Movimento Sindical Docente: História e Crise

Trabalho publicado na Revista Universidade Rural – Série Ciências Humanas, volume 22, número 02, jul/dez 2000

Este trabalho se propõe a tecer algumas considerações a respeito do movimento sindical dos docentes do ensino superior, tomando como referência a ANDES-SN (Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior – Sindicato Nacional).  Procura, primeiramente, resgatar parte de sua história que aflora na segunda metade da década de 70, nos principais centros urbanos, a partir do esgotamento do regime autoritário e o desmoronamento do chamado “milagre econômico”.  Em seguida, tomando como categoria central a crise, desenvolve algumas reflexões a respeito das dificuldades do engajamento coletivo docente, o declínio das mobilizações, os novos modos de ação, as relações de gênero e a construção da identidade coletiva do movimento docente ligado à ANDES-SN.

 

1.  Um pouco de história… 

Na busca das origens do Movimento Docente do Ensino Superior que deu origem à ANDES-SN, vamos encontrar as Associações Docentes (AD), no interior das universidades que, a princípio, é bem aceita pelas autoridades administrativas e governamentais, mesmo que reivindiquem aumento de salários, carreira docente e benefícios corporativos em geral.  No entanto, no momento em que as Ads se integram entre si e começam a propor um outro papel histórico para a universidade, surgem os primeiros atritos significativos.  O conflito se estabelece porque o movimento que nasce tem, agora, um caráter essencialmente político e passa a apresentar, inclusive, “ideais reguladores”[1]  para a sociedade.  Segundo Alexander (1998), “é a existência desse ideal regulador que permite a transferência de protestos gerados em um setor estrutural para a esfera da sociedade civil” (p. 25), desta forma ele começa a representar uma ameaça real de influência política.  Com essa nova característica o Movimento Docente (M.D.) se fortalece e se impõe como um sujeito coletivo organizado de forma autônoma em relação ao governo e, apesar de conter em si mesmo profundas ambigüidades, ele surge, na segunda metade dos anos setenta, como um dos novos movimentos sociais urbanos  (Saes, 1984). 

Ao assumir esse novo caráter as questões de natureza político-sindical começam a sobressair-se, havendo uma redução do caráter assistencial-recreativo das Associações Docentes.  As Ads se propõem, então, a influir para a mudança da universidade, bem como das relações entre universidade e sociedade.  Elas passam a responder politicamente às mudanças que estão ocorrendo no país. 

Nos anos de 1978-1980, um intenso debate político propagou-se nas universidades, reflexo do momento histórico vivido pela Nação.  Neste período surgem importantes Ads, como as da Universidade de Brasília e Universidade Federal da Paraíba e outras, já existentes, se fortalecem.  Em quase todas as Universidades do País, os docentes, se organizam.  A Associação Docente da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (ADUR-RJ), também é criada nesta época, em 30/05/1979.  As Associações advindas da época anterior, que tinham caráter marcadamente assistencial, recreativo, e de colaboração com as reitorias, assumem o novo caráter político-sindical.  Neste período, os Encontros Nacionais de Ads (ENADs) tiveram importância decisiva na integração e consolidação do M.D. nacional.  E, como afirma Coelho (1996), esse “não foi um movimento precipitado.  Pelo contrário, os líderes do M.D. tinham a preocupação de que o processo se construísse de forma participativa, pela organização nos próprios locais de trabalho, dentro de cada Instituição de Ensino Superior (IES)”  (p.37).  O mesmo autor observa também, que houve predominância de questões de natureza política ampla (nacional) sobre questões mais específicas (locais)[2].  Este caráter amplo do movimento pode ser a explicação da integração, sem grande resistência, das Ads locais ao M.D. nacional. 

Assim, no final da década de 70 o M.D. consolida-se nacionalmente.  “A sociedade e os professores aí incluídos acabam por chegar à conclusão de que se esgotara um ciclo de regime autoritário e que não era mais possível que a imposição pela força, que a falta de participação política, que a repressão, ditassem os rumos gerais de uma sociedade já então muito mais complexa, muito mais diferenciada, que havia evoluído de 1964 a 1978”  (Maciel, 1991, p. 69).

Realmente, no campo do ensino superior, nestes 14 anos, houve um crescimento expressivo.  A característica mais evidenciada dessa expansão foi a participação crescente das instituições particulares.  Se até a metade dos anos 60 a rede pública respondia pela maioria da oferta do ensino superior, nos anos 70 é a rede de instituições privadas que passa a dominar amplamente o setor[3]

Por outro lado, observa-se que houve, neste mesmo período uma redução no índice de investimentos públicos no setor educacional.  Em 1965 a participação do MEC no orçamento da UNIÃO representava  11,7%  e dez anos depois situava-se em torno de  5,4%.  No final dos anos 70 a participação se reduz ainda mais, chegando a  4,17%    (Martins, 1988, p. 67). 

No que se refere ao setor público, houve também uma significativa expansão, embora menor do que no setor privado.  De 1965 a 1980, as matrículas nos cursos de graduação das instituições públicas de ensino superior evoluíram de 87.587 para 492.232 alunos  (Maciel, 1961).   Em virtude do aumento do número de alunos, houve a necessidade de um número crescente de professores.  As universidades públicas, então, admitiram um grande número de pessoas para atuarem como docentes, com freqüência sem a formação acadêmica que seria considerada ideal, enfim, sem uma carreira docente estrita.  A carreira passou a ser feita no exercício profissional.  Isso vai fazer com que a questão salarial e de carreira dos docentes das Instituições Federais de Ensino Superior passe a ter importância fundamental para a consolidação do M.D. nos anos 80. 

As questões de natureza econômica (luta por melhores salários, condições de trabalho, carreira docente) não se dissociavam das questões políticas.  No entanto, a ambigüidade da categoria docente, explicada em grande parte por sua origem burguesa e pequeno burguesa (classe-média), fez com que se evidenciasse mais o discurso político.  

Maciel (1961) diz que os professores se mobilizaram em três patamares.  O primeiro patamar de mobilização, aquele que unia a todos, era o da luta política geral pela democracia, pela revogação das leis de exceção, pela reintegração dos docentes cassados pelo regime autoritário, pela anistia ampla, geral e irrestrita.  O segundo patamar era o da luta sindical geral, que era parte da luta mais ampla.  Muitos líderes do M.D. estavam atentos ao surgimento do que se passou a chamar de novo sindicalismo, o sindicalismo de massas que aflorou na região do ABC paulista, no movimento dos metalúrgicos.  O terceiro patamar era a questão da luta específica em defesa do ensino público e gratuito, contrapondo-se à política oficial privatizante.  Os docentes estabeleciam uma  ligação profunda entre a luta pela democratização da sociedade e a busca de democracia interna, como um exercício do direito de cidadania.  A universidade pública passou a ser defendida como a universidade democrática. 

