O CFH na UFSC

O Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH) vem perdendo espaço político e capacidade de liderança dentro da universidade. Basta lembrar a década de 1980, e parte dos anos 90, quando o CFH era ouvido e escutado na tomada das grandes decisões na UFSC diante de questões como a estratégia do governo federal de operar a transformação da universidade autárquica em fundacionald+ a continuidade ou não das grevesd+ a defesa do princípio da universidade pública, gratuita e de qualidaded+ a criação e a implementação da estatuinted+ a democratização dos órgãos representativosd+ a escolha dos candidatos a reitor e tantas outras. Isso ocorria por conta de lideranças capazes que sabiam ouvir e representar e devido à atuação dos docentes, dos técnicos e dos estudantes.  Embora não se dispusesse de internet, e consequentemente de listas eletrônicas de discussão, as reuniões ampliadas aconteciam com certa freqüência e nelas se decidiam os rumos do Centro, que por sua vez influenciava os rumos da Universidade. Nesse período, por exemplo, nenhuma diretoria da Associação dos Professores deixou de ter cargos importantes ocupados por docentes do CFH. Lembro que a Apufsc de então atuava em nível regional e nacional contra a ditadura militar e pela democratização da universidade e da sociedade.

O surgimento de grupos de pesquisa, de fundamental importância para a geração da ciência e do conhecimento, criou concomitantemente no interior do CFH o espírito de corporação o que, por sua vez, passou a gerar disputas de cargos para assegurar poder. Tais corporações não fazem bem ao Centro, já que não representam a sua totalidade quando assumem a administração, mas tão-somente uma parcela dele. Uma vez questionados, esses docentes tornam-se arrogantes, rumando até para a prepotência. Desqualificam a política, usando-a quando lhes convémd+ acusam colegas da utilização do discurso, sendo eles os que mais falamd+ repetem à exaustão a palavra democracia, mas lançam mão de métodos autoritários, se preciso for, para ganhar eleiçõesd+ não suportam a crítica teórica, alegando pacto de convivência, quando na realidade o é de mediocridade. Em resumo, defendem dogmas, não princípios.

As realizações destas direções, no que toca à infraestrutura, têm sido pífias no CFH. Convivemos com realidades já superadas na quase totalidade dos demais Centros, tais como salas de professores ainda com três ou quatro docentes ocupando dez metros quadradosd+ espaços físicos destinados a núcleos de estudo e projetos de pesquisa que mais se parecem a cubículos (sem janelas e sem ventilação) do que locais de trabalhod+ salas de aula com quadros negros ainda a giz (que para escrever só com muita força e depois já não apagam)d+ cantos de quatro metros quadrados entregues aos Centros Acadêmicos (CAs), os quais se encontram colados aos locais de aula, atrapalhando-se mutuamente, seja quando o professor faz sua exposição, seja quando o CA convoca uma reunião. É comum ouvir dos docentes que muitos preferem trabalhar em suas casas a permanecer no próprio Centro por carência de condições. Além disso, perdemos para outros Centros um espaço físico significativo no prédio novo e um curso de graduação importante que poderiam ajudar a revitalizar a vida acadêmica e intelectual no CFH.

A falta de ousadia política aparece não apenas nas administrações do Centro, como também em alguns representantes do CFH nos órgãos colegiados. Mesmo com a facilidade de comunicação eletrônica, nunca sabemos a pauta, por exemplo, das reuniões do Conselho Universitário (CUn) ou do Conselho de Unidade e tampouco somos consultados sobre temas importantes decididos naquelas instâncias, como recredenciamento das fundações, bolsas de estudo, matriz orçamentária e tantos outros. Talvez sejamos o único Centro na UFSC que não dispõe de uma lista “oficial” de discussão entre os professores. A transmissão on line das sessões do CUn é um avanço – diga-se de passagem, com muito atraso –,  lembrando que  a Câmara Municipal de Florianópolis já o faz há quase dez anos. No entanto, isso é muito pouco. “Por mais que a pessoa” – diz Edward Said – “seja a favor das eleições não se pode fugir da verdade amarga de que elas não produzem automaticamente democracia ou resultados democráticos”[1]. O mesmo serve para os que pensam que o CUn se democratizou com sessões assistidas pela internet.

