A Teoria da História de Karl Marx

Estando perto do bicentenário do nascimento de Karl Marx, nada mais apropriado do que revisitar sua ideia mais importante, a Teoria da História, ou o Materialismo Histórico, ideia considerada tão importante aqui entre nós que até foi adotada como marco filosófico do currículo da Escola Pública Estadual de Santa Catarina! Valho-me para isto do livro de G. A. Cohen, “A teoria da história de Karl Marx: Uma defesa“, Ed Unicamp, livro este que conferiu a seu autor o reconhecimento de principal filósofo marxista do mundo anglófono e de fundador do marxismo analítico, que rejeita a afirmação de que o marxismo possui seus próprios métodos intelectuais eficazes, a dialética. Diz que “não existe uma forma dialética de raciocínio que possa desafiar o raciocínio analítico“. “A crença na dialética como uma rival à análise somente se desenvolve em uma atmosfera cujo constructo é ambíguo“.

Em seu livro Cohen escolheu para sua argumentação a concepção tradicional do materialismo histórico, segundo a qual “a história é, fundamentalmente, o pleno desenvolvimento da capacidade produtiva humana, e as formas de sociedade surgem e desaparecem na medida em que possibilitam ou impedem esse desenvolvimento. E uma formação social jamais perece antes que se desenvolvam todas as forças produtivas que ela contémd+ e relações de produção novas e superiores nunca aparecem antes que as condições materiais de sua existência tenham amadurecido no seio da própria sociedade“. Marx não formalizou esta ideia como uma teoria e nem comprovou sua validade. Então é apenas a leitura da História por Karl Marx.

Entende-se por esta teoria que os sistemas econômicos, que obviamente não são eternos, após chegarem aos limites de suas dinâmicas entram naturalmente em estagnação ou até colapso, dando margem à implantação ou desenvolvimento de novas relações de produção ou novos sistemas econômicos (que definem nova formação social). Assim, se a humanidade não acabar antes, é possível que um dia o atual sistema econômico, o capitalismo, seja substituído por outro. Karl Marx acreditava, tal como a maioria de seus atuais adeptos presos ao passado ainda acredita, que então será a vez do socialismo/comunismo.

O surpreendente é que nada nesta teoria de Marx prognostica o socialismo como sucessor do capitalismo.  Há exigências sérias a serem preenchidas. O socialismo continua ancorado e estagnado nas mesmas bases de 1840, e seus seguidores, quais adeptos fanáticos de crença religiosa, continuam repetindo a mesma cantilena secular como se dogma de fé fosse. Estas ideias já não eram fortes o suficiente naquela época, sendo, portanto, infantilidade atribuir-se-lhes esta qualidade agora frente a um capitalismo que se desenvolveu e globalizou. Olhem que segundo o guru Marx, o novo sistema econômico com “novas e superiores relações de produção” só aparecerá quando “as condições materiais de sua existência tenham amadurecido no seio da própria sociedade” (por suposto, na sociedade capitalista). Não é, portanto, uma mera insatisfação com o regime de economia de mercado que autoriza prognosticar seu desaparecimento e agir em prol disso.

 Que a ideia socialista, tal qual hoje propalada, não terá sucesso, isto só certa casta intelectual não enxerga. A crueza da realidade mundial passa ao largo de utopias inaplicáveis. A humanidade não cabe em ideias estreitas. Nos modelos socialistas até agora apresentados cabiam apenas seus adeptos, que não hesitaram em recorrer aos mais nefandos e cruentos métodos para eliminar os adversários de suas ideias. A lógica foi a mesma que a do nazismo. O resto é repetir a história, o que segundo Marx não passa de farsa, atrasará a história e redundará em ruinas. No dizer de Roemer, talvez o maior desafio do marxismo hoje seja construir uma teoria moderna do socialismo e que seja viável.