No início da década de 80 as greves das IES Autárquicas, em virtude da redução do valor real dos salários dos professores, também marcaram o movimento, dando-lhe o caráter de confronto, cada vez mais aberto, com a política econômica e educacional do governo.  Tudo isso foi fortalecendo a idéia da criação de uma Associação Nacional que congregaria todos os docentes do ensino superior do país e lutaria, não só por suas reivindicações salariais mas também para divulgar a visão da sociedade por eles defendida e seus ideais reguladores.  Como diz Alexander (1998), “passar de um problema relativo a uma esfera específica da sociedade a um problema da sociedade toda exige que os líderes dos movimentos sociais ajam com criatividade e imaginação.  É o que poderíamos chamar de problema de “tradução””
(p. 25).  Enfim, uma Associação Nacional, poderia “traduzir” com mais facilidade e maior repercussão os anseios daquele grupo e sua visão de sociedade, não só entre os docentes do ensino superior, mas para a população brasileira como um todo. 

Estavam postos, também, os 3 fatores macro-políticos que, segundo Doug McAdam, citado por Ledesma (1994) incidem diretamente na formação do movimento social: 
a) estrutura de oportunidades políticasd+  b) aparição de crises políticas e situações de enfrentamentod+  c) ausência do uso restritivo da repressão estatal[4]

Enfim, estavam postas as condições para a criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior — ANDES.  

 

1. 1. A criação da ANDES 

Pelo caráter amplo e abrangente do movimento tornava-se praticamente impossível conter o ímpeto reivindicatório dos docentes das autarquias e manter a coordenação do movimento em sentido amplo, que era feita, de forma precária, por uma Coordenação Nacional, criada em julho de 1979.  A construção, agora, de uma entidade nacional representativa dos docentes universitários de todas as IES do país, era vista como a alternativa para evitar o retrocesso e a divisão face à política do governo conjugada com a ação do setor privado (mantenedoras).  Esta decisão já havia sido tomada na reunião do Conselho Nacional das ADs (CNAD) em julho de 1980, no Rio de Janeiro, reafirmada em outubro, em Goiânia, sendo marcada a data e local para a criação da entidade nacional.  Seria criada em Campinas, por ocasião do III ENAD (Encontro Nacional das ADs), em fevereiro de 1981.

A criação da Associação Nacional dos Docentes do Ensino Superior (ANDES) foi marcada pelo confronto de duas concepções: uma que defendia uma federação de ADs, ou seja, uma entidade de entidades, e outra que propunha uma associação nacional que propiciasse uma maior participação de base.  O confronto entre estas duas concepções (federação  versus  associação nacional) no que se refere às suas análises políticas foram, em parte, prejudicadas pela greve que aconteceu em 1980.  Estabeleceu-se um certo viés, um confronto artificial, entre o grupo que havia defendido a deflagração da greve, que prevaleceu, e o grupo que propunha o adiamento da greve.  Embora reconhecendo que aqueles que defenderam a deflagração da greve fossem os mesmos que lutavam pela concepção da entidade como associação (não federação), a discussão política sobre a natureza da entidade ficou prejudicada.

Essa primeira greve, para muitos professores, marcou o movimento docente como um movimento sindical, pois tinha como principal bandeira de luta a reestruturação da carreira do magistério superior. Outros ainda consideram que ela revelou a germinação de uma nova universidade dentro da “velha” universidade.  Seria ilusório, entretanto, deduzir que a relativa facilidade com que a greve se impôs, obrigando o governo a recuar e consolidando politicamente o M.D. em sua articulação nacional, significava já uma transformação da universidade em sentido mais estrutural.  A conjuntura econômico-política que combinava enorme arrocho salarial e evidente desgaste do regime autoritário fez com que uma relativa maioria silenciosa desse velado apoio à greve.  Afinal, a obtenção de melhores salários e a definição de uma carreira profissional interessava à maioria e contava com a simpatia de muitas pessoas que atuavam na burocracia governamental, mesmo nos altos escalões.  No entanto, muitos docentes não admitiam de forma alguma a greve como instrumento de luta.  Achavam que era inadequado, era estranho à natureza da instituição universitária.  Nesta, como nas greves que se sucederiam, sempre houve um grupo de professores que furavam a greve e que só não impuseram maior resistência porque os estudantes, em sua maioria, não compareciam às aulas. 

Essa greve das autarquias teve influência marcante na criação da ANDES em fevereiro de 1981, não apenas por ter acentuado a necessidade de criar a entidade nacional, mas também pelo caráter que assumiu a entidade sob o aspecto político-sindical.  Entretanto ficava evidente que, na visão daqueles que defendiam que a entidade nacional fosse uma associação, estava clara a intenção de construir uma estrutura sindical diferente da estrutura tradicional do sindicalismo no Brasil  (Coelho, 1996). 

De fato, no Congresso de Campinas, ocorrido em 20/02/81, com relação ao caráter da entidade nacional, foi aprovado por aclamação que “a ANDES é uma Associação de âmbito nacional, autônoma relativamente ao Estado e à administração universitária, democrática e representativa dos professores das Instituições de Ensino Superior (IES) de todo o Brasil, e não apenas das diretorias de Associações de Docentes”  (Bol. ANDES, nº 1, mar/81). 

Assim, o caráter sindical da ANDES, já nas suas origens, se confrontava com o modelo oficial de sindicalismo vigente no Brasil desde Getúlio Vargas.  Tal modelo se caracteriza com sindicalismo atrelado ao Estado e sustentado pelo imposto sindical   (Boito, 1988d+ Vianna, 1989d+ Costa, 1986). 

Uma das lutas do M.D. desde sua formação, era pela democratização da própria universidade, traduzida na época, principalmente, pela defesa da eleição do reitor mediante a participação direta da comunidade universitária.  O M.D. sempre considerou que a democratização da universidade é parte da democratização da sociedade e nunca admitiu um reitor escolhido pelo Ministro da Educação, sem o referendum da comunidade acadêmica.  Além da “eleição” do reitor, no decurso de 1981, dois outros assuntos envolveram os debates conduzidos pela ANDES: a discussão sobre a proposta do MEC de transformar as universidades autárquicas em fundações e a questão do plano de carreira.  Estas, que já eram questões pendentes da greve de 1980, acabam gerando novas greves e, com o passar do tempo, outras pendências. 

