Reforma ou Golpe: a quem interessa abolir o quórum mínimo da Assembleia Geral?

As propostas de mudanças em curso no Estatuto da APUFSC ¹ tem o potencial de desfigurar nosso sindicato criando um precedente perigoso que pode reproduzir na APUFSC a triste realidade de outros sindicatos onde uma minoria usa as Assembléias Gerais para monopolizar o sindicato sob a falsa premissa de que tem legitimidade para isso. De fato, há dois itens na nova proposta estatuária que evidenciam esse perigo que são,

 

1. A supressão do quórum de 5% da Assembléia Geral Ordinária

 

2. A pouca clareza do formato a ser seguido na  Assembléia Geral Extraordinária  que trata de mudanças no estatuto da APUFSC.

 

Na dinâmica sindical, a Assembléia Geral (AG) é concebida para ser o “espaço” das deliberações coletivas e comporta dois tipos, diferindo tanto pelo seu formato quanto pela sua finalidade, que são: a Assembléia Geral Ordinária (AGO) e a Assembléia Geral Extraordinária (AGE).

 

Quanto a sua finalidade, a AGO trata de questões corriqueiras e de menor importância no sindicato, enquanto que a AGE trata de questões de maior importância e repercussão, entre elas,

1. Destituir  membros eleitos da Diretoria, do Conselho de Representantes ou do Conselho Fiscald+

2. Alterar o Estatuto, no todo ou em parted+

3. Deliberar  por greve.

 

Quanto ao formato, o estatuto atual prevê um quórum de 5% de associados para a instalação de uma AGO, e este quórum  deve ser observado durante toda AGO². Já a AGE transcorre em dois dias. No primeiro dia, a AGE se dá sob a forma de uma AGO não-deliberativa destinada apenas a discussões que requer ao menos 5% de associados para ser instalada, como toda AGO. No segundo dia, a AGE é destinada à deliberação com votação em urna com pelo menos 25% de associados.

Dependendo do assunto tratado na AGE, a votação em urna, além de incluir pelo menos 25% dos associados, pode também

– ser aberta a não associados  em deliberações de greve³,
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– requer a aprovação de pelo menos 2/3 dos presentes (na verdade, dos votantes) na votação de destituição ou mudança em artigos do regimento.

A proposta do novo estatuto modifica isso, retirando o quórum mínimo de 5% da AGO, e não deixando claro qual o formato a ser seguido na AGE de mudança do Estatuto.

De fato, na nova redação do Estatuto lemos que a AGE destinada a deliberar pela mudança de artigos do Estatuto deve ser convocada exclusivamente com este fim (isto também é previsto no texto do estatuto em vigor e vale para qualquer AGE), mas, diferente do texto atual, o novo texto do Estatuto suprime a necessidade de que a questão proposta pela AGE seja aprovada por pelo menos 2/3 dos presentes. Lançando mais dúvidas, seguindo este artigo do Estatuto, o novo texto realça dois parágrafos, dando a entender que serão suprimidos,  onde é mencionado a obrigatoriedade de quórum  de ao menos 25% para mudar o regimento. A confusão surge porque no novo texto do Estatuto, no seu Artigo 19, lemos que  a obrigatoriedade de quórum de 25% e com aprovação de ao menos 2/3 dos associados se aplica apenas para deliberações de Greve ou de destituição de membros da diretoria ou do CR. Não está dito que o mesmo se aplica a AGE de mudança do Estatuto.

 

É aqui que reside o problema do novo texto do Estatuto, pois, ao que parece, na nova proposta, a AGE de mudança do Estatuto não se submete necessariamente a um quórum mínimo de 25% de associados e tampouco deve contabilizar 2/3 dos presentes (= votantes) para validar a questão votada. Embora possa ter passado despercebido pela comissão que fez a mudança, o fato é que aceitar que AGE de mudança do Estatuto não siga o quorum mínimo de 25% e não obrigue a aprovação de 2/3 dos presentes permite que tudo mais seja mudado no Estatuto sem a devida legitimidade.

 

Ora, de que adianta um Artigo 19 que prevê 25% de quórum em deliberações de greve com a aprovação de 2/3 dos presentes para destituição de membros da Diretoria ou do CR se é possível, posteriormente, retirar esta obrigatoriedade do próprio Estatuto convocando uma AGE de mudança de Estatuto que não se submete nem ao quórum mínimo de 25%  nem à aprovaçao de 2/3 dos presentes? Estamos diante de algo que se não for dada a devida atenção pode se tornar uma armadilha contra o próprio sindicato e, portanto, deve ser prontamente rejeitada.

Minha sugestão, por ora, é que o Artigo 19 do novo texto inclua a AGE de mudança de Estatuto como devendo obedecer a um quórum mínimo de 25% e que conte com pelo menos 2/3 dos associados aprovando a mudança.

