A desculpa que alivia e consola

Saiu na Folha de S. Paulo de 29/07/2009 a notícia de que o ministro da Força Sindical, Carlos Lupi, deu um golpe no Codefat (Conselho Deliberativo do Fundo do Trabalhador) colocando na sua direção um tal de Luigi Nese, presidente de entidade sindical pelega, com registro sindical recente. O golpe consistiu, segundo a notícia, na quebra da regra de rodízio, estabelecida há mais de 19 anos, para impedir que um presidente de confederação de empresários assumisse, como previa a regra, a direção do Codefat. As razões do golpe sujo, segundo a Folha, são as eleições de 2010.

Afinal, o Codefat gere um patrimônio de R$ 158 bilhões, entenderam?

Antes, o ministro das Manobras Escusas, Carlos Lupi, já havia, com uma simples canetada, “criado” uma espécie de “Nova Andes” que, segundo ele próprio, seria “provisória” (enquanto o STJ não desse o piparote final na Andes) e representaria apenas os docentes das IFES. Mas, como toda fraude deixa o seu rastro, esta deixou uma avenida de irregularidades. Para enxergá-la basta ser minimamente preparado para gerir a coisa pública (sindicato é público ou privado?) e isento de amarras e nostalgias ideológicas.

Vamos lá. Entre as irregularidades (em direito fala-se em “solenidades essenciais” não cumpridas), estão:

1) A precedência do requerimento protocolado pelo Proifes para representar as IFES. O ministro das Manobras de Bastidores, Carlos Lupi, ignorou esta precedência.

2) A ausência de requerimento protocolado por diretoria provisória (eleita em assembléia constituinte) desta “Nova Andes” para representar apenas as IFES.

Cabe aduzir que quando um requerimento desta natureza é protocolado, há que se anexar a ele a ata da assembléia que aprovou a constituição do novo sindicato e elegeu a diretoria provisória, assinada por todos os que dela participaram, bem como o projeto dos novos estatutos, também aprovados na mesmíssima assembléia constituinte. O ministro da Força Sindical e Manobras Obscuras, Carlos Lupi (Brizola, levanta-te de teu túmulo!), ignorou todo este procedimentod+ – imperativo de leid+ – criando um aborto jurídico medonho (a tal “Nova Andes”), mesmo que, segundo ele, o ministro, este fosse um sindicato “provisório”. Criou uma espécie de “Nova Andes” sem requerimento de diretoria provisória, sem ata constitutiva e sem projeto de estatutos anexos.

Resumo da ópera bufa: Hoje temos uma  espécie de “Nova Andes”, que não existe juridicamente, mas que representaria, por ato do ministro, apenas os docentes das IFES (Instituições Federais de Ensino Superior), mesmo assim “provisoriamente”.

Agora você, diligente leitor, poderá verificar no sítio (clique aqui) que os estatutos da Andes só podem ser alterados (consolidados) em seus congressos anuais. A última consolidação foi feita no 28º Congresso, realizado em Pelotas, entre 10 e 16 de fevereiro de 2009, consolidação esta que deverá prevalecer, intocável e inalterável, até o 29º Congresso, a realizar-se em 2010.

Ficou claro isso?

Repito: o estatuto da Andes, por prescrições do próprio estatuto, deverá permanecer como foi consolidado em Pelotas, entre 10 e 16 de fevereiro de 2009, até o próximo congresso a ocorrer em 2010.

Ninguém, sócio ou não da Andes, ministro ou não, poderá alterá-lo antes daquela data. Só o congresso de 2010 poderá fazê-lo.

Como aceitar, então, como legítimo, o Ministro das Rasteiras decretar, em despacho administrativo, a alteração estatutária da Andes, reduzindo sua representação aos docentes das IFES? Sim, leitor, este despacho representa, ipso facto, uma alteração estatutária brutal. Alteração conduzida por despacho administrativo de um ministro, lavrado na calada da noite, em conluio com a nomenclatura do soviete supremo andesiano. Isto é maneira de se criar ou alterar de forma correta (jurídica e eticamente) um sindicato? Claro que não! Nem um parvo deixaria de perceber a artimanha fraudulenta. Fomos então vítimas de um engodo? Sim fomos e, por paradoxal que pareça, até mesmo os militantes andesianos, mais distantes do soviete supremo da Andes, foram também vítimas. Digo isto porque, tirante os membros do politiburo andesiano, os demais militantes não aceitam a redução da representatividade, como ficou claro em votação no último congresso em Pelotas.

Tanto isto é verdade, leitor, que o estatuto da Andes, consolidado em Pelotas, continua intacto em seu sítio eletrônico. O soviete supremo andesiano não teve coragem de alterá-lo, manu militari, para se conformar ao despacho do ministro. Para ver isto, basta consultar o estatuto consolidado em fevereiro de 2009, disponível no sítio da Andes:

Art. 5º: O Andes-Sindicato Nacional tem por objetivos precípuos: I – congregar e representar os docentes das IES de todo o país, sejam estes da educação básica ou da educação superior e respectivas modalidadesd+ (o destaque é meu).