O período de 1985—1988 vai inaugurar uma nova fase na sociedade brasileira, com a substituição dos governos militares por um governo civil e a reconquista das liberdades democráticas.  Isso vai se refletir intensamente no meio acadêmico e no M.D., que assume uma prática que, cada vez mais, se caracteriza com sindical. 

A transformação da “Associação Nacional” (ANDES) em “Sindicato Nacional” (ANDES-SN), em 1988, veio referendar legalmente o que já havia sido legitimado na prática. 

1. 2. A ANDES-SN 

Em 1988 seria dada a redação final da nova Carta Constitucional, sendo que a conjuntura se apresentava extremamente difícil para que o M.D. garantisse certas conquistas antes delineadas.  Mais um vez estabelecia-se o confronto histórico entre os defensores da educação pública e os mantenedores da escola particular.  Este confronto que já se manifestou desde as décadas de 1920 e 1930, que atravessara as constituintes de 1934 e 1946 e a Lei de Diretrizes e Bases (LDB) de 1961[5], apresentava-se agora com um novo foco, fortalecido pelas discussões a respeito da nova LDB, que começava a tramitar no Congresso Nacional.  A organização sindical dos professores universitários defendia um “padrão único” de universidade, tanto para as públicas como para as privadas[6].  Isso fez com que a ANDES se transformasse num dos principais alvos de ataque dos donos das instituições particulares de ensino e da própria política do governo, declaradamente privatizante.  Agrava-se assim, nitidamente, o confronto entre a ANDES e os defensores da privatização do ensino público. 

Embora a ANDES tenha se consolidado principalmente no setor das federais e, também significativamente, no setor das estaduais, portanto nas IES públicas, houve, desde o surgimento do M.D. a preocupação de envolver e representar a luta dos docentes da rede particular.  Mas aí, neste setor, as dificuldades foram sempre maiores.  Os boletins da ANDES muitas vezes relataram o esforço da entidade em organizar o setor das particulares e denunciaram as perseguições sofridas pelos docentes que articularam movimentos reivindicatórios.  O Caderno ANDES nº 6 — “A Denúncia das Mantenedoras”, publicado em 1988, é o relato de algumas dessas lutas.  Diante da escalada privatista do ensino superior, permitida e apoiada pelo governo, impondo a estagnação da rede pública, a ANDES via um significado muito grande na organização do movimento sindical e na defesa do ensino superior público e gratuito, mesmo dentro das IES particulares.  No entanto esse objetivo não foi alcançado e a ANDES, principalmente após sua transformação em Sindicato Nacional, teria sua ação cada vez mais identificada com a defesa dos docentes das IES públicas. 

Alexander (1998), em sua tentativa de elaborar uma alternativa coerente ao modelo clássico, para o estudo dos movimentos sociais, colabora para o melhor entendimento do problema acima delineado.  Ele considera que “há um discurso característico que define o núcleo cultural das sociedades civis e proporciona as metalinguagens adotadas pelos que aspiram participar dela (…).  Sua estrutura compõe-se de antinomínias que definem atributos positivos muito valorizados e atributos negativos de elevada impureza.  Juntas essas antinomínias definem motivações, relações e instituições legitimadoras da inclusão e exclusão social”  (p. 24). 

Tomando como referência aquilo que o autor considerou como instituição legitimadora de inclusão e exclusão social, vamos encontrar as seguintes antinomínias: público/privadod+ participativo/autoritáriod+ flexível/rígido, referindo-se a “possibilidades institucionais que definem alternativas importantes em si mesmas e relações de motivação homóloga” (idem: 24). Essas relações binárias são vistas por ele como definindo atributos extremamente simplificados de bom e mau. 

Num esforço em transpor essa idéia para o pequeno grupo social que compõe a ANDES, pode-se estabelecer a seguinte comparação.  Público-participativo-flexível são valores que, para o M.D., estão de um lado, enquanto privado-autoritário-rígido, estão de outro.  Os primeiros são os adjetivos destinados aquilo que é considerado ideal em matéria de ensino superior.  Portanto, universidade pública, participando ativamente do processo de melhoria social, com flexibilidade suficiente em sua gestão para propiciar o atendimento às suas necessidades.  Os últimos, estão identificados com as instituições particulares: instituição privada, dirigida de forma rígida e autoritária.  São, portanto, considerados “códigos impuros” pois, segundo Alexander, definem uma identidade que merece repressão. 

Essa visão do público versus privado fez com que os professores da rede particular do Ensino Superior fossem gradativamente se afastando da ANDES, quer pela pressão das Sociedades Mantenedoras de suas instituições de ensino, quer pela percepção de que as reivindicações da ANDES diziam respeito mais aos professores das universidades públicas do que a eles. Os discursos dos militantes mais inflamados, inúmeras vezes, desmereciam qualitativamente as instituições particulares, sem uma preocupação maior em separar aquelas que desenvolviam um bom trabalho das demais.  Isso foi colaborando para que a ANDES se firmasse mais como um sindicato dos professores das universidades públicas e não de todos os professores (públicos e privados) como pretendia inicialmente, e ainda mantém essa pretensão até os dias atuais. 

Quanto maior era a pressão para a transformação da ANDES — Associação Nacional em ANDES — Sindicato Nacional, mais fortemente se evidenciava a diferença entre os interesses dos professores dos setores público e privado e suas dificuldades de intermediação. 

Costa (1994), analisando a questão da intermediação, identifica um conjunto de autores que distingue claramente os níveis das associações da sociedade civil (mais pluralistas) dos grupos que representam interesses privados específicos, como os sindicatos.  Às associações “caberia o papel de formadoras de opinião públicas, sustentando o processo de constituição da vontade coletiva que se dá fora do Estado e distante da lógica dos interesses econômicos particularistas” (p. 44).   Por outro lado, a ação dos sindicatos “se daria em torno da implementação de um “particularismo generalizado””  (idem: 45). 