O socialista Cohen, reafirmando Marx, diz que “nenhuma revolução socialista triunfará até que a produção capitalista já tenha elevado a produtividade do trabalho ao seu nível mais alto. As prematuras tentativas de revoluções, sejam quais forem seus resultados imediatos, resultarão em restauração da sociedade capitalista. Sem a premissa de uma produtividade massiva satisfeita, a “escassez” simplesmente “se generalizaria”. A classe dominante poderia ser reprimida, mas em decorrência da indigência a população trabalhadora não poderia estabelecer uma sociedade socialista e seguir-se-ia uma luta pelo indispensável“.

Cohen dedica também merecido espaço para a experiência socialista russa. A Rússia de 1917, a muito favor tinha um capitalismo principiante, portanto não preparada para o socialismo. Os comunistas russos, conhecedores da teoria de Marx, pediram a opinião dele sobre como agir. Marx, após estudos, respondeu que se “a revolução russa se convertesse no signo de uma revolução proletária no ocidente …” então ela era justificável. Assim, o golpe de estado de Lenin que derrubou a Duma (congresso russo), foi influenciado pelo parecer faccioso de Marx, contrariando a sua própria teoria! Na verdade Marx pôs acima dela outra, a de que os fins justificam os meios. Relembro o resultado da tragédia. Levou apenas 70 anos para o comunismo russo cair e para recomeçar, na expressão de Engels, “todo o velho negócio imundo“. Se assim qualificam o capitalismo, o que dizer do socialismo que praticaram e que não passou de farsa? Cohen acolhe o fracasso do “socialismo soviético” como um dado a favor do materialismo histórico, pois seu sucesso derrubaria esta teoria.

Sobre a arbitrariedade e desumanidade dos regimes comunistas sugiro livros como “Campo 14”, “Fidel e Raul, Meus Irmãos” e “Stalin a Corte do Czar Vermelho”. A realidade que emanou destas experiências é o avesso da pregação que lhes deu origem. Stalin, além de sua datcha, tinha casas de veraneio e fazia suas caçadas! Fidel tem seu iate, com o qual vai à sua ilha particular, toda equipada, para fazer caça submarina!  Que diferença entre este iate e as balsas que alguns do povo cubano insistem em usar para dar uma espiada no “inferno ianque”!

À distância estes regimes totalitários até imprimiam certa miragem! À respeito Böhm-BawerK assim se manifestou: “A razão de tanto absurdo ter conquistado tanta gente está no fato de acreditarmos com muita facilidade naquilo em que desejamos acreditar“. Que as massas ajam emocionalmente e demorem em fazer reflexão crítica é até aceitável, porém intelectuais procederem desta forma caracteriza desonestidade intelectual. Camus mudou frente aos horrores produzidos pelos regimes comunistas e Sartre, ao contrário, mostrou-se complacente e portanto cúmplice. Porque Camus foi apagado e Sartre ressaltado? À respeito Cohen lamenta que “o positivismo lógico, com sua insistência na precisão do compromisso intelectual, nunca tenha se difundido em Paris“.

Toda a historia das revoluções comunistas que se fizeram pelo mundo, do golpe na Rússia e satélites à China e periferia de Mao, de Cuba e suas expansões à Venezuela e seus afilhados, da intentona comunista de 1935 no Brasil às tentativas comunistas pré e pós 1964 no Brasil, matando algo em torno de 100 milhões de pessoas, foi uma afronta à teoria do materialismo histórico! A ideia socialista é anterior a Marx e por isto é óbvio que se ela fosse superior ao capitalismo este nem teria vingado na origem. No mais, boas ideias não necessitam de revolução e coerção para adoção.

Na avaliação de Cohen a eventual implementação de qualquer socialismo terá de enfrentar os mesmos problemas que o capitalismo, pois “o processo do trabalho é qualitativamente repulsivo e quantitativamente extenso. Proporciona poucas recompensas intrínsecas e ninguém participa se não for por motivos outros”. E continua: “existem duas características humanas gerais que são responsáveis pelo fato de que o controle da civilização somente possa ser mantido através de um grau de coerção, quais sejam: o homem não é espontaneamente afeito ao trabalho e os argumentos são ineficazes diante de suas paixões“. Quando o trabalho é repulsivo, os homens devem ser obrigados a realizá-lo. Além disso, “os homens se constituem de tal modo que não aceitam de bom grado um contínuo e doloroso adiamento da sua recompensa, mesmo que seja de seu interesse geral fazer isso”. As pessoas buscam primeiro para si um significado e só depois visam o dinheiro e realizações materiais.

