Teto para gastos em educação provoca polêmica

Especialistas temem queda nos investimentos para a área

A proposta do governo de teto para os gastos públicos é vista como um esforço importante para melhorar a situação fiscal, mas contém um elemento polêmico: as novas regras para despesas com educação. Especialistas com linhas de pensamento e experiências diferentes fazem ressalvas ao modelo, que prevê o fim da vinculação dos gastos a uma parcela específica do Orçamento. Além disso, as despesas passariam a ser atualizadas apenas pela inflação do ano anterior. Diante da gravidade da situação fiscal, porém, há quem avalie que esta é a melhor opção por garantir a manutenção de recursos ao setor.

Entre os críticos, há um argumento recorrente: o de que a educação pode acabar perdendo espaço no Orçamento diante do avanço de outras despesas, especialmente a Previdência. Os especialistas alegam que, apesar das conquistas dos últimos anos, com a quase universalização do ensino básico, ainda há desafios para a inclusão de estudantes na pré-escola e no ensino médio. Das crianças entre 6 e 14 anos, 98,5% estavam na escola em 2014. Entre aquelas com 4 ou 5 anos, a parcela é menor, de 82,7%. Entre os jovens, no entanto, o quadro é bem diferente: 15,7% dos que têm de 15 a 17 anos estavam fora da escola em 2014, segundo a Síntese de Indicadores Sociais do IBGE.

Risco a longo prazo

Para além do acesso, uma das principais preocupações é com o atraso escolar e a qualidade do ensino. Menos de 60% daqueles entre 15 e 17 anos que frequentam a escola estão no ensino médio, o que sugere o atraso. O Brasil está entre os países com pior desempenho no Pisa, exame feito pela Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) para avaliar a educação. Mesmo com uma esperada ajuda da transição demográfica — o número de crianças e jovens já está em queda —, há necessidade de incrementar os investimentos em educação.

“Cortar recursos em educação neste momento é trocar o futuro do país por um ajuste de curto prazo. Não se trata de fazer direito e sim de fazer melhor, pois estamos no meio de uma corrida educacional mundial, e estamos perdendo”, afirma o pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) Marcelo Medeiros.

Professor do Impa e da EPGE/FGV, Aloisio Araujo é um firme crítico da mudança. Ele condena a possibilidade de o setor perder espaço para outros gastos no Orçamento, principalmente por causa do prazo longo que é previsto, de 20 anos. Apesar de reconhecer que os avanços na educação ainda não se refletiram fortemente em produtividade, ele lembra que este é um investimento de longo prazo.

Diante da gravidade da situação fiscal, no entanto, Araujo admite que o congelamento dos gastos em termos reais poderia ser uma opção a curto prazo, para no máximo três anos. Os riscos a longo prazo também são destacados pelo coordenador do Centro de Políticas Públicas do Insper, Naercio Menezes Filho. “Pela nova regra, os gastos vão depender da inflação, não da receita. Se o crescimento da economia acelera, e a inflação cai, o salário do professor ficará defasado frente a outras profissões. Isso dificulta a atração de bons profissionais”.

Um dos pontos levantados por críticos é que, antes de mexer na educação, é preciso avançar em mudanças para reduzir outros gastos, especialmente a Previdência. “Fazer ajuste na educação e não na Previdência é comprometer o futuro. O Orçamento da Previdência corresponde a duas vezes ao da educação. Estamos deixando uma mochila com pedras para nossos filhos e netos e ela está cada vez mais pesada. E a educação é o que garante uma musculatura de qualidade para aguentar esse peso”, ex-ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos e coordenador do FGV Social, Marcelo Neri.

Outros analistas defendem que a gravidade da situação fiscal exige medidas mais contundentes e que a proposta é a melhor alternativa já que mantêm os gastos no nível atual. Ou seja, a variação dos recursos pela inflação pelo menos garante que não haverá redução do montante destinado a um das setores vistos como prioritários para estimular a produtividade da economia brasileira.

Leia na íntegra: O Globo