A ANDES — Associação Nacional queria, no entanto, se transformar na ANDES — Sindicato Nacional, mantendo as mesmas características pluralistas da primeira.  Como o grupo maior — e portanto com maior poder de pressão — formado pelos professores das Universidades Públicas, tinha um grande conjunto próprio de reivindicações sindicais, os docentes das instituições privadas foram, inúmeras vezes, esquecidos ou relegados a um nível inferior de prioridade nas discussões da categoria.  Isso levou a uma crescente debandada destes últimos e conseqüente vinculação  a um outro  Sindicato de Professores — o SINPRO. 

Um outro ponto que pode refletir a contradição interna do próprio sindicato que estava surgindo pode ser resgatado com a contribuição de Clauss Offe. 

Offe (1985), discutindo o conceito de sindicato e a dificuldade em se estabelecer a hipótese básica do movimento trabalhista, nos dias atuais, aponta como um “problema crucial” a dificuldade da organização sindical restabelecer, ou ao menos resguardar, os interesses de todos os “empregados”.  Quando se refere aos empregados, ele alerta que os empregos não estão garantidos nas sociedades industriais capitalistas desenvolvidas e que “este problema pode ser solucionado, mas somente sob a condição um tanto paradoxal de que a organização sindical não limite sua atividade política ao fato de que seus membros estejam empregados, mas sobretudo concentre-se também naquelas condições de vida que não são determinadas diretamente pelas relações de trabalho assalariado e que, portanto, tradicionalmente foram incluídas sob a jurisdição do Estado muito mais do que da política sindical”  (p. 200). 

O grande problema para a ANDES-SN era: Como centrar as suas forças em atividades políticas para professores que estivessem desempregados, ou com a possibilidade de perda de emprego, ou, ainda, em condições não determinadas diretamente pelas relações de trabalho assalariado, já que a grande maioria dos seus associados era de funcionários públicos, com estabilidade no emprego?  O grupo menor, dos docentes das instituições privadas, queria ações mais contundentes que os resguardasse do desemprego, mas apesar de terem sido discutidas e levadas a termo muitas ações nesse sentido, essa, certamente, não era uma das principais bandeiras de luta da ANDES-SN. 

Entretanto, algumas instituições particulares reconheceram a importância em manter-se ligadas a ANDES-SN, devido à qualidade das discussões políticas ali desenvolvidas, relacionadas não só ao ensino superior, como também aos demais níveis de ensino.  A atuação da entidade durante a Constituinte também contribuiu para mostrar a sua força reivindicatória junto ao Congresso Nacional, pois foi considerada como exemplar pela maioria dos docentes, uma vez que contribuiu sobremaneira para a conquista de um espaço mais privilegiado para a educação e para os professores na nova Carta Magna que estava sendo redigida. Nesta época, para fortalecer a luta pela educação na Constituinte, a ANDES se articulou com diversas entidades (FASUBRA, UNE, SBPC, CUT e outras), o que foi de fundamental importância para a sua própria organização enquanto entidade nacional.             

Mas havia, ainda, o desafio de assumir uma decisão relacionada à questão sindical — a filiação a uma central sindical.  Desde as primeiras discussões a ANDES identificou-se mais com a CUT do que com a CGT, mas isso não significa que a filiação à CUT tenha sido tranqüila, pelo contrário, ela gerou muita polêmica pois grande parte dos professores colocou-se contra a filiação da ANDES a uma central sindical. 

A decisão da ANDES-SN de vincular-se à CUT foi tomada no seu VIII Congresso, em 1989 e consta no relatório do evento que “filiada à CUT, a ANDES-SN fortalece o contingente do sindicalismo classista, autônomo e combativo”  (Rel. do VIII Congresso, 1989, p. 58). 

Por sua atuação político-sindical, a ANDES-SN vem se contrapondo à política privatizante do governo, que tenta integrar o sistema de ensino superior na lógica da nova ordem econômica internacional para os países periféricos.  O corte de recursos orçamentários para manutenção das IES públicas, no seu entender, insere-se nessa ordem.  Visa forçar a privatização das universidades públicas ou a manutenção das mesmas pela própria sociedade, desobrigando o Governo Federal desse pesado encargo.  Assim, as sucessivas greves deflagradas em 1989 e durante toda a década de 90 foram marcadas pela luta em favor da obtenção de mais verbas para as universidades públicas, objetivando, no entender do sindicato, a própria sobrevivência dessas instituições, além da recuperação dos salários de seus professores.  Sua principal bandeira passou a ser a universidade pública, gratuita e de qualidade. 

Ao longo de todos esses anos o M.D. obteve muitas vitórias e algumas derrotas.  Apesar disso, a maioria dos docentes filiados à ANDES-SN acredita que a situação das universidades públicas brasileiras é cada vez mais difícil.  Essa percepção encontra seus fundamentos na credibilidade de que as diretrizes impostas pela ordem capitalista internacional, adaptadas no Brasil pelos setores que mantêm o poder político, podem conduzir as instituições públicas à falência, à “morte por asfixia”, com a redução gradativa de verbas públicas.  Persistem as iniciativas governamentais que acabam com importantes conquistas do movimento sindical nos últimos anos, tais como a estabilidade dos servidores públicos e a aposentadoria integral.  As universidades públicas, assim como todo o sistema de apoio e sustentação da ciência e tecnologia no país, no entender do M.D., estão sendo conduzidas à falência e ao sucateamento. 

Mas, apesar de todo esse quadro conjuntural e do número crescente de filiados à ANDES-SN, o M.D. parece mais fraco, menos disposto à luta do há alguns anos atrás.  Vários professores, nas diferentes universidades públicas recusam-se a comparecer até mesmo à Assembléias Gerais de suas Associações Docentes onde são tratados assuntos do seu interesse, levando-nos a inferir que o M.D. está em crise.  Isso assusta a todos aqueles que estão ligados à ANDES-SN que buscam a resposta para o motivo da crise.  Estará o M.D. em declínio?

 

2.  Crise no Movimento Docente:  declínio ou mutação? 

Em trabalho anterior, referente à construção da autonomia da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro[7], ao constatar a dificuldade de envolver um número maior de docentes nas discussões a respeito do assunto, perguntou-se o porquê do declínio do envolvimento político dos professores das universidades federais, apesar das profundas mudanças propostas para estas instituições, que poderão vir a afetar direta ou indiretamente a vida de cada professor.  Mais tarde, considerou-se que a falta de participação poderia ser decorrente da alienação política[8]

Na tentativa de refletir um pouco mais a respeito dessa questão, para o presente trabalho indaga-se, principalmente qual seria o motivo da falta de participação ativa dos professores junto às Associações Docentes (AD) e ao próprio Sindicato Nacional (ANDES-SN), como um todo, gerando, inclusive, dificuldades na formação das chapas dirigentes, quer em nível local, regional ou nacional.  Estará havendo um declínio na participação docente ou essa participação estará sofrendo uma mudança na sua forma de atuação? 

