UFSC: uma universidade a ser aperfeiçoada ou destruída?

Cada eleição para reitoria é, ou deveria ser, um momento de reflexão sobre a UFSC. Mas, os candidatos, por vezes, aproveitando-se do desejo de mudança, colocam estas mudanças muito além do que é possível em uma instituição que tem práticas e rotinas consolidadas e que está inserida em uma rede ampla e intricadas de relações sociais e institucionais que, ao mesmo tempo, permitem e condicionam aquelas mudanças. Ao ocultar – ou ignorar – isso, os candidatos podem criar a ilusão de que a UFSC é uma entidade isolada, que pode ser movimentada em qualquer direção desejada pela reitoria –ou pelos grupos que a controlam – e chegar ao ponto de desorganizá-la seriamente. No outro extremo estaria um candidato que ao superestimar essa rede e sua força conservadora, argumenta que não é possível nenhuma mudança, deixando, portanto, de acompanhar os avanços já conhecidos nos campos administrativo, pedagógico e científico e muito menos ousando implementar algo novo.

Entre estes extremos há um quase continuum de possibilidades de mudança. O problema é encontrar o ponto ótimo, que aproveite as oportunidades oferecidas pela rede onde a universidade está inserida. Como este ponto nunca poderá ser determinado objetivamente, se quisessem ser honestos, os candidatos deveriam apresentar os fundamentos lógicos e empíricos de suas propostas, para que os leitores as avaliassem racionalmente, o que não é comum nos processos eleitorais – mesmo na universidade, pois os candidatos em geral apelam para as dimensões emocionais e ideológicas dos eleitores. Um marco racional para os eleitores e de uma proposta de gestão seria apresentar a concepção do que se seja uma universidade.

A universidade é uma instituição que tem por finalidade produzir e transmitir o conhecimento científico, artístico e cultural. Ao realizar com a mais alta qualidade esta finalidade, ela estará dando sua contribuição específica para a elevação do padrão de vida da população. E deve fazer isso com ampla liberdade de pensamento, como vem acontecendo, mas sempre preservando e aprimorando os procedimentos científicos. Nesta perspectiva, a atuação dos professores e alunos deve ser produzir conhecimento científico sobre todas as dimensões da sociedade e os oferecer aos diferentes atores sociais que os demandem: trabalhadores, movimentos sociais, governantes, empresários, etc. Note-se que essa contribuição da universidade é ainda mais importante em um país como o nosso, onde a educação científica é relativamente recente (nossas primeiras universidades são da metade do século XX) e restrita a um segmento muito reduzido da população. A baixa difusão social da educação científica é resultado do longo período colonial e da característica do desenvolvimento industrial brasileiro do início do século XX. As empresas aqui instaladas não tinham necessidade do conhecimento científico. As nacionais copiavam o que se fazia lá fora ou se contentavam com conhecimento tradicional, enquanto as estrangeiras traziam o que era produzido em seus países de origem. Em suma, por esta falta de demanda social, nossas universidades – principalmente na área de humanas – se desenvolveram sem conexão com problemas reais do mundo produtivo, político e social.

Tanto por essa desconexão quanto pela incapacidade do capitalismo de sanar as carências da população, parte dos universitários nos cursos de humanas e sociais se tornaram críticos incansáveis da sociedade, muitas vezes mostrando-se mais preocupados em fazer críticas gerais e atuar para transcender essa forma de sociedade, do que em produzir conhecimento científico, empiricamente fundamentado, sobre a situação política, econômica e social. Este comportamento político se acentuou durante o período ditatorial mais recente (1964-85) e deu origem a uma visão da universidade como foco de resistência ao autoritarismo e luta anticapitalista. Quem partilha desta visão quando fala da missão da Universidade frequentemente sequer menciona as palavras pesquisa e ciência. Basta falar de lutas, de emancipação, de democracia:

“democracia interna, que seja transparente, que batalhe pelo direito à permanência dos estudantes, que seja capaz de atuar em sintonia com as lutas das categorias e que se coloque radicalmente contra as propostas governistas que se rendem aos desejos do Banco Mundial e dos interesses dos empresários da educação.” 1 (Grifos nossos)

A pergunta que se coloca é: pode uma universidade dizer como a sociedade deve ser, ou é o contrário, a sociedade é que deve dizer qual universidade ela precisa? Se a universidade vai dizer como a sociedade deve ser, como ela chegou a esta conclusão? Terá sido através da pesquisa científica, que é sua finalidade primeira? Parece-nos que não, pois a ciência não é capaz de dizer como a sociedade deve ser. Isso deve ser decidido na arena política, pelas diferentes forças políticas através do debate e do convencimento mútuo, por meio de argumentos que não precisam ser científicos e que derivam das preferências pessoais e coletivas sobre o que é uma boa sociedade. Se a universidade, enquanto instituição, se envolver nesta polêmica, fatalmente se desviará de suas atribuições e deixará de oferecer à sociedade o conhecimento científico. Obviamente, não se está dizendo que os universitários enquanto indivíduos não podem participar da vida política, mas ao fazerem, não agem enquanto cientistas, mas enquanto cidadãos, enquanto agentes políticos. Aliás, quando o debate sobre a universidade é feito a partir da perspectiva política, não é necessário sequer mencionar a pesquisa, a ciência e o conhecimento. O que se tem em mente é:

“Uma universidade que não teme a participação direta dos seus estudantes e trabalhadores. Uma universidade que se fortalece na luta contra a destruição da educação. Uma universidade que não é só para formar quadros, mas para constituir pessoas capazes do pensamento crítico, gente disposta a mudar o estado de coisas. Uma universidade necessária para esses tempos e para esse país. Uma universidade que ainda não nasceu, mas que pode vingar, com a participação de todos.” 2

Note-se que todos os trechos citados não fazem qualquer referência à produção da ciência, à educação científica, à contribuição que a UFSC poder dar à sociedade através da produção e transmissão do conhecimento científico e das manifestações artístico-culturais. E por que não o fazem?  Provavelmente porque a evocada universidade necessária requer a destruição da UFSC real e não o aperfeiçoamento de suas práticas científica, pedagógicas e administrativas. Ora, como é possível que alguém pretenda ser escolhido reitor para DESTRUIR a Universidade?


Pedro A. Vieirad+

Carlos A. Marquesd+

Helton R. Ouriquesd+

*Professores da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)

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1 e 2 – disponível em

http://desacato.info/a-tragedia-da-ufsc-e-as-candidaturas-para-a-reitoria/d+ acesso: 26/2/18.