 

Em relação à supressão do quórum de 5% nas AGOs, devemos nos perguntar no que isso resolve o problema da falta de interesse dos associados em participarem da AG? Agora, certamente que a supressão do quórum de 5% em AGO permitirá algumas anomalias indesejáveis. Por exemplo, é fato que as AGEs podem ser convocadas (entre outros) por decisões de uma AGO. Assim, abolir o quórum mínimo em AGO pode levar a uma banalização das AGEs, que poderiam ser convocadas com um número qualquer de associados reunidos em uma AGO e que, de repente, e sempre entre “amigos” militantes, decidem convocar uma AGE.  Assim, o rigor e a seriedade  da AGE deixa de existir, pois a própria AGO não deliberativa do primeiro dia da AGE poderia ser instalada sem um quórum mínimo de 5% como ocorre hoje, algo que serve de condição necessária para a deliberação em urna da AGE do segundo dia e que desestimula a manipulação.

Há um fato sobre a AGO que deve ser devidamente compreendido sob pena de vivermos sempre a sombra de uma mistificação que já caducou faz tempo. Como falei acima e está implícito no nome, a AGO trata de questões ordinárias do sindicato, isto é, de coisas que podem até ser relevantes para alguns, mas de modo algum dizem respeito as aspirações e desejos da categoria como um todo, e é por isso que decisões importantes se destinam a AGE. Ora, as inúmeras AGO”s convocadas, mas não instaladas por não terem atingido o quórum de 5%, efetivamente não deixaram de ocorrer como uma assembléia de associados, pois as pessoas que lá compareceram puderam discutir e expor suas idéias, independentemente do quórum. Assim, na prática, a AG nunca deixou de ocorrer, mesmo quando não atingiu o quórum de 5%. A questão que muitos alardeiam negativamente é que a exigência do quórum de 5% não permite deliberar, mas tal argumentação é equivocada, pois que tipo de deliberações podem ser tomadas em uma AGO além de assuntos de natureza ordinária, sem grande eco no universo dos  associados como um todo? Ora, a Diretoria tem um mandato e uma linha de ação, para isso ela é eleita, e, conduzindo a AGO, a diretoria fica ciente do desejo e do pensamento dos associados de modo que pode pautar suas ações pelo que percebe das AGOs. De modo algum é preciso que uma AGO delibere formalmente algum ponto, quer seja uma moção de apoio à uma certa causa, ou determine um posicionamento específico a ser seguido pelo sindicato nas suas ações junto ao governo ou outros sindicatos (a princípio, algo que deveria ser sempre em defesa dos associados e não de ideologias ou políticas partidárias), ou a escolha de uma comissão para um certo evento, etc.. Não! Tudo isso se mostra ineficaz e sem sentido, já que a Diretoria pode obter uma medida precisa disso através do que vê na AGO sem ser necessário que a AGO delibere formalmente por coisa algum. Ora, desejando ter mais subsídios para sentir como se posicionam os associados, além da AGO, a Diretoria pode usar consultas eletrônicas para sondar o que pensam os associados. E aqui, voltamos ao ponto inicial de que abolir o quorum  de 5%  em AGOs permite que ocorram deliberações em AGOs esvaziadas, e isso cria a aberração de um grupo inexpressivo reunido em AGO acabar se tornando a voz coletiva do sindicato como um todo. Esta situação perversa nós vemos nas muitas seções sindicais da ANDES, cujas AGO”s esvaziadas aprovam uma agenda ideológica nauseante e ofensiva que é fruto não de um consenso entre os associados, mas sim da obstinação de uma minoria de docentes que há muito tempo se comportam mais como militantes em prol de uma ideologia do que como acadêmicos.

Para fixar idéias em um caso concreto, se abolíssemos o quórum de 5% em uma AGO, então aqueles docentes que de forma inapropriada, ilegítima e desrespeitosa para com o sindicato organizaram ano passado um “comando unificado de greve” teriam logrado sucesso ao comparecerem numa AGO da APUFSC que discutia a convocação de uma AGE de greve. Basta então uma flexibilização equivocada do quórum em AG”s para que voltemos ao velho e perverso modelo assembleísta que forçou, lá em 2007, a desfiliação da APUFSC da ANDES. Desejamos isso para a APUFSC?

 

Notas:

1. O texto do novo Estatuto está disponível em http://apufsc.org.br/Files/Files/propostadealteraodoEstatutoparaCR(1).pdf

 

2. A nova proposta do Estatuto essencialmente elimina o quórum para instalação de uma AGO, pois impõe um quórum de 5% de associados apenas na primeira convocação da AGO, mas não impõe este quórum de 5% numa segunda convocação, algo que usualmente é feito após 30 minutos da primeira convocação. Vemos assim que na nova proposta as AGOs passam a ser instaladas sem exigência de quórum mínimo algum, o que dá espaço a decisões ilegítimas tomadas por uma minoria em AG.

 

3. Este ponto, embora não esteja explicitamente mencionado no Estatuto (pelo menos eu não encontrei), foi aplicado numa deliberação de greve.

Note também que numa deliberação de greve a decisão é referendada por maioria simples dos que votaram (associados e não associados), não necessitando que 2/3 dos votantes tenham se posicionado pela greve para que ela ocorra.

 


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática