A Faculdade de Educação da UFG e o Reuni

Nunca se chegou, no Brasil, a tão insignificante, estreita e elementar compreensão do problema educativo brasileiro. Nunca se pretendeu tão infantilmente encerrar-se a cultura nacional dentro de um regulamento. Nunca o espírito burocrático foi tão audacioso em querer sobrepor-se à própria realidade das coisas e à própria realidade das instituições.

A epígrafe acima foi extraída do discurso proferido por Anísio Teixeira, em 31 de julho de 1935, na inauguração dos cursos da Universidade pioneira do então Distrito Federal. Vejamos, também no mesmo discurso, outro trecho em que Anísio Teixeira define os fins da Universidade, conceito do qual  a Faculdade de Educação parte para elaborar a resposta à Reitoria da UFG em relação à adesão ao Reuni.

A função da Universidade é uma função única e exclusiva. Não se trata somente de difundir conhecimentos. (…) Não se trata, somente, de preparar práticos ou  profissionais, de ofícios ou de artes. A aprendizagem direta os prepara, ou, em último caso, escolas muito mais singelas do que Universidades. Trata-se de manter uma atmosfera de saber, para se preparar o homem que o serve e o desenvolve. Trata-se de conservar o saber vivo e não morto, nos livros ou no empirismo das práticas não intelectualizadas. Trata-se de formular intelectualmente a experiência humana, sempre renovada, para que a mesma se  torne consciente e progressiva.  Trata-se de difundir a cultura humana, mas de fazê-la com inspiração, enriquecendo e vitalizando o saber do passado com a sedução, a atração e o ímpeto do presente. O saber não é um objeto que se recebe das gerações que se foram, para a nossa geração, o saber é uma atitude de espírito que se forma lentamente ao contato dos que sabem. 

A Universidade é, em essência, a reunião entre os que sabem e os que desejam aprender. Há toda uma iniciação a se fazer. E essa iniciação, como todas as  iniciações, se faz em uma atmosfera que cultive, sobretudo, a imaginação… Cultivar a imaginação é cultivar a capacidade de dar sentido e significado às coisas. A vida humana não é o transcorrer monótono de sua rotina quotidiana, a vida humana é, sobretudo, a sublime inquietação de conhecer e de fazer. É essa inquietação de compreender e de aplicar, que encontrou afinal a sua casa. A casa onde se acolhe toda a nossa sede de saber e toda a nossa sede de melhorar, é a Universidade. 

Defendamos, pois, essa casa! Leis, decretos, portarias, somam-se a um discurso rasteiro que a define como moderna, atual, flexível, atenta ao mercado das profissões. Com esse entendimento, fogem das idéias, conceitos e definições de Anísio Teixeira, escorregando na Universidade que forma o indivíduo, quase tão-somente, para a obtenção de um suposto emprego e o sucesso na vida pessoal e profissional. Para cumprir esse fim, apresentam a possibilidade de se quebrar o princípio indissociável entre ensino, pesquisa e extensão, em favor do ensino, sobretudo na graduação, jogando para um plano menor o poder instituinte da Universidade. Não por acaso, os números oficiais apontam que o maior crescimento das Instituições de Ensino Superior nos últimos anos no Brasil, ocorreu nas instituições privadas, e em sua quase totalidade no ensino de graduação. 

Mas a Universidade Pública no Brasil, a despeito da sua origem, reduzida a uma reunião de escolas de formação profissional e dos parcos recursos que lhe são destinados, preza a pesquisa, razão da sua não insolvência. Anísio Teixeira, no mesmo discurso já citado, afirma: “Esse país é o país dos diplomas universitários honoríficos, e o país que deu às suas escolas uma organização tão fechada e tão limitada, que substituiu a cultura por duas ou três profissões práticas, é o país em que a educação, por isso mesmo, se transformou  em título para ganhar um emprego”.

Note-se, pois, que esse discurso é de 1935. Hoje, após mais de sete décadas, nos deparamos com documentos e com decretos combinados que apontam para uma expansão das Universidades com fundamentos no aspecto quantitativo e puramente vinculado ao discurso economicista de custo-benefício. Os documentos oficiais não reconhecem a necessidade da Universidade pensar a si mesma e a própria sociedade. Apontam, isto sim, para ações operacionais que visam, na essência, aumentar o número de alunos na Universidade, bem como elevar o número de formandos, sem o correspondente aumento de recursos e sem a preocupação em oferecer à sociedade e aos graduandos uma autêntica formação. A esse respeito vejamos um trecho das publicações da Unesco, em que se refere ao custo da evasão escolar.

Se a educação está diretamente relacionada à produtividade e se o mercado de trabalho valoriza estes ganhos de produtividade pagando salários mais elevados, o maior custo, para o indivíduo, da evasão escolar precoce é a perda de oportunidade de aumentar sua produtividade e, portanto, de aumentar sua capacidade de obter renda no mercado de trabalho. (…) Quanto à sociedade como um todo, os principais custos da evasão escolar precoce são uma maior demanda por programas sociais (saúde, assistência social, seguro desemprego etc.) e, portanto, maiores custos para a sociedade de manter estes programas, a redução  das receitas tributárias do governo devido ao menor nível de renda da população, e maior probabilidade de que pessoas com menor nível educacional se envolva em atividades anti-sociais de alto risco (crime, uso de drogas,  gravidez precoce etc.) que geram custos adicionais à sociedade. 