Pascal Perrineau (1994) organizou uma coletânea sobre as formas atuais de engajamento político na França que tem, em seu próprio título, a inspiração para essa discussão.  Declínio ou mutação?  Com essa indagação, o autor reúne trabalhos sobre diversas formas de engajamento que, na resposta à pergunta acima enunciada relacionam ao declínio constatado, a própria mutação das formas de engajamento político.  Assim, a crise não significa apenas falta de participação nas atividades coletivas, mas também transformação na forma de como essa participação está se dando, nos dias atuais. 

Jacques Ion (1994), um dos autores que integra essa coletânea, afirma que se trata do “declínio de um modo específico, histórico e nacional de participação no espaço público, expresso na dedicação integral à militância”  (p. 23).   Nesse processo, a forma militante de engajamento não desaparece por completo, mas adquire novos contornos: deixa de dirigir-se apenas ao partido, ao sindicato ou à associação e passa a conviver, também, com outras modalidades de participação mais difusas sem deixar de lado a dedicação às necessidades provenientes da vida privada. 

Apesar de examinar a realidade francesa fora da docência, Ion fornece indicações interessantes para a análise da ação coletiva dos professores do ensino superior, nos anos 90.  De um lado, porque pode fundamentar a percepção tanto de suas dificuldades quanto de suas mudanças e transformações.  De outro, porque auxilia a percepção mais detalhada do caráter da crise da organização docente. 

A crise do M.D. está associada, no presente trabalho, à constatação da dificuldade de constituição das ações coletivas em geral.  Não se pode, entretanto, deixar de considerar que ela não se configura como uma realidade isolada, própria somente do M.D., mas que está inserida na crise do sindicalismo em geral, constatada em vários países, desde a década de 80 e, no Brasil, a partir de meados da década de 90, conforme aponta Antunes (1995).  De qualquer forma, a atual crise do M.D. está mais relacionada, neste estudo, ao declínio da participação dos docentes nas propostas da ANDES-SN que são divulgadas, localmente, através das ADs.  Trata-se, no entanto, de um declínio da ação coletiva e não do Sindicato propriamente dito, uma vez que a ANDES-SN cresce institucionalmente.  Ao refletirem sobre as dificuldades enfrentadas pelo sindicalismo francês, Groux e Mouriaux (1994)[9] chamam a atenção para esse mesmo paradoxo entre o declínio do engajamento sindical e o crescimento institucional dos sindicatos. 

Vianna (1999), em seu trabalho sobre a crise do engajamento docente no Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (APEOESP), aponta sete motivos para essa crise.  “1) as sucessivas decepções docentesd+ 2) o medo difuso da repressãod+ 3) a ausência de prática de participaçãod+ 4) os mecanismos de controle exercidos pelas diferentes instâncias da educação pública, com destaque para as direções de escolasd+ 5) as disputas internas no Sindicatod+ 6) o isolamento do professoradod+ e 7) o desgaste do modelo de dedicação integral à militância” (p. 3). 

Apesar do estudo de Vianna ser direcionado para a APEOESP, esses sete grandes temas por ela apresentados podem, também, servir de referência de análise para a crise de engajamento na ANDES-SN.  Para viabilizar esse exercício reflexivo é necessário um esforço no sentido de esclarecer melhor cada um deles. 

O primeiro tema refere-se às decepções dos professores paulistas em relação aos governos federal e estadual já que a APEOESP congrega professores dos diferentes níveis de ensino.  Aí estão relacionados o corte no orçamento para a educação e o fechamento de escolas.  Soma-se a isso o desgaste dos instrumentos de reivindicação da categoria, dentre eles a greve, e as formas utilizadas pelo sindicato com a finalidade de sensibilizar o professorado para suas lutas. 

O segundo, que diz respeito ao medo da repressão, é considerado pela autora como um medo difuso, invocado a partir da experiência de cada um.  Ela constata, em sua pesquisa, de que esse fator que “impede ou dificulta a participação é destacado por todos, mas alguns professores dão mais destaque à experiência de repressão da ditadura militar, enquanto outros enfatizam o medo da represália e do autoritarismo vivido em período mais recente” (Vianna, 1999, p. 4).

O terceiro motivo apontado para a crise trata da falta de hábito de participação e a autora relaciona-o ao medo da repressão, assim como o quarto que diz respeito às medidas internas de punição aplicadas na escola pelas diversas instâncias da educação pública, em especial, pelas direções das escolas. 

O quinto motivo, que diz respeito às disputas internas no sindicato evidencia a dissolução do sentimento de união e de homogeneidade.  É dado destaque à forma de como são tratadas as diferenças de pensamento e o repúdio dos professores ao desrespeito, à falta de tolerância e de ética presentes nas discussões. 

O sexto refere-se ao distanciamento existente entre os docentes e a população usuária da escola pública.  Para superar esta dificuldade é apresentada a proposta de maior divulgação das dificuldades e das condições de trabalho do professor através da mídia. 

O sétimo e último motivo para a crise do engajamento docente está ligado à forma que este tem assumido, “intenso e circunscrito à dedicação quase exclusiva da militância” (Vianna, 1994, p. 6). 

Fazendo-se a transposição da pesquisa de Vianna (1994) para os professores do ensino superior filiados à ANDES-SN, pode-se encontrar basicamente as mesmas justificativas para crise de engajamento, inferidas a partir de opiniões emitidas, escrita e verbalmente, nos Congressos e Conselhos da entidade, assim como nas diferentes Assembléias de Professores.  Entretanto, cabe aqui o alerta de que, enquanto o trabalho de Vianna foi oriundo de uma pesquisa sistemática, com inúmeras entrevistas, que originou a sua tese de doutoramento, as inferências aqui apontadas são somente fruto da observação desenvolvida em alguns anos de militância junto a ANDES-SN.  Apesar dessa limitação acredita-se que esse exercício reflexivo possa contribuir para o aprofundamento futuro do tema.  Por isso optou-se pela comparação entre os professores desses dois sindicatos: a APEOESP e a ANDES. 

