A pulverização dos nossos salários

Recentemente o PROIFES, cumprindo o papel para o qual foi criado, assinou “acordo” salarial válido para os docentes federais. No principal firmou que teremos 10,8% de aumento nos próximos dois anos: 5,5% em agosto de 2016, e 5% em janeiro de 2017. Novas reposições salariais virão apenas em 2018, e serão “negociadas” somente daqui a dois anos.

 

Em novembro o patamar de inflação mensal entrou na casa do 1% (IPCA), e a taxa anual voltou aos dois dígitos, e tende a crescer.

 

A previsibilidade da inflação em 2016 é bastante controversa, mas todas suas expectativas se deterioram. Em economia expectativas são quase tudo, e elas são, para o futuro próximo, cada vez mais negativas. A possibilidade da inflação replicar os prováveis 12% de 2015 é até otimista pois o forte embate político está a contaminar o ambiente econômico. Para uns, caso a Dilma não caia, o panorama poderá ser ainda mais desalentador. Todavia, outros avaliam que o país naufragará exatamente se ela sair. Ou seja, podemos escolher entre o fim horroroso e o horror sem fim…

 

Portanto, 10,8% até janeiro de 2017 ficará longe de repor a inflação no período, que poderá acumular no mínimo 30%.

 

Ora, após o reajuste de janeiro de 2017, próximos aumentos apenas em 2018. Num “acordo” de temporalidade estendida, como este, há que considerar também a inflação prevista até o próximo reajuste, o qual se dará em 01/18 se houver boa vontade governamental, pois poderá vir no meio daquele ano.

 

Assim, considerando a deterioração a ocorrer ao longo de 2017, deveremos chegar a janeiro de 2018 com uma perda brutal de pelo menos 1/3 do salário de março de 2015, mesmo com os dois reajustes já previstos. A situação poderá ser muito mais catastrófica e insustentável. Tudo indica que nosso salário ficará pulverizado.

 

Sabedor deste amargo prejuízo, e visando adocicá-lo, este “acordo” também acenou para uma “reestruturação” da nossa carreira, a ser feita em três etapas que serão implementadas em agosto de 2017, 2018 e 2019, respectivamente[1]. Apesar desta larga temporalidade, o MPOG deu um exíguo prazo de apenas uma semana para as entidades sindicais se posicionarem a respeito desta alteração da carreira. Ainda que a pressa não se justificasse aqui, o PROIFES, como um bom e fiel cão, rapidamente assinou…

 

Sem dúvida que os alardeados ajustes fiscais em contexto de crise perfazem um enquadramento bastante constringente, tornando difícil para uma categoria de servidores recuperar perdas passadas e empatar com inflação. Todavia, se na atual conjuntura não dá para pensar em ganhos reais, ela também não justifica que amarremos os salários para além de um prazo anual. No momento presente, prazos maiores são defensáveis apenas do ponto de vista dos gestores do Estado, nunca dos trabalhadores.

 

O ponto infeliz deste “acordo” salarial é nos engessar até 2018. Face o quadro de deterioração nacional, não é razoável se comprometer com reajustes bianuais, ainda mais com índices que já se revelam baixos.

 

Apenas neste cenário reside o bom senso. Todavia, a falta de entidades sindicais nacionais verdadeiramente representativas impede ele se apresentar nas negociações. A questão é que os docentes federais hoje não têm federações nacionais fortes e legitimadas pela categoria.

 

A falta delas faz com que não haja nenhuma negociação com o Governo. Por isto, mais uma vez não houve acordo ou negociação alguma: era pegar ou pegar. Face o sombrio horizonte dos próximos anos, é no mínimo uma tremenda irresponsabilidade tal compromisso.

 

 

*Armando Lisboa

Professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais