Nem diante da morte?

Saí da reunião do Conselho de Representantes realizada na fria tarde de quarta-feira, dia de São João (24/06), matutando acerca de uma questão. Não, caro colega, minha ruminação nada tinha a ver com a aprovação, pelo CR, do fim da suspensão do repasse de nossa contribuição sindical à tesouraria do nosso sindicato nacional (feito olímpico perpetrado pela atual diretoria da Apufsc), diante do pronto restabelecimento do registro sindical do Andes pelo Ministério do Trabalho. Embora o andar de tal discussão tenha mesmo beirado ao engalfinhar, dado o acirramento do ânimo de alguns dos representantes presentes à reunião, minha inquietação passou ao largo disso tudo. Afinal, o despacho do Ministério não teve o mérito de acabar por derreter a arrogante “solidez” do reiterado discurso da diretoria acerca de tal ponto?

No começo da reunião, na seção informes, pensei em fazer uso da palavra para registrar o falecimento do Professor Paulo Meksenas, do CED, ocorrido dois dias antes, na noite do último dia 22. Quem sabe, solicitar ao Conselho o envio de condolências a família enlutada. Acabei sem tomar tal iniciativa, por parecer deslocada, fora do compasso da reunião. Nada foi dito então a respeito. Não obstante, no dia anterior, dezenas e dezenas de professores, estudantes de graduação e de pós-graduação, servidores técnico-administrativos da UFSC e da Udesc, dentre tantos amigos e familiares, profundamente comovidos com a rapidez do desenlace de seu estado de saúde, acompanharam, aturdidos, o velório, cerimônia de adeus ao professor Paulo, que havia desempenhado suas atividades docentes, inclusive com ativa presença em sala de aula, até às vésperas de sua internação hospitalar apenas duas semanas antes.

Este texto é uma tentativa de apagar esse silêncio e prestar um singelo tributo à memória do professor Paulo Meksenas. Esta Universidade (mais precisamente, o Centro de Ciências da Educação) acaba de perder uma de suas mais consistentes referências docentes. Avesso ao debate fragmentado e superficial, tão ao gosto destes tempos de agora, atravessados pelo franco domínio do aligeirar do conhecimento, Meksenas instava seus alunos a pensar mais fundamente, a buscar problematizar o(s) problema(s), a perceber a necessidade de ter de se empenhar no estudo de autores clássicos. O Professor não escondia seu entusiasmo nessa investidura na direção do adensamento das reflexões e da possibilidade de se construir sínteses mais densas e complexas. Suas aulas eram marcantes, desafiadoras, prazerosas. Por vezes, trabalhamos na graduação em salas vizinhas e pude constatar o costumeiro entusiasmo com que encaminhava fundas discussões com seus alunos, numa sala de aula repleta e atenta. Generoso, desde que fosse de seu domínio, Paulo não se esquivava em aceitar um convite para apresentar a uma turma de pós-graduação uma perspectiva epistemológica distinta. Tinha prazer em lidar com o conhecimento, perscrutar diferentes sendas do saber.

Avesso às várias expressões de arrogância acadêmica (comum e, infelizmente, a crescer entre nós), não hesitava em tomar atitudes corajosas, claramente postas na contramão daquelas. Paulo Meksenas era contra o vicejar em nosso meio de “igrejinhas”, verdadeiras “irmandades acadêmicas” compostas por múltiplos tentáculos. Docente com rara sensibilidade social, tomava partido contra a hegemonia dos “professores empreendedores”, férreos seguidores e defensores dos “mandamentos” da Capes, “altamente produtivos” e faceiros (ainda que cansados e sem tempo de ter tempo) com o pretenso poder de seus próprios “brilhos”, individualistas, basicamente preocupados em engordar e engordar seus respectivos Currículos Lattes. Hegemonia intelectualmente mortífera e socialmente alienante, desestruturadora de discussões e práticas cooperativas, de caráter coletivo e não competitivo, que tenham a ver com a superação da miséria secularmente reinante em nosso país.

Acabou a utopia? O legado de professores como Paulo Meksenas testemunha que não!