Da análise que realizei não vejo como inferir o socialismo como um sucessor do capitalismo. Não há lógica que visualize esta gênese. O próximo regime econômico e social virá por uma necessidade e não por uma imposição. As virtudes atribuídas ao socialismo são superadas pelo capitalismo consciente, podendo este produzir resultados muito superiores. Também os principais males atribuídos ao capitalismo – a injustiça, a hostilidade ao desenvolvimento das capacidades individuais e sua devastação voraz, tanto da natureza como do ambiente construído pelo homem – não têm antídoto garantido no materialismo histórico. O socialismo real, em poucos anos deu conta para confirmar isto. Até a execrada globalização é uma condição necessária para prosperidade de qualquer regime econômico. Ou então, por que fundaram a Internacional Comunista?

Marx e Engels foram coerentes quando se refugiaram em Londres, coração do capitalismo da época, primeiro para viver como capitalistas e usufruir suas benesses. O cidadão Marx não se encaixa em suas próprias pregações. Tinha hábitos verdadeiramente aristocráticos, era racista, educou suas filhas legítimas como nobres e admitiu que não conseguia imaginar-se numa sociedade verdadeiramente igualitária e se consolava que “quando esse dia chegar deveremos estar longe“. O único fato que enquadra Marx como socialista/comunista é ter vivido quase a vida inteira às custas de Engels, um capitalista.

Marx e Engels fizeram suas teorias para os outros. Eles próprios não tiveram o pudor de respeitá-las. Contrariando o materialismo histórico Marx induziu a revolução russa e Engels chegou a pegar em armas para impor suas teorias à “quadrilha de patifes democráticos” de Baden e Palatinado. Se este é o exemplo dos mestres o que não farão seus discípulos? Lembrando que capitalismo sufocado não é sinônimo de capitalismo morto vem a pergunta insistente: Porque combatem  o capitalismo se é necessário que ele atinja seu auge antes de desaparecer?

Para encerrar, Cohen diz que não conseguiu provar que a teoria da história é ou não verdadeira, mas acredita que ela seja verdadeira. Então, honestamente, o que a Secretaria Estadual da Educação de Santa Catarina visa com a escolha do Materialismo Histórico como marco filosófico de todos os currículos de sua escola?  Esta escolha implica na reescrita da História sob o ponto de vista marxista e a submissão de todo o conhecimento curricular ao materialismo histórico (que nem se sabe se é verdadeiro). Ora caro leitor, como o socialismo real foi um fracasso, que história de ficção estão apresentando aos alunos? Exaltadas devem ser as virtudes do regime econômico mais apto para nossa realidade, o capitalismo. Ou se prepara os jovens para esta realidade ou os empurramos para a frustração. Cohen e outros tiveram honestidade intelectual, deixaram a utopia e se aliaram ao mundo real. Professor, não deixe que teus sonhos prejudiquem teus alunos.

E o momento atual do Brasil? Tem tudo a haver com o tema. No governo federal estão no poder os mesmos que na década de 1960 lutaram para implantar o comunismo no Brasil. Infelizmente não aprenderam o suficiente para governar um país na vigência do capitalismo.  O desastre está aí: Petrobrás em ruinas, sistema elétrico falido, sistemas de abastecimento de água dos maiores centros urbanos do país requerendo racionamento, sistema de saúde em pandarecos, gente se mandando do Brasil sem data de retorno, sem falar do ensino e da segurança. Administrar uma economia de mercado com visão socialista redunda em fracasso, na melhor hipótese em mediocridade. No governo estadual de SC, adotaram oficialmente o marxismo no ensino, precisa mais? A nível municipal impuseram IPTU social que sinaliza o mesmo pensamento e gerará o mesmo resultado. Tudo ao arrepio do povo! Povo?

*Renato A. Rabuske

Professor aposentado da UFSC