu sobre a UFSC nesta difícil conjuntura, o texto do Vianney. Assim, Bebeto desvela o quanto as elites intelectuais dirigentes da UFSC estão reféns dum esquerdismo rançoso, incapaz de dialogar criticamente e se reinventar, como exigem os tempos pandêmicos, traindo o que se espera duma universidade: estar a frente do seu tempo.

1 https://www.apufsc.org.br/2020/06/11/tecnofobia-anacronismo-pedagogico-e-responsabilidades-institucionais-naufsc/

2 Como exemplo desta visão ideológica indico apenas o estudo “Em defesa da educação pública comprometida com a iguadade social: porque os trabalhadores não devem aceitar aulas remotas”, disponível em: http://www.colemarx.com.br/wp-content/uploads/2020/04/Colemarx-texto-cr%C3%ADtico-EaD-2.pdf

3 https://www.linkedin.com/pulse/por-que-ufsc-nega-seu-dna-e-pro%C3%ADbe-difus%C3%A3o-do-joao-vianney

4 Para se inteirar do “avança uma casa, recua duas” dentro da PG/UFSC os seguintes links trazem alguma informação, mas muito circulou por e-mails, inclusive portarias da PRPG desfeitas no dia seguinte pois não foram publicadas no Boletim Oficial da UFSC:

https://noticias.ufsc.br/2020/05/administracao-central-publica-nota-a-comunidade-universitaria-sobreatividades-de-ensino-da-pos-graduacao/

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Posted by Roberto Pacheco on Thursday, May 28, 2020

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