Leitor, você com certeza já sentiu o fedor da fraude.

Embora a canetada do ministro das Manobras Obscuras diz que a Andes representará tão somente as IFES, o seu estatuto, a constituição andesiana, consolidada em fevereiro deste ano, diz o contrário.

Em resumo, o ministro atropelou a lei, atropelou o estatuto da Andes, criando um sindicato sem requerimento formal protocolado por diretoria provisória e sem estatuto aprovados, ambos, em Assembléia Constituinted+- e sem observar o princípio da precedência devida ao Proifes.

Criou um natimorto, um monstro jurídico, algo nulo de pleno direito.

Mas funcionou a manobra, pelo menos aqui na diretoria da Apufsc.

Serviu como uma desculpa (esfarrapada, claro) para a diretoria fazer o que fez: reiniciar o esbulho financeiro da Apufsc.

Isto, o esbulho financeiro da Apufsc, a diretoria recomeçou sem consultar um Parecer Jurídico, lavrado por jurista independente e consagrado.

Esta monstruosidade foi cometida contra a Apufsc pela diretoria, mesmo reconhecendo ela, como o fez em manifestações públicas, que havia “dúvidas jurídicas” quanto à legitimidade do ato do ministro.

Ora, se havia dúvidas jurídicas, o que se impunha era a cautela, não o arrombamento precipitado do cofre da Apufsc.

A cautela de um Parecer Jurídico independente.

A cautela de um recurso judicial para pagamento em Juízo, como já se fez, com sucesso, em outra associação de docentes federais.

Mas não foi isto o que se viu aqui na Apufsc.

A diretoria (penso que com o presidente à frente) decidiu dar uma de peru de Natal: morrer de véspera.

Por motivos que poderiam ser classificados como tibieza, covardia, ou mesmo colaboracionismod+ -este, quem sabe, em decorrência de peias a um passado de militância de esquerda não resolvidod+ – a diretoria antecipou-se  a qualquer pronunciamento , quer do  CR, quer da Assembléia , quer de um Parecer Jurídico, quer de uma decisão judicial para pagamento em Juízo. Antecipou-se e trefegamente, irresponsavelmente, abriu as burras da Apufsc aos  bolcheviques andesianos, para que continuem sua luta insana pela destruição do Estado de Direito e construção da ditadura do proletariado.

Não sei como você entende isso, caro leitor. Eu entendo como traição aos princípios que levaram à eleição desta mesma diretoria. Eu me sinto traído.

Para mim, a Nova Apufsc é sonho definitivamente frustrado: luta traída, causa perdida.

Se for para continuar financiando as lutas de classes patrocinadas pelos seguidores dos bolcheviques de 1903*, incrustados no politiburo da Andes, se for para continuar desviando dinheiro nosso para “movimentos sociais” como MST e Via Campesina, se for para continuar o esbulho financeiro de nossa associação, pergunto: qual a diferença entre a nova e a velha Apufsc? Não vejo diferença, a não ser na retórica furada da nova diretoria. De concreto, isto é, naquilo que realmente interessa, não vejo diferença.

Ulisses Guimarães dizia que muitas vezes a versão paira acima dos fatos. Isto porque, acrescento eu, muitas vezes os fatos (isto é, a realidade) incomodam e uma versão pode vir a servir como uma válvula de alívio.

A versão pode ser a desculpa de que se precisa, para conforto e alívio da consciência de antigo militante da esquerda ideológica.

É como o pedaço de papel assinado por Hitler e brandido por Chamberlain em Londres, para mostrar aos ingleses que ele (Chamberlain) estava construindo “coletivamente” (com os nazistas) a paz na Europa.

Na realidade, estava era brandindo uma desculpa para a sua falta de ação objetiva, para a sua tibieza pessoal, ou até mesmo, pode-se conjecturar, para sua simpatia pelo III Reich.

O papel assinado por Hitler e brandido em Londres pode ter sido, para Chamberlain, o que o despacho administrativo do ministro da Força Sindical representa, hoje, para o presidente da Apufsc: o pretexto, a desculpa que alivia e consola.

*Em 1903 o POSDR (Partido Operário Social-Democrata Russo) rachou em dois grupos, o dos mencheviques e o dos bolcheviques, este último liderado por Lênin e Stalin. Os bolcheviques tinham um discurso que é o mesmo adotado, hoje, pela militância da Andes, apesar de o comunismo já repousar no lugar certo que lhe pertence: a lata de lixo da História. Com a vitória da revolução bolchevique de 1917, começou a construção “coletiva” da ditadura do proletariado. Durante esta construção “coletiva” todos os mencheviques foram fuzilados. Até mesmo Trotsky, que ficara em cima do muro durante o racha do POSDR (embora tenha aderido aos bolcheviques posteriormente), não se sentiu seguro e fugiu para o México. Mas o braço da democracia bolchevique alcançou-o por lá e o fuzilou também. Hoje financiamos, com dez por cento da receita financeira bruta da Apufsc, os herdeiros de Lênin e Stalin e do discurso bolchevique enquistados na nomenclatura e na militância da Andes.