Retorno – Sem URP

As atividades em nossa velha senhora, UFSC, iniciaram-se dentro da mais perfeita normalidade. A temporada de verão encerrou-se mais cedo, por força do calendário que ancorou o carnaval mais cedod+ como um barco que faz escala, sempre no mesmo horário e no mesmo porto, porém, um belo dia chega mais cedo e seus passageiros quase perdem seus lugares. Turistas vieramd+ lotaram a cidade, praias, shoppings, hotéis, pousadas, ruas, calçadas, avenidas, gastaram seu dinheiro, pechincharam, ou não, e se foram. É a onda, a moda, a bola da vezd+ praia e surf para rimar com onda, ao avesso. Levaram boas lembranças, fotos, momentos inesquecíveis, saudades… Aqui deixaram seu dinheiro, suas fezes, seu lixo e sua urina, aliás isto é o natural ao longo de toda a história da humanidade. Poucos ficam com as riquezas e o grosso da massad+ que sofre, trabalha, produz e consome fica com a parte podre – lixo, sofrimentos, suores, fezes e urina. O dinheiro, a parte boa em toda esta estória, com certeza fica nas mãos de poucos.   

Nem todos porém, querem mais ir emborad+ alguns, aqui querem ficard+ ilha da magia, paraíso tropical, farta natureza, gente simpática e acolhedora. Que mais se pode desejar? Gente que chega, gente que não quer mais ir embora. Quem pode e tem dinheiro, fica. Onde colocar tanta gente, e seus dejetos? E a massad+ segue inerte, trabalhando, brincando, correndo atrás de sonhos e fantasias ao longo de mais um carnaval. Sofre, produz, deixa sua pele e seus sentimentos, chora, ri e sonha em ser feliz. 

No carnaval, ano após ano, na passarela “nego querido”, a arte imita a vidad+ brincar de ser feliz, pois quando chega o despertar e finda o sonho, tudo continua igual. A princesa volta a ser explorada pelo patrão que só visa seu lucro, o Arlequim, nobre personagem de sonhos, volta a triste realidaded+ labuta diária e massacrante para manter o patrão cada vez mais rico e gordo como um paquiderme. Quem serão as princesas e os Arlequins que bailam, sambam, pulam, divertem-se e divertem tanto aos abastados quanto aos pobres na avenida? Com certeza, são os mesmos que trabalham, que mantém a economia desta nação de pé, que são explorados, que desconhecem seus direitos, ou que os conhecem e lutam por eles. Como se chamam? Marias? Josés? Não importa. São gente, como nós, que lutam, que sonham, que desafiam a lida dura da vida e que ainda encontram tempo para sorrir, divertir-se e divertir a outras Marias e outros Josés..

O sonho, sempre o sonhod+ que quase se pode tocar, acariciar, afagar com enlevo e candura: este deve ser mantido vivo, e, acesa a chama da esperança de dias e futuro melhores.  A folia terminou, com uma certa, digamosd+ relutância, dos mais afoitos, brigando por mais um minutinho de entretenimento e diversão. É pouco tempo, carnaval deveria ser um eterno folguedo, alegria e frenesi. Porém, o carnaval passou tão rápido qual temporal de verãod+ um sopro quente de uma brisa morna de verão, que também agoniza em seus últimos suspiros. Podemos sentir o vento sul chegando, num louco galope, surfando as ondas destas nossas belas praias, embaralhando os cabelos da menina faceira, levantando suas saias, e correndo serelepe por entre esta multidãod+ que segue como gado rumo ao abatedouro, nada importad+ a vida passad+ tudo acaba. Sim, aí bate em nossa porta o frescor do outono, nestes dias de março já podemos sentir a nova estação chegando, com seus ventos mais cálidos, carregados de esperança, como se a cada estação, que se repete sempre, tudo pudesse ser melhorado, a nossa vida, nossa cidade, os turistas, nossos colegas de trabalho e de rotina, e principalmente, nossos alunos. 

Estes últimos, pelo menos alguns, chegam á esta velha senhora, cheios de sonhos e de fantasias, esperanças palpáveis como o mais alvo tecido de cetim utilizado nos folguedos de carnaval. Mas, diante dos diferentes transtornosd+ corte de salários de professores e de funcionários, verba insuficiente para manter a velha senhora viva, adesão ao Reuni, eminência de greve e de paralisação, corte de direitos de há muito já adquiridos, difamações, injúrias, entre outros. Insultosd+ aqueles que já contribuíram, e muito, para o desenvolvimento e aprendizado de gerações pósteras: taxados de inúteis, os aposentadosd+ como revidar? Como defender-se de tamanha ignomínia? E assim muitos destes sonhos terminam em terríveis pesadelos. E desta forma, a vida acadêmica reinicia mais uma vez. Como um doente em estado terminal que se recusa a partir, luta, cai, levanta, torna a cair e levantar novamente. E a caravana segued+ e os cães ladram aos seus pés, e a normalidade é esta: professores exploradosd+ alguns sem a URP, outros sem possibilidade de um dia vir a tê-la, mais alguns “desurpados” e sem forças, ou vontade para reagird+ outros, ainda, contentes assim mesmo e a vida segue. Professores, “orelhas secas”, é isto que somos, pau para toda obra, mão de obra barata para filhos da burguesia, já não podemos mais morar na ilha da magiad+ moramos na periferia. Funcionáriosd+ cada vez mais descontentes, arrochados, sentem na própria carne a navalha da indiferença com que são tratados. Quem ouvirá seus gritos? Quem virá em seu socorro? A meu ver: ninguém. E a normalidaded+ retorna, como uma jovem senhora de vestidos rotos e carcomidos, que não pode mais esconder sua situação. Não podemos mais manter a aparente normalidaded+ hoje retiram um direito nosso, amanhã, quem sabe? Gritemos pois, aos brados, em alto e bom somd+ chegou a horad+ ou então coloquemos o rabo entre as pernas e aceitemos esta injustiça, esta arbitrariedade que sempre tem nos perseguido. Entre governo ou saia governo a história é sempre a mesmad+ nós somos os bodes expiatórios, pois bem vamos à lutad+ ou aceitemos de cabeça baixa o que este governo sempre nos enfia goela abaixo…. Cada um tece seu destino.