Por onde andam nossos direitos?

8 de março – Dia Internacional da Mulher

Nós mulheres tivemos muitas conquistas ao longo do século XX, porém, passada a primeira década do século XXI constatamos que ainda não desfrutamos plenamente de igualdade. Igualdade é um conceito comparativo difícil de levar a cabo, pois é relativo a algo ou a alguém. Seria por acaso, relativo aos homens, uma vez que ao longo da história “servo e senhor” foram substituídos por cidadão, e “sujeição” por direitos e deveres? Os direitos das mulheres, em sua grande maioria, foram apenas “concedidos” ou realmente “apropriados”?

Existe uma diferença entre concessão e apropriação. Concessão se refere ao desfrute relativo que os indivíduos de um grupo com características estáveis podem ter de algo, que antes não tinham. Conserva o caráter de facultativo, vulnerável, instável. Algumas pessoas podem desfrutá-lo e outras não, conforme a igualdade de oportunidades, de tratamento ou de condições.

Um exemplo claro para as mulheres é o direito a segurança pessoal ou a um trabalho digno. Se a mulher tiver direito, este pode ser exercido ou não dependendo das circunstâncias, da sorte, do lugar onde habita e do homem com quem convive. A apropriação, por sua vez, se refere a um estado superior de acesso ao desfrute dos direitos: cada pessoa do coletivo terá acesso e desfrute por e para si mesma, sem importar os méritos, a boa sorte ou uma boa posição.

O melhor exemplo que temos de apropriação pelas mulheres é o acesso à educação e ao voto. O voto é um direito político, porém, ainda estamos longe de alcançar equidade em relação à representação, poder ou candidatura para cargos eletivos. Aparentemente, as mulheres ocupam cargos em virtude das cotas femininas e os homens por méritos próprios.

No que tange aos direitos civis, cremos que as mulheres têm alcançado o direito de liberdade de expressão, de associação e direito à justiça, ainda que não de forma integral. A esse último há custado muito abrir caminho, pois ter acesso a atendimento jurídico, acompanhar as reformas legislativas (Lei Maria da Penha e outras), que até a pouco situavam as mulheres como tuteladas pelos homens da família, dependentes, sem capacidade para atuarem como seres livres e iguais.

Para que as mulheres tivessem direito próprio foi necessário anular a parte de tutela que correspondia aos homens. Ninguém se opôs formalmente, porém, as seqüelas que resultaram dessa mudança de situação para os homens com respeito as suas mulheres, explicam de certo modo a sobrevivência dos casos de violência de gênero entre os casais: muitos ainda pensam que tem o mandato de controlar o comportamento feminino em relação às decisões que elas tomam.

A este panorama somamos as dificuldades derivadas dos papéis de gênero ou identidade de gênero que tem a ver com a questão do cuidado, do afeto, das relações, com a dupla jornada da mulher no espaço público e no privado (doméstico), podemos vislumbrar claramente por onde andam a desigualdade de oportunidades (falta de equidade) e a discriminação atual.

No tocante aos direitos sociais, a educação e a saúde têm ocupado o topo da lista. Porém, ainda há que se lutar por uma educação não sexista, co-educação e educação para a igualdade. Os estudos de gênero têm contribuído para decifrar alguns questionamentos: por que ao longo da história, a diferença sexual tem sido a principal causa da subordinação feminina? Como entender os altos índices de violência contra mulheres e abuso sexual contra meninas? Por que as experiências de mulheres e de homens têm sido construídas de forma diferenciada? O que explica as hierarquias sexuais e as distribuições desiguais de poder na sociedade? Como se assumem identidades femininas e masculinas consideradas fora do padrão de “normalidade” estabelecido pela sociedade?

As mulheres somos a metade do mundo, portanto nos constituímos um coletivo humano específico. Porém, o tratamento que recebemos é próprio de um grupo relegado a que se atribuem características específicas, formas e modos de condutad+ somos submetidas a uma “minorização simbólica”.

Os homens também sofrem alguns preconceitos, ou melhor, pressões, porém, as normas sociais e culturais não lhes impõem uma mobilidade nem uma carga de responsabilidades, da mesma natureza do que para as mulheres. Um grande número de mulheres interioriza características funcionais (funções estabelecidas para as mulheres) e nos convertemos nas maiores defensoras da “identidade feminina” (feminina, simd+ feminista, não!), imposta por meios poderosos: tradições, costumes, crenças, modelos, expectativas sociais, enfim, o imaginário coletivo.

Esta identidade confunde-se com a especificidade da diferença sexual feminina derivada do corpo reprodutor, e tem que ver com os mandatos patriarcais básicos para que a divisão do trabalho funcione e as relações de poder se conservem. São popularmente conhecidas as prescrições de conduta para as mulheres: guardiãs da decência, das tradições, depositárias da honra de suas famílias.

Até hoje sofremos as conseqüências de um discurso patriarcal normativo, uma “heterodesignação”, ou seja, designação de fora, a partir do olhar e das expectativas dos varões: sedução pela beleza, cuidado com as coisas e com as pessoas, habilidades expressivas e outras. Todas essas atribuições são consideradas pela sociedade como de menor valia, interesse e prestígio.

Infelizmente, ainda são poucas as mulheres e poucos os homens que identificam essa postura como injusta e lutam por igualdade. Desfazer-se dos privilégios é duro e exigir o fim da discriminação requer condições de liberdade e igualdade que tornem possível a concretização dessa exigência como componente básico da justiça e da equidade.  Para que ocorra uma mudança, são necessárias duas coisas: o fim dos privilégios do gênero masculino, e a não discriminação do gênero feminino. Parece um círculo vicioso como tantos outros que estamos submetidos diariamente na sociedade…