Ser negro é fator de risco no Brasil

Neste início de ano, tivemos três tristes notícias: um diretor de recursos humanos do Ministério do Planejamento morreu por falta de atendimento, uma mulher deu à luz e foi algemada na maca do hospital e um colega nosso, professor da UFSC, foi espancado e perdeu todos os dentes.

Um fio recorre todos esses episódios: os agredidos e violentados eram negros, de diferentes estratos sociais.

Duvanier Paiva, representante do governo em varias reuniões de “negociação salarial”, aquele que vinha trazer a decisão do governo de não reajustar os salários dos professores de universidades federais em 2012, ou obrigar os docentes a pegar ou largar um acordo, não foi atendido em três hospitais particulares de Brasília, após sofrer um ataque cardíaco. O mau atendimento de negros já havia sido detectado em pesquisa sobre atendimento de mulheres grávidas na rede hospitalar do Rio de Janeiro. Na época, de 1999 a 2001, Silvana Granado e colaboradoras da FIOCRUZ detectaram que as mulheres negras tinham que perambular mais para fazerem o parto e recebiam menos anestesia do que as mulheres brancas na hora do parto. Mais ainda, a diferença de atendimento crescia com o nível socioeconômico da mulher. Pelo nível socioeconômico de Duvanier, vemos que o racismo não escolhe pobre ou classe média alta, e que pode ser letal. A desculpa que se ouviu foi que ele não teria cheque caução para pagar a conta… por isso, morreu…

Elisângela Pereira da Silva, 32, foi presa em flagrante, quando estava grávida de sete meses. Acusação: furtar um chuveiro, duas bonecas e quatro xampus das lojas Americanas do centro de São Paulo. Foi levada ao Centro de Detenção Provisória de Franco da Rocha, região metropolitana de São Paulo, uma prisão superlotada. No final de janeiro, Elisângela deu à luz em um hospital da cidade vizinha Francisco Morato. Depois do parto, uma cesariana, ela foi algemada pela perna e pelo braço direito à cama, conforme revelou o “Jornal da Record”, da TV Record, e há vídeos na rede mostrando a monstruosidade. A imagem nos remete ao período da escravidão, Elisângela é negra. O tratamento em muitos casos parece não ter  mudado muito nos últimos 124 anos… A desculpa é que ela havia mordido uma policial, no entanto a matéria não deu voz à mulher acusada, como é comum na nossa imprensa não ouvir os pobres.

Evandro Oliveira Brito, 41, e seu amigo Erick Casarin, 39, estavam saindo de uma casa noturna na praia da Ferrugem, quando foram espancados por três rapazes. Um deles iniciou a confusão metendo a mão num saco de batatas fritas que Evandro levava, ele retrucou e começou a ser espancado pelos três. Erick foi socorrer o amigo e acabou apanhando também. Os três criminosos primeiro espancaram e depois passaram a agredir Evandro e Eric com uma chave de roda. Nesse momento, várias pessoas fizeram uma roda para assistir. Depois da violência gratuita, veio a continuidade: durante 5 horas ninguém prestou socorro. A polícia passou por ele e o pré-julgou como o causador da briga, explicitamente, que merecia morrer. “O negro é sempre culpado”, outra face cruel do racismo brasileiro. Evandro teve que fingir atropelamento para que um bombeiro fosse chamado, e ele então veio a Florianópolis de helicóptero, desacordado e com risco de morte. Evandro teve que passar por cirurgia de restauração facial e perdeu todos os dentes. Evandro é colega nosso, professor substituto de Estágio e Prática de Ensino de Filosofia da UFSC. Ser professor universitário e estar mais bem situado na escala social não evitou que o professor negro fosse gratuitamente agredido, numa clara demonstração de violência e ódio racial, algo que alguns dizem não existir no Brasil. Preocupado com a situação do professor, encaminhei em  07/02/2012, correspondência à Seção Sindical do ANDES-SN na UFSC e à APUFSC Sindical (diretoria e imprensa), sobre as possibilidades de apoio jurídico ao professor. O prof. Paulo Rizzo, presidente da Seção Sindical do ANDES-SN, me respondeu esclarecendo as possibilidades de apoio, que dependeriam de contato do professor agredido. No mesmo dia, mandei e-mail à diretoria e imprensa da APUFSC Sindical, mas soube, em 01/03/2012, que o e-mail da diretoria constante no site não está mais ativo e mandei novamente a solicitação no mesmo dia e aguardo posição.

O racismo tem a parte violenta e ativa e a parte passiva de conivência. Parafraseando Luther King, o que incomoda não é o grito dos maus, mas o silêncio dos bons.

Uma comissão liderada pela Dra. Rosangela de Souza, advogada do SINTAM-SJ (Sindicato dos Trabalhadores do Município de São José, do qual Evandro é da diretoria), e constituída por membros da Copir de Florianópolis e São José, além dos vereadores Adriano de Brito (São José) e Márcio de Souza (Florianópolis) foi montada para acompanhar o inquérito policial. Seria desejável que tanto a Seção Sindical do ANDES-SN na UFSC quanto a APUFSC Sindical integrassem essa comissão.