Os professores ligados à ANDES-SN também se dizem decepcionados com os atos do governo federal, principalmente os das universidades públicas.  Sentem o desgaste dos instrumentos de reivindicação da categoria, dentre eles a greve, mas não conseguem encontrar outros meios eficazes de reivindicação.

Já o medo da repressão vai aparecer, principalmente, nas manifestações de rua, enquanto que o medo das medidas internas de repressão atinge mais os professores da rede privada, que temem a perda de seus empregos e os demais mecanismos autoritários das direções das instituições.  Os da rede pública, por sua vez, temem o corte dos salários e a perda do período de férias em época mais propícia, ocasionados pelas greves.  Por outro lado, a falta de hábito de participação atinge a todos e é fruto dos quase 20 anos de regime autoritário no Brasil, quando os poucos que tinham a coragem de participar de alguma manifestação contrária às diretrizes dos governos militares, sofriam perseguições e represálias. 

As disputas internas que vêm acontecendo na ANDES-SN pelo controle do Sindicato e, conseqüentemente, de suas linhas de ação, se configura numa prática que também pode explicar as dificuldades de engajamento político.  A concepção de uma ação sindical docente que remetia à forte união do professorado contra o Estado e de um modelo idealizado de militância que não supõe divergências, foi se dissolvendo e cedeu lugar às divergências.  Esse modelo idealizado, conforme ressalta Peralva (1992), teve seu espaço durante o enfrentamento com o Estado  da ditadura militar mas, quando se tornaram possíveis outras formas de chegar ao poder, instalaram-se as diferenças, levando à dissolução do sentimento de união e de homogeneidade.  A forma como essas diferenças são tratadas internamente é considerada, muitas das vezes, agressiva, desrespeitosa e inibidora da participação, por vários docentes, que acabam se afastando da militância sindical. 

Os professores vinculados à ANDES-SN também se ressentem do distanciamento entre a categoria e a população como um todo.  Para eles é necessário superar esse isolamento, a partir, em primeiro lugar, do reconhecimento, pela sociedade, da importância da universidade pública para o desenvolvimento do país.  Em seguida, pela divulgação das dificuldades de manutenção dessas instituições com os cortes das verbas públicas e denúncia das péssimas condições de trabalho dos professores.   Acreditam na importância da ocupação de um espaço maior nos meios de comunicação a fim de que essas informações cheguem à população.  Os professores tendem a considerar que a ANDES-SN deveria dar mais visibilidade às ações do Sindicato, através da mídia, a fim de obter maior apoio da sociedade, principalmente durante as greves.

Em relação ao último motivo da crise de engajamento docente apontado por Vianna (1999), que está  ligado à forma que este tem assumido: “intenso e circunscrito à dedicação  quase que exclusiva da militância”  (p. 6), uma análise mais cuidadosa se faz necessária. 

Chillemi (1997) nos alerta que esse modelo de militância docente foi constituído desde a década de 70.  Examinando a produção da subjetividade na militância docente dessa época, a autora destaca: “a garra de luta é alicerçada no pensamento de que é preciso dedicar-se exclusivamente à militância” (p. 90).  Mas, o agir coletivo caracterizado pela dedicação exclusiva dos militantes ao Sindicato tende a se esgotar nos anos 90. 

A partir do início da década de 90 nota-se o desgaste de um tipo de engajamento que tira a liberdade, as escolhas, e os momentos da vida pessoal.  Isso nos remete ao conceito de mutação de Ion (1994), já citado anteriormente, que indica o esgotamento de uma concepção de militância total.  Para esse autor, o modelo de engajamento no qual as necessidades do sindicato, ou partido, ou associação são colocadas em primeiro plano, em detrimento das expectativas individuais é paulatinamente colocado em questão, em nome de um outro modelo no qual o indivíduo adquira visibilidade.  Considera que a necessidade, de restringir a militância para investir na esfera pessoal, relaciona-se ainda aos indícios de uma maior demarcação entre militância e vida privada: a duração das reuniões nos partidos, associações e sindicatos tende a diminuird+ o domingo para as atividades políticas desaparece das agendas dos militantesd+ e os encontros noturnos ou nos sábados são reduzidos.  Além disso, as atividades de lazer se dissociam das atividades militantes.  Assim, o modelo de militância padrão, fundamentado na negação da vida privada, passa a ser rejeitado e isso se dá, também, na militância docente da ANDES-SN. 

Nos trabalhos de Melucci (1997a e b), vem à luz a complexa relação entre declínio de uma determinada forma de engajamento coletivo e os novos elementos que indicam sua mutação. Esse processo pode assemelhar-se ao declínio do envolvimento sindical nas Associações Docentes que integram a ANDES-SN, assim como ao arrefecimento da defesa da militância enquanto dedicação integral que envolve o ator em sua vida pública e privada e corresponde às suas necessidades subjetivas e de convívio interpessoal.  Em relação ao temor pelo desaparecimento das ações coletivas docentes, é ainda Melucci, quem avisa que não ocorre o desaparecimento da ação coletiva, nem o desaparecimento dos conflitos sociais.  Assim, “não nos encontramos diante da dissolução dos atores coletivos ou do desaparecimento dos conflitos, mas de uma profunda mudança na sua forma”  (Melucci, 1997a, p. 43). 

Mas, se é forte a decepção com o engajamento total e o retraimento da vida privada, podem existir, ainda, outros fatores que estejam provocando essas mutações no agir coletivo.  Vianna (1999), afirma em seu estudo que quando os professores dizem que o Sindicato tolhe suas vidas, impede que “sejam eles mesmos” e fragmenta a identidade docente excluíndo vários de seus significados, também apontam algumas saídas para a possível recomposição do agir coletivo.  Essas saídas dizem respeito a duas vertentes: “1) a que indica a multiplicidade das formas de ação coletiva, não mais restritas às associações, sindicatos e partidos e
2) a que aponta significados masculinos e femininos presentes na reconfiguração do agir docente” (p. 8). 

Quanto à primeira vertente são apontadas uma série de atividades coletivas que convivem com, ou substituem, um determinado tipo de militância sindical.  Isso significa que os professores, para conciliar suas várias atividades profissionais sindicais e pessoais, reduzem o envolvimento com o Sindicato, redução que pode indicar, também, uma mudança na militância docente.  Já em relação à segunda vertente, é interessante observar que a constatação da crise da organização docente produz formas diferenciadas do agir coletivo, bem como expressa a presença de novos significados para as ações coletivas da categoria docente — significados relacionados à feminilidade e à masculinidade, tal como são tradicionalmente enfatizados em nossa sociedade.       