Mudanças puramente quantitativas têm sido apresentadas, e leis, decretos, portarias, estabelecem as normas. O Reuni traz o fundamento quantitativo como princípio, e dificilmente as universidades não vão aderir, porque acena com recursos financeiros para as instituições adesistas, apesar de o mesmo decreto reafirmar, paradoxalmente, o princípio da autonomia universitária.

A rigor, nenhuma associação, sindicato, fórum, unidade acadêmica ou pessoa sensata pode ser contrária à expansão da universidade pública. A questão central é, pois, a forma como é proposta a expansão. A UFG nunca se furtou à necessária expansão e o fez, e a cada ano o faz, observando com cuidado os seus limites e possibilidades, sem ferir a qualidade. A Faculdade de Educação como sua parte constitutiva sempre acompanhou a expansão, seja contribuindo com os cursos de licenciatura, seja contribuindo com os cursos de bacharelado.(…)

Chamamos atenção para que qualquer processo de expansão na UFG tenha a observância da qualidade. Não podemos nos submeter às ações próprias do mercado, com novos cursos ou novas expansões, tomando por base o princípio da oferta e da procura. De modo responsável e a seu tempo, as Unidades Acadêmicas vêm apresentando propostas de expansão, cuja pertinência, qualidade e responsabilidade têm sido analisadas pelas instâncias superiores da UFG, antes de decidir por sua aprovação. Não podemos perder esse princípio, pois, fora dele, as razões acadêmicas cedem a acenos populistas com combinações monetárias.

Entendemos que a sociedade necessita ser repensada e, como sua parte constitutiva, também a universidade. Devemos, por exemplo, nos debruçar sobre pesquisas que ajudem a sociedade a compreender as razões fundamentais da negação de direitos básicos do cidadão, como saúde, educação, habitação, transporte, lazer e não simplesmente adotar o caminho fácil da chamada inclusão social via benefícios, ou de uma expansão qualquer à cata de recursos. Idéias, compromissos e ações, enfim, definidas no esteio da fundação da universidade desde o século XIII.

Por fim, a Faculdade de Educação não se furta à expansão, pois já o faz há duas décadas. Nesse instante, trabalha para consolidar o curso de psicologia, criado em 2006. (…) A FE possui nos cursos de Pedagogia, Psicologia e Núcleos livres, um total de 130 turmas, além de atender, com o seu quadro de professores, a 105 turmas em 12 cursos de Licenciatura e em 08 cursos de bacharelados.(…) Acrescentam-se a essas atividades acadêmicas, 14 projetos de extensão que atendem direta e indiretamente a sociedade goiana, entre eles o Projeto de Educação de Jovens e Adultos (EJA) que forma professores para atuarem como multiplicadores. Portanto, a FE, com esforço, vem expandindo as suas atividades acadêmicas, sem falar da participação direta nos outros institutos e faculdades que já optaram por expansão, sobretudo na área das licenciaturas. Acreditamos que a relação aluno/professor na FE, poderá ser aumentada, bastando simplesmente corrigir alguns desacertos na criação de turmas, pois constatamos,sobretudo em algumas Disciplinas de Núcleos Livres e em algumas disciplinas dos cursos de Licenciaturas atendidos pela FE, um número reduzido de alunos. 

Com efeito, sempre que se fala em expansão, normalmente os cursos de licenciatura são os mais lembrados. Desse modo, caso a UFG opte por expansão nessa área, a Faculdade de Educação estará pronta para atender às demandas, mas defendendo os princípios da qualidade nas ações de ensino, pesquisa e extensão, somando-se aos esforços dos institutos e faculdades proponentes que primarem as suas expansões pautadas nesses princípios.

Ante ao exposto, a Faculdade de Educação encontra-se hoje no limite da expansão, necessitando consolidar os cursos recém criados. O curso de psicologia necessita nos próximos quatro anos de mais 26 professores efetivos para suprir as suas necessidades básicas. O curso de Pedagogia necessita de mais 18 professores efetivos para ocupar o lugar de 27 substitutos e, para garantir que os cursos de licenciatura sejam atendidos na sua totalidade por professores do quadro efetivo da UFG, necessitamos hoje de mais nove professores.

Desse modo, a Faculdade de Educação da UFG é, pois, favorável:

a) à expansão dos cursos de graduação com a correspondente dotação orçamentária, definidos segundo critérios acadêmicos que prezem a qualidaded+ 

b) à valorização da pesquisa e da pós-graduação stricto sensu como partes indissociáveis de seu projeto de universidaded+ 

c)à liberdade acadêmica para pensar, pesquisar e difundir o conhecimento produzido, opondo-se a qualquer ingerência que fira os princípios da autonomia da Universidaded+

Entendemos, pois, que o Reuni não traz a concepção, os princípios e os parâmetros necessários à construção de um sistema nacional de educação superior que tenha a universidade pública, autônoma e de qualidade. 

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A íntegra do texto pode ser lida no site da Apufsc (www.apufsc.ufsc.br)