Racismo?

A universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), após calorosos debates e profundos estudos, resolveu, até com algum atraso, acompanhar outras importantes universidades públicas do País e aderir ao Programa de Ações Afirmativas, adotando igualmente o sistema de cotas para oriundos de escolas públicas (20%), negros (5%) e cinco vagas para indígenas.

Embora, em termos de justiça social, a iniciativa não signifique sequer um pingo no oceano, a opção mexeu com o brio e feriu de morte a arcaica elite barriga-verde, provocando, sem tréguas, uma onda de ações nada afirmativas da classe média. Já somam mais de 40 as ações judiciais tentando vedar as portas da universidade para os pobres. A reação não é apenas individual, mas parte de entidades privadas e, pasmem, até de um procurador.Um sujeito, por exemplo, inscrito nas cotas públicas, acionou a Justiça para eliminar os negros. Tal incoerência tem nome!

A Universidade, amparada pela Constituição-Cidadã de 1988, felizmente, não tem sucumbido à pressão cega de uma minoria egoísta e cruel. A UFSC exerce, como deve e manda a lei, a autonomia universitária na sua plenitude. Teve senso de justiça a presidente do Supremo, Ellen Gracie, ao negar o mandado de segurança impetrado pelo sindicato do ensino pago do Estado.

Os negros no Brasil são a escória da sociedade. Os brancos lideram os assassinatos, mas são os negros que morrem mais, mofam nas cadeias, penam nos morros e nas ruas, lideram o analfabetismo e o desemprego e continuam subjugados até quando encontram trabalho. Esse é o presente, mas é o passado que não quer, não deve e nem pode calar. São séculos de exploração, espoliação, escravidão e humilhação, na Europa, no Novo Mundo, no Brasil. Nada paga, apaga ou aplaca essa história de dor e sofrimento (nem mesmo as cotas). Mas as ações afirmativas, nesse contexto adverso, podem ser uma vela acesa no escuro. 

Vistos e lembrados apenas nos momentos de festa, carnaval, esporte, música e dança, explorados nos seus talentos e encantos, invisíveis no cotidiano, refugiados, escondidos e prisioneiros de um sistema perverso que lhes reserva migalhas e rouba a cidadania, os negros poderão, de repente, sonhar com novas oportunidades e possibilidades.

O branco rico pode e tem tudo. O negro, nada. Por que retirar dele também o direito humano ao ensino superior público? Por que o rico, bem formado pela escola privada, não vai estudar na universidade paga, que em SC é excelente e orgulho do Estado?

É evidente que o ensino fundamental público precisa melhorar para que todos tenham acesso à educação de qualidade. Só que isso vai demorar uma eternidade. Ademais, o desempenho acadêmico dos cotistas vem correspondendo às expectativas das universidades e do governo. Portanto, mais um sofisma para barrar pobres, negros e índios na universidade pública e, de quebra, adiar, sistematicamente, a prometida inclusão social.

Os poucos contemplados pelas cotas não são marcianos. São Sousas, Silvas, enfim, cidadãos com nome e sobrenome, mas que não detêm os mesmos direitos de uma minoria branca, egoísta, injusta e cruel, quando não contemplativa e excêntrica.

O racismo anda solto. Está na escola, na família, na universidade, no poder público. É quase onipresente. Até entre os negros, que, aliás, precisam brigar, botar a cabeça de novo para fora! Disfarçado, está vivo e é eficaz. Frio e calculista, mantém suas vítimas amarradas ao tronco e indefesas. A Lei Áurea parece que ainda não saiu do papeld+ nem baixou em SC. Os brancos privilegiados daqui não aceitam nem entregar os anéis. A classe média, pasmem, parece querer a volta da escravidão!

A mobilização intransigente de parcela da elite catarinense contra as cotas pode estar sendo movida, salvo melhor juízo, pela chama do racismo. As cotas precisam de mais Assembléia, Executivo, Judiciário, Ministério Público, universidades, sindicatos, entidades e movimentos populares e sociais. A causa ainda não ganhou caráter político, carecendo de uma melhor articulação, inclusive dos próprios movimentos negros.

Políticas públicas e justas não se fazem só com palavras e discursos. Dependem de ações. Afirmativas!