Os trabalhos sobre gênero ressaltam que , em nossa sociedade, é convencionalmente atribuída às mulheres a dedicação ao universo doméstico, enquanto que aos homens é reservada a participação na vida pública.  De acordo com essas representações tradicionais, tudo o que não se refere ao universo doméstico, à casa e aos cuidados dos filhos tem sido, ainda que imprecisamente, considerado participação pública e, portanto, reservada aos homens.  Porém, apesar disso existem muitos modelos de feminilidade e masculinidade que recusam essa ruptura entre vida privada e participação na esfera pública.  Existe um modelo considerado hegemônico, mas sempre existiram tensões e resignificações das atribuições masculinas e femininas a ele relacionadas.

Os professores dos anos 90 também caminham nessa direção, ampliando para homens e mulheres os significados tradicionalmente atribuídos a estes últimos. Fazem questão de demonstrar que não podem abdicar das necessidades da vida pessoal e doméstica quando estão militando, e isso é feito por homens e mulheres, indistintamente.  Diante das necessidades da vida moderna, professores e professoras têm assumido funções de cuidado dos filhos na vida privada, preocupando-se com o afeto na vida pessoal e, no âmbito das participações, rompendo com a dicotomia entre homens/mulheresd+ público/privadod+ racional/afetivo, de modo semelhante ao observado por Connell (1995), quanto à ruptura com o modelo hegemônico de masculinidade. 

A relação entre esses significados e a própria docência — bem como as ações coletivas desenvolvidas nesse espaço profissional — permite ultrapassar algumas das polarizações, como diz Melucci (1994), que restringem a dedicação à esfera privada, o envolvimento afetivo e a redução do engajamento integral apenas às mulheres. Percebe-se que agora são, indistintamente, homens e mulheres que se voltam para a esfera privada, dando novos significados para a relação convencionalmente estabelecida entre mulheres/vida privada e homens/participação pública.  Embora reconheça a fragilidade e as limitações desse trabalho, e a necessidade de uma pesquisa mais aprofundada do assunto, atrevo-me a afirmar que pode estar ocorrendo, na mutação das formas de engajamento, a resignificação entre: a) vida privada e participação na vida públicad+ b) necessidades subjetivas e carências que decorrem do trabalhod+ e c) a definição tradicional de masculinidade e a de feminilidade.  Acredita-se que essas resignificações precisam ser consideradas no estudo do engajamento docente. 

Mas, por outro lado, a crise no M.D. pode estar relacionada, ainda, a um outro fator.  Como já foi mencionado no relato histórico que iniciou esse trabalho, as Associações Docentes que deram origem à ANDES, tinham um importante papel político dentro das universidades, durante o regime militar.  Elas representavam propostas de mudança e, conseqüentemente, se constituíam em uma “força de ruptura com certos princípios da ordem estabelecida”, como se expressa Rambaud[10] (1984, p. 204), ao referir-se ao movimento social que deu origem, na Polônia, ao Sindicato Solidariedade. 

Guardadas as devidas proporções, a proposta política dos docentes do ensino superior favoreceram a criação da ANDES e a sua posterior transformação em Sindicato Nacional, de forma análoga ao ocorrido na Polônia onde a proposta política dos agricultores deu origem ao Sindicato Solidariedade.  Mas a semelhança termina aí.  Enquanto na experiência polonesa isso representou, segundo a hipótese de Rambaud, a conquista de uma identidade coletiva para os agricultores, no caso do M.D. brasileiro ligado à ANDES, a experiência foi diferente.  A transformação da ANDES em Sindicato Nacional acirrou o confronto entre os interesses corporativos e os ideais políticos.  A questão, agora, passou a ser se ela deveria prioritariamente continuar na defesa de sua linha política que incluía oposição aos ideais capitalistas, ou deveria centrar suas forças nas negociações com o Governo a fim de garantir ganhos salariais, mesmo que esses ganhos representassem a negação de certos princípios sociais por ela defendidos.  Esse impasse acabou gerando uma ruptura no interior da ANDES-SN.  Um grupo sempre optando pela saída institucional da negociação, mesmo que em alguns momentos a visão de sociedade fosse violentada.  O outro invariavelmente pautado pelos ideais políticos, ainda que isso acabasse acarretando perdas salariais.  Mesmo que em alguns momentos as diferenças fossem sanadas e se configurasse numa ação consensual, ficava evidenciado que a ANDES-SN já não tinha mais uma mesma proposta de ação.  A ANDES política aglutinava numa mesma proposta os professores das instituições públicas e privadas, enquanto que a ANDES mais corporativista teve que optar por um dos grupos para traçar as diretrizes de defesa dos seus interesses.  Mas, mesmo dentro do grupo das Instituições Públicas essa divisão de concepção se aprofunda a cada dia evidenciando a crise. 

Será uma crise de identidade?  Estará a identidade do Sindicato dos Docentes do Ensino Superior em processo de construção ou de reconstrução? 

Infelizmente, nesse trabalho, ainda não possuímos elementos suficientes para responder objetivamente a essas indagações, que deverão servir de referência a estudos futuros.  Mas, de qualquer forma, com o intuito de ampliar as reflexões aqui desenvolvidas cabe-nos recorrer uma vez mais a Rambaud (1984).  Ele nos adverte que  “identidade não é homogeneidade”
 (p. 231), mas que face a um mesmo adversário os diferentes integrantes de um movimento social adotam um sistema comum de alianças.  Estão, portanto, voltados para a conquista de uma mesma identidade, apesar de não pretenderem a homogeneidade.  O autor afirma, ainda, que é ao longo das crises econômicas e políticas, quando a conjuntura social apresenta-se desfavorável para o grupo que integra um determinado movimento social, que a identidade coletiva tem mais condições de emergir e de se consolidar.  (ídem: 237).  Parece-nos, então, que este pode ser o momento em que a identidade coletiva do M.D. ligado à ANDES tem grandes condições de assumir suas reais características. 

