O olhar de Barrabás nunca encontra o do Crucificado

Barrabás foi um revolucionário que lutava contra o domínio romano sobre os judeus. Como relatado nos Evangelhos sinóticos, o desfecho do julgamento de Nosso Senhor Jesus por Pilatos consagrou a libertação do revolucionário Barrabás (que as Escrituras descrevem como um assassino violento) em troca da sentença de morte aplicada à Nosso Senhor Jesus numa hábil movimentação dos chefes religiosos dos judeus que de forma grotesca insuflaram o povo para que Nosso Senhor Jesus fosse condenado.

Passados mais de dois mil anos, a situação deixa claro o perigo e as injustiças que advêm quando um discurso monolítico e hegemônico é adotado por grupos que falsamente se põe diante do povo como detentores da verdade e legítimos legisladores. O padrão se repete e a figura de Barrabás e dos sumos sacerdotes e doutores da lei do passado, que exerciam influência sobre o povo, tem hoje um similar nos ditos representantes da “vanguarda revolucionária”, nome que camufla a denominação mais elucidativa de “doutrinadores marxistas” que infestam escolas, universidades, setores da grande mídia bem como  da “cultura ”. Tal como Barrabás, essa vanguarda também é formada de revolucionários que há cerca de 50 anos atrás usaram em nosso país métodos violentos que incluíam o terrorismo e ainda hoje, em seu discurso, não hesitam em usar novamente o recurso da violência caso sejam contrariados. Tal como os sumos sacerdotes de dois mil anos atrás, essa vanguarda revolucionária também se põe diante do povo como detentores de uma pureza ideológica que mal consegue esconder uma hipocrisia e falsidade evidente. Os dois aspectos – barrabasiano e sacerdotal – estão implícitos no texto do Sr. Medeiros, “Crucificado”, quando ele apresenta uma narrativa que pretende ter uma componente histórica crível, ao mesmo tempo imersa num tom romanceado. 

Escritores devem ter o devido cuidado ao entrar por estas sendas, afim de não cometerem deslizes históricos que revelam uma mensagem subliminar que não pode passar despercebida. Assim é que Emanuel Medeiros em seu texto “Crucificado” faz uma narrativa romanceada da tortura que alguém teria sido submetido 48 anos atrás (não fica claro, dado ao caráter romanceado da narrativa, se ele está falando de si mesmo, ou de algum companheiro, ou mesmo de um personagem fictício), algo que teria ocorrido em 1970, o auge da chamada luta armada, período histórico pós-1964 onde grupos de esquerda optaram pela ação violenta, em particular o terrorismo, para levar a cabo o projeto de implantar o comunismo no Brasil. A tortura em si é tão hedionda quanto o terrorismo, assim, é incompreensível que logo no início de seu texto o Sr. Medeiros tenha escrito o trecho que eu transcrevo abaixo:

“Em memória de Luiz Travassos (com quem tentamos e outros éticos companheiros),  refundar –ou deixar as sementes– de uma nova “esquerda”: democrática e humanista (já na década de 60)”.

A razão é simples. Por acaso havia alguma esquerda democrática e humanista nos anos 60? Se havia, certamente não seria representada por alguém como Luiz Travassos. Eis a razão. No livro “Orvil: Tentativas de Tomada de Poder” vemos nas pag. 333 que Luís Travassos era ligado ao grupo Ação Popular. Mas, quais os objetivos desse grupo? A resposta encontramos no livro “Imagens da Revolução” uma coletânea dos documentos dos vários grupos da luta armada. Iniciando na pg. 49, lemos que a Ação Popular nasceu da militância de pessoas da JUC (Juventude Universitária Católica) e que em 1963 (portanto, antes mesmo da contra-revolução de 1964) já optara pelo socialismo e a luta armada, ou seja, Luiz Travassos, companheiro do Sr. Medeiros, não pode ser tomado como representante de nenhuma nova esquerda dita democrática, visto que não houve nenhuma dessas experiências  de implementação do socialismo que tenha resultado numa democracia, e o que vemos em todas essas experiências foi, e ainda é, um reinado de terror, violência, opressão e milhões de mortes. Tampouco é digno de louvor os métodos violentos usados pelo grupo Ação Popular  e os demais grupos de esquerda que explodiram bombas, cometeram assassinatos, seqüestros e toda sorte de violência em nome da causa comunista.

No fim de seu texto, como todo bom romance, o autor faz um questionamento

“O Crucificado? Eu não sei Ele ainda está lá, se existe aquela sala, se aquilo tudo foi demolido, se as pessoas que estavam comigo na cela já morreram, como os torturadores– para que serve  aquela construção agora?”

e conclui,

“O Crucificado? Perdi-o de vista. Talvez esteja numa igreja velha.”

 

Fico imaginando o que Barrabás responderia a esses questionamentos se tivesse estado frente a frente com Ele? Teria Barrabás  reconhecido a verdadeira pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo sem reconhecer que os métodos violentos que ele, Barrabás, utilizava eram tão equivocados como o dos romanos contra quem ele lutava? Dificilmente. Mas, o que me parece mais desconcertante na conclusão do texto do Sr. Medeiros  é a insistência do personagem em olhar o crucificado, quando na verdade é o crucificado que desce o olhar por todos que precisam dele, quer sejam torturadores, torturados, terroristas, …., enfim, todos pecadores, com a única condição que tenham sinceridade e busquem a verdade.  Não parece ser o caso quando se menciona “esquerda democrática” para aqueles que no passado e ainda hoje hipocritamente não rejeitam a opção violenta para implantar sua ideologia, seja esta qual for. Estes, com certeza, jamais verão o crucificado.


Marcelo Carvalho

Professor do Departamento de Matemática