Brasil precisa formar 2 mil gestores até 2014

A realização de grandes eventos esportivos no Brasil, como a Copa do Mundo, em 2014, e a Olimpíada, em 2016, deve acelerar a demanda por gestores especializados em esporte. Segundo a Fundação Getúlio Vargas, em cinco anos, a Copa do Mundo vai obrigar uma maior profissionalização do setor e gerar a necessidade de mais de 2 mil especialistas graduados ou pós-graduados no país.

“Vamos precisar de um aumento de 1.000 % no número de profissionais para dar conta das novas arenas esportivas que serão construídas”, afirmam Deborah Zouain e Ronaldo Chataignier, coordenadores do núcleo de estudos em esportes da Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (Ebape/FGV). Mesmo antes do anúncio dos megaeventos no Brasil, a procura por cursos de formação em administração e negócios do esporte tem aumentado 20% por ano, nos últimos cinco anos.

No Brasil, os gestores esportivos são contratados por grandes empresas, clubes, federações de esportes, setor público, ONGs que trabalham o tema como ferramenta de inclusão social, além de agências de marketing e companhias de vestuário e equipamentos esportivos. Além disso, a profissionalização do setor pode criar novas funções, como a de gestor de estádios.

De acordo com os professores da FGV, a procura por especialistas vai ser pressionada também por investidores e entidades esportivas internacionais. Na Copa do Mundo da Alemanha, em 2006, cerca de 70 mil pessoas trabalharam no comitê organizador de forma remunerada. “Desse total, cerca de 40% do contingente foram usados em atividades que exigiam formação superior”, lembra Deborah.

Na próxima Copa, em 2010, na África do Sul, espera-se a criação de mais de 100 mil postos de trabalho diretos e indiretos, em nove sedes de jogos. “No Brasil, com 12 locais para as partidas, estima-se um número de vagas ainda maior, superando 120 mil contratações”, diz Chataignier.

Uma gestão mais profissional também promete chegar aos estádios por conta da reformulação dos espaços exigida pela Fifa. “É aqui que surge a função do gestor de arenas, capaz de fazer dessas estruturas um negócio autossuficiente e lucrativo”. Na Europa, os estádios são responsáveis por até 35% da receita de grandes clubes, como o Manchester United, da Inglaterra, e o Milan, da Itália. No Brasil, de acordo com a FGV, essa participação fica perto dos 10%.

De olho na demanda por gestores do esporte, desde 1998, a FGV já formou 13 turmas com mais de 300 administradores esportivos. Para Deborah, ainda há pouca oferta de cursos no Brasil e faltam docentes e pesquisadores capacitados para lecionar na área. Existem baterias de pós-graduação e MBAs em gestão e marketing esportivo em instituições como a Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM) e a Universidade Anhembi Morumbi, em São Paulo. A Trevisan Escola de Negócios e a Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) também têm programas sobre o assunto.

A estimativa dos pesquisadores sobre o crescimento da demanda nos próximos anos não é exagerada. O Brasil é considerado o quinto maior mercado esportivo do mundo e o setor representa cerca de 2% do PIB nacional- uma fatia em regime de engorda. Entre 1995 e 2005, o PIB do esporte aumentou 10,8% ao ano, segundo pesquisa do instituto Ipsos Marplan e do canal SporTV. “Nos Estados Unidos, o segmento esportivo participa com 4% do PIB.”

Para não fazer feio no cargo, o gestor de esportes deve ter domínio de gestão empresarial, conhecimento em marketing, gestão de pessoas e finanças, além de capacidade para liderar equipes. Boa comunicação verbal, habilidades em negociação e conciliação de conflitos também são exigidas. O profissional pode ser usado para mediar contratos publicitários entre atletas e empresas ou montar ações públicas de desenvolvimento do esporte. “É necessário aptidão para planejar e comercializar eventos, captar recursos, conhecer a dinâmica do segmento e ter um bom networking”, avisa Deborah.

Para enfrentar a concorrência nos próximos anos, a especialista aconselha formação nas áreas de ciências humanas e sociais, como administração, ciências contábeis, marketing, economia, comunicação social ou publicidaded+ além de uma pós-graduação em administração, marketing ou gestão de negócios em esportes.

Os salários na área, em geral, estão abaixo da média de mercado e têm grandes variações, segundo pesquisas do núcleo de estudos em esportes da FGV. Um gerente médio pode ganhar de R$ 3 mil a R$ 12 mil. Já altos gerentes e diretores recebem salários entre R$ 12 mil e R$ 80 mil mensais, mais premiações por negócio gerado. “Mas há profissionais que gerenciam escolinhas e núcleos de prática esportiva com remuneração entre R$ 2 mil e R$ 6 mil, de acordo com o porte do empreendimento e a modalidade esportiva.”

O executivo Rogério Pimenta, por exemplo, optou por uma formação variada e hoje trabalha no setor público. Cursou educação física, fez pós-graduação em voleibol, participou da primeira turma de MBA da FGV em administração esportiva e concluiu um mestrado em administração pública. Como consultor da FGV na área de esportes, participou do estudo de viabilidade econômica dos Jogos Panamericanos de 2007 e do plano de modernização do futebol brasileiro para a CBF, com a criação de um calendário de jogos e o sistema de pontos corridos.