A conjuntura é, hoje, amplamente desfavorável para os professores da universidades públicas.  Esta instituição vive, atualmente, uma das suas maiores crises, em conseqüência da crise pela qual passa a nossa sociedade.  Isso acontece porque ela não é como muitos pensam, uma instituição e um projeto para além das contradições sociais.  Muito pelo contrário, vive plena e intensamente todas essas contradições e tem sido fruto de muitas investidas governamentais, desde a redução de verbas públicas para a sua manutenção, diminuição do seu corpo docente e técnico-administrativo, até as ações contra o seu projeto de autonomia.  Mas, além das medidas direcionadas à instituições, há aquelas dirigidas diretamente às pessoas.  Do ponto de vista trabalhista o Governo se propõe a alterar quase tudo.  Tenta regulamentar a demissão do servidor público, retirando-lhe a estabilidade (PLC 43/99)d+ disciplinar o emprego público (PLC 57/99)d+ instituir a contribuição providenciaria do servidor público aposentado (PLC 139/99), dentre outras medidas. 

Por outro lado, não são só os professores das universidades públicas que vivem um momento difícil.  No campo político-pedagógico as ações governamentais apresentam novas propostas de avaliação das instituições públicas e privadas de educação superior.  Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais, sem consultar os docentes, numa interferência direta nos cursos superiores do país.  Avalia o trabalho docente segundo “critérios de produtividade”, dentro da lógica da “qualidade total”.  Além do mais no campo social o Brasil passa por uma séria crise que se reflete no “achatamento salarial” e nas dificuldades do mercado de trabalho.  Tudo isso interfere diretamente na vida pessoal de cada professor quer esteja ele ligado a uma instituição pública ou particular. Não estarão postas aí as condições para que se adote um sistema comum de alianças que facilite a conquista da identidade do Sindicato? 

De qualquer forma, para que isso aconteça, muitos desafios ainda precisam ser enfrentados e superados.  Um deles é apontado por Coelho (1996).  Segundo esse autor, “para o movimento sindical universitário, o desafio que parece estar claramente colocado hoje, é o de superar a distinção que ainda persiste, na atividade prática dos docentes, entre o campo “sindical” e o campo “acadêmico”  (p. 173)”.  Para ele trata-se de entender que a preservação da identidade do trabalho acadêmico-científico não se contrapõe à defesa do salário e de melhores condições de trabalho.  Pelo contrário, o M.D. terá mais força política à medida que integrar a luta salarial com a atuação acadêmica institucional.  Do contrário, se o M.D. restringir sua luta exclusivamente ao aspecto econômico corporativo, ele perderá muito de sua força junto à sociedade e então, mesmo contra a sua vontade, acabará absorvido na lógica dominante do sistema econômico político vigente. 

Acredita-se que essa perspectiva de integrar a prática sindical e a prática acadêmica não significará um abrandamento do confronto com as diretrizes predominantes da política econômica e educacional do governo brasileiro.  As freqüentes acusações de corporativismo, feitas ao M.D., bem como aos movimentos sindicais em geral, apenas dissimulam o verdadeiro antagonismo entre, de um lado, a “Sociedade Política Dominante” (Dreifus, 1989) e, de outro lado, os que lutam pela democratização da sociedade brasileira.  O que o Governo rejeita não é tanto o corporativismo sindical.   O que é rejeitado no sindicalismo docente é, principalmente, seu caráter político.  Neste sentido chega-se à conclusão semelhante a de Sanfelice (1986) a respeito do movimento estudantil na década de 60.  Segundo este autor, o confronto do governo autocrático militar de 64 com a União Nacional dos Estudantes (UNE) se agravou quando esta entidade aprofundou sua reflexão teórica, “estabelecendo algumas relações entre as questões educacionais e os aspectos mais gerais do processo econômico e político brasileiro”  (p. 170).  Nesse sentido, pode-se prever o agravamento do confronto entre o M.D. e o Governo, à medida em que os docentes buscarem integrar a luta salarial com a atuação acadêmica.  Mas, esse confronto pode favorecer o fortalecimento da ANDES enquanto Sindicato Nacional e, quem sabe, pode possibilitar a superação das diferenças e a busca das igualdades entre os seus membros, contribuindo para a construção(ou reconstrução?) de sua própria identidade. Como diz Rambaud (1984),  “Um dos traços característicos de toda busca de identidade é a afirmação, simultânea, e como que dialética, das diferenças e igualdades” (p. 217).  Mas, o mesmo autor nos alerta que a construção da identidade de um grupo social é ainda mais complexa, pois é  “construída pelas relações que ele mantém com sua própria história, com sua coesão ou suas tensões internas, com a sociedade que o reconhece ou o cria, às vezes combatendo-o”  (idem, p. 217). 

Acredita-se que, para o M.D. representado pela ANDES-SN obter o reconhecimento dessa sociedade, ainda precisa enfrentar um outro desafio.  Ele tem que envidar esforços para colaborar na construção, dentro da “velha” universidade de função tradicional na formação das elites intelectuais das classes dominantes, de uma “nova” universidade, comprometida com a transformação das estruturas sociais, econômicas e políticas.  Talvez isso pareça um sonho, mas é preciso sonhar!  O sonho não se põe numa universidade exemplar, torre de marfim, “sede da sabedoria”, mas no que esta instituição pode fazer para apoiar a luta dos trabalhadores brasileiros por uma sociedade mais justa e igualitária.  Como afirmou Touraine (1978), “o futuro da sociedade parece depender cada vez mais dos movimentos sociais e políticos do que de leis econômicas ou de tendências históricas objetivas” (p. 11).  Nesse sentido, acredita-se que o Movimento Docente tem uma enorme responsabilidade social e somente quando assumir essa responsabilidade terá adquirido uma identidade condizente com sua trajetória histórica.

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[1] Alexander, J.C., 1998.

[2] Coelho, 1996:37

[3] CEF, Parecer nº 3.492/77.  Brasil, MEC/SAG/CPS, 1990.

[4] Ledesma, 1994: 95.

[5] Buffa, Esther.  Ideologias em conflito: escola pública e escola privada.  São Paulo: Cortez Eampd+ Moraes, 1979.

[6] Caderno 2. ANDES.

[7] OTRANTO, C. R.  Construção da Autonomia da Universidade federal Rural do Rio de Janeiro: desafios, limites e perspectivas.  Projeto de Tese de Doutoramento, CPDA/UFRRJ, 1998.

[8] OTRANTO, C. R.  A Construção da Autonomia da Universidade Rural: uma tentativa de superação da alienação. Rural Semanal, nº 14, ano VI. UFRRJ, 1999, p. 2.

[9] In: Perinau P. (org.), 1994, p. 67-86.

[10] In: Drabik, G. e Fernandes, R. C. (orgs.). 1984, p. 202-238