No entanto, o ponto nevrálgico do CFH é a falta de uma biblioteca de Filosofia e Ciências Humanas. É inaceitável que um Centro com cursos de graduação há mais de cinqüenta anos (anteriores à criação da própria UFSC) e programas de pós-graduação com quase quatro décadas de existência não tenha uma excelente biblioteca de humanidades e tampouco perspectiva para isso no horizonte. Essa realidade revela pobreza teórica, carência de trabalhos sobre determinados temas e desestímulo ao estudo e à pesquisa. Muitos estudantes, quando escolhem certos assuntos para suas investigações, dependem muito mais de livros emprestados pelos professores do que da consulta nos acervos. José Carlos Mariátegui, já em 1925, afirmava que sem biblioteca as pessoas vivem demasiado distantes do pensamento e da história. Conclamava os intelectuais peruanos a denunciar o descaso do Estado para com as bibliotecas, pois os orçamentos para todos os setores cresciam, menos o da cultura[2].

O Conselho de Unidade – órgão máximo do Centro – deve chamar para si um papel proeminente no campo da política, da academia e da intelectualidade. O CFH, com cerca de cento e setenta professores, aproximadamente sessenta técnico-administrativos e dois mil e quinhentos alunos trabalhando nas áreas de Filosofia e Ciências Humanas, tem por obrigação, entre outras coisas, abrir fóruns de debates sobre democracia participativa quando se realiza uma eleição para prefeito em Florianópolisd+ sobre a realidade das humanidades no Brasil e na América Latina quando se vislumbra a superação do capitalismo neoliberald+ sobre as crises financeira, econômica, política, cultural, ecológica, energética e alimentícia – na realidade uma crise estrutural – provocadas pelo sistema capitalista quando se discutem alternativas a este modelo excludente e destruidord+ sobre meio ambiente e os seguidos desastres naturais quando avança o aquecimento do  planetad+ sobre filosofia política e ética quando vivemos tempos de abandono destes valoresd+ enfim, sobre os mais diversos temas que são objeto de nossas pesquisas. A Aula Magna do Programa de Pós-Graduação Interdisciplinar em Ciências Humanas do CFH, no dia 9 de março, por exemplo, não tratou de nenhum destes temas. “A universidade”, afirma Milton Santos, “(…) é talvez a única instituição que pode sobreviver apenas se aceitar críticas, de dentro dela própria, de uma forma ou outra forma. Se a universidade pede aos seus participantes que se calem, ela está se condenando ao silêncio, isto é, à morte, pois seu destino é falar”[3].

Apesar de todas estas deficiências, docentes, técnicos e estudantes têm trabalhado duro na produção da ciência e do conhecimento no CFH. Igualmente, cresce a relação de grupos de pesquisa e estudo com a comunidade. No entanto, é preciso um verdadeiro pacto com todas as forças que atuam no Centro para sairmos do isolamento a que nos impusemos. Enfim, construir um CFH com mais vida acadêmica, política e intelectual, quando a UFSC completa seus cinqüenta anos de existência. Os tempos não são para comemoração, honrarias e medalhas, e sim para construção. O CFH precisa voltar a ser ouvido na universidade e na sociedade, mas, para tanto, é necessário ter o que dizer.

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[1] SAID, Edward. O papel público de escritores e intelectuais. In: MORAES, Denis (Org.). Combates e utopias: os intelectuais num mundo em crise. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 41.

[2] MARIATEGUI, José Carlos. Temas de educación. 11. ed. Lima: Amauta, 1988, p. 119-126.

[3] SANTOS, Milton. O intelectual, a universidade estagnada e o dever da crítica. In: MORAES, Denis (Org.).Combates e utopias: os intelectuais num mundo em crise. Rio de Janeiro: Record, 2004, p. 168.