Atualmente, Pimenta é subsecretario municipal de esportes e lazer do Rio de Janeiro- na primeira gestão formada inteiramente por profissionais da área- e vice-presidente da Federação de Futebol do Estado. “O gestor deve ter um conhecimento generalista dos assuntos que envolvem o segmento, capacidade de realizar parcerias comerciais e planejamento de marketing, além de conhecer aspectos contábeis e tributários”, ensina. Com a chegada da Copa e da Olimpíada, Pimenta prevê que haverá ofertas para especialistas em nichos como a elaboração de projetos e captação de recursos, marketing para atletas e organizações esportivas, e desenvolvimento de projetos sócio-esportivos.

Para Líbia Lender, coordenadora do MBA de marketing e entidades esportivas da Universidade Anhembi Morumbi, o profissional da área também está ganhando espaço em empresas que se relacionam diretamente com o esporte ou utilizam a atividade como ferramenta de comunicação.

O curso da instituição tem 30 alunos, vindos de áreas como educação física, administração e marketing, além de integrantes de confederações, ex-atletas e fãs de esporte que querem empreender na área. “As companhias desejam que o especialista amplie os benefícios que podem ser alcançados com investimentos no setor, trazendo maior visibilidade para a marca e aproximação com o público”, diz Líbia.

Na Nike do Brasil, o executivo de contas estratégicas Marcos Paladino cuida dos planos de venda de mais de 5 mil itens de material esportivo como calçados, equipamentos e vestuário. “Os negócios nesse mercado devem aumentar mais de 100% por conta dos eventos marcados até 2016”, diz.

Na empresa há dois anos, Paladino já investiu R$ 20 mil em formação profissional. Graduado em administração de empresas, garantiu o foco na carreira com uma pós-graduação em administração e marketing do esporte. “Para essa profissão, deve-se gostar muito de esportes”, afirma. “Sem ter paixão por alguma modalidade, você nunca entenderá o consumidor desse segmento”. Segundo o executivo, também é necessário saber “conversar” com os vários atores do mercado- atletas, times, mídia e patrocinadores.

É esse trabalho de “meio de campo”, entre atletas e empresas, que Flávio de Francesco, um dos sócios da Comcept, agência de marketing e comunicação esportiva, faz todos os dias. Profissional especializado no desenvolvimento e gestão de projetos ligados ao esporte, ele começou na área há dez anos com licenciamentos da imagem do piloto Ayrton Senna e das marcas Senna e Senninha.

Hoje, pilota a própria agência e coleciona ações como a intermediação entre o jogador Kaká e a Gillette para uma campanha publicitária- 80% dos contratos da empresa de Francesco vêm do futebol. “Também fazemos assessoria e posicionamento de imagem de atletas como Luís Fabiano, o camisa 9 da seleção brasileirad+ Vágner Love, do Palmeiras, e Hernanes, do São Paulo.”

Para o executivo, com a proximidade da Copa do Mundo, esportistas e fabricantes de produtos vão aproveitar a oportunidade para gerar negócios. “A meta é dobrar o volume de projetos na agência até 2016”, diz Francesco, que já trabalhou em eventos esportivos ligados a marcas como Danone e Heineken.

Até quem está chegando no mercado há pouco tempo já vislumbra um maior volume de contratos por conta dos megaeventos. Criada há seis meses, a agência Monday estima um aumento de até 40% nos negócios a partir do próximo ano- 50% dos projetos da companhia são ligados ao futebol e a outra metade é dividida entre esportes radicais e corrida.

O objetivo da empresa é montar ações estratégicas que unam grandes companhias a eventos esportivos, como a recente participação da marca de roupas Hawaiian Dreams (HD) no Oi Megarampa, certame para skatistas e bikers, realizado em setembro, em São Paulo.

“Também estamos reforçando o planejamento de imagem de clubes como Atlético Mineiro e Ponte Preta”, afirmam os sócios da Monday, Leonardo Salles e Thales Paoliello. No próximo ano, a ideia dos executivos é aumentar o volume de torcedores nos estádios com shows de artistas populares antes das partidas. “Por conta da movimentação para a Copa de 2014, já fomos procurados por três empresas que, meses atrás, nem queriam falar de projetos esportivos.”

Segundo Claudinei Santos, coordenador do núcleo de estudos em negócios do esporte da ESPM, o sonho de todo gestor de esporte é trabalhar com uma grande empresa que valorize ações de marketing esportivo ou desenvolva mercadorias para o setor. A instituição mantém um curso de pós-graduação em administração e marketing do esporte há seis anos e já diplomou 300 profissionais. Nas turmas, cerca de 70% dos alunos não são da área esportiva e querem entrar no mercado, enquanto 30% dos matriculados já trabalham com esporte e buscam aperfeiçoamento.