Que povo é este?

Nos últimos tempos, tem vindo à minha cabeça a frase “Que país é este?”, que significava que se duvidava da palavra do ilustre general-presidente Figueiredo. Esta pergunta pode ser respondida dizendo que é uma terra maravilhosa, com muito espaço, clima ótimo, em que “em se plantando tudo dá”.

No entanto, os mais velhos vão se lembrar da piada de que Deus, ao criar o Brasil com muita terra, sem neve e nem furacões, disse: “Mas veja o povinho que vou pôr ali”. Realmente, nosso povo tem deixado muito a desejar.

Desde a origem, fomos colonizados por pessoas gananciosas, às vezes ricas em dinheiro, mas em geral pobres em moral, que matavam e roubavam os habitantes locais e qualquer um que pudesse ser explorado. Com vontade de enriquecer sem trabalhar, tentaram escravizar os índios, não deu muito certo, passaram então a trazer milhões de negros da África que, se sobrevivessem à terrível viagem, eram explorados até a morte, sem direito a nada. Uma sociedade baseada na escravidão, que durou 350 anos, só poderia, assim como o cachimbo entorta a boca, ficar degenerada, mantendo o hábito de tratar a ralé (como diz Jessé Souza) no chicote.

O hábito de enriquecer com o suor (dos outros) tem se mantido e é muito difícil de erradicar. Essas pessoas, que não se incomodam de saber que a maioria do povo brasileiro vive na miséria, atribuem seu sucesso ao próprio esforço e mérito, esquecendo-se que é praticamente impossível sair da favela e enriquecer, a não ser por meios ilegais. Têm eleito governantes que defendem seus interesses, e ficam furiosos com qualquer apoio aos pobres, chamando de “populismo”, “incentivo à vagabundagem e mediocridade” e “falta de responsabilidade fiscal”.

Em 2002, após várias tentativas de se eleger frustradas pelo esforço das elites endinheiradas e seus apoiadores ignorantes e teimosos da classe média, Lula conseguiu virar presidente. Infelizmente, teve que se associar a muitos políticos que não prestam e desenvolver em seu primeiro mandato políticas que ajudavam quem já estava bem de vida. Isto me fez ficar por longo tempo chateado com ele, mas ao comentar que ele era igual aos outros, num jantar de encerramento de um congresso, fui fortemente contestado por vários colegas: “Você anda afastado do interior e não está vendo as pessoas antes miseráveis agora empurrando carrinhos de supermercado cheios e com energia elétrica em casa”. A faxineira pernambucana do prédio de minha filha nos disse: “Antes eu nem entrava no supermercado, agora estou na fila da carne com as madames”.

Comecei a prestar mais atenção na proliferação de institutos de educação e universidades federais e a melhora nas condições de vida da maioria da população (incluindo os ricos), percebendo que as coisas estavam realmente melhorando no país.

No entanto, como para muitos é menos importante ter do que impedir que todos tenham, foi crescendo a revolta. Devidamente incentivados pelos espertalhões que realmente estavam incomodados com o “desperdício” de dinheiro com bolsa-família, energia para todos, “aeroportos parecendo rodoviárias”, além de política externa independente dos “de olhos azuis”, exploração do pré-sal com direitos para a Petrobras, milhões de pessoas ingênuas (e por que não, ignorantes) foram às ruas para protestar contra a corrupção (só a do PT). Aproveitavam para se queixar da falta de saúde pública, de segurança e de ensino de qualidade, como se algo disto tivesse piorado, e não que tivesse sido sempre péssimo.

É muito curioso que antes as esquerdas atribuíam seu fracasso nas eleições à ignorância e à pobreza das populações. Nos últimos anos, isto mudou, pois os esfomeados que ganharam com os governos petistas tornaram-se fiéis eleitores deles. Lembro de ver o William Bonner dizer, na apuração dos votos, em 2014, que “estão chegando os votos dos rincões, o que deve aumentar os votos para a Dilma”. Atualmente, vejo diplomados execrando a corrupção do PT, que não posso jurar que não tenha existido, mas jamais exigem a punição dos muitos corruptos de outros partidos. Quando se diz não ver provas para condenar Lula, se é “acusado” de ser petista, mas quando se fala de corrupção de outros, se diz que “o dia deles precisa chegar, mas ainda nada se provou”, e se muda de assunto.

Tenho visto na internet comparações de Lula com Dreyfus, que foi condenado injustamente devido ao antissemitismo e conservadorismo, e me lembro de Mandela, que sofreu décadas na cadeia devido ao racismo, mas finalmente se tornou presidente. Não se poderia considerar que Lula está sendo punido devido ao “antipobrismo”, que considera que cada um tem seu lugar no mundo, e “ao vencedor as batatas”, pois não haveria batatas para todos?

Concluindo, o absurdo caso Dreyfus serviu para ressaltar e acentuar a desunião dos franceses, dificultando a organização do país para a guerra contra a Alemanha unida, e os muitos anos de racismo na África do Sul criaram um país atrasado e injusto. O que esta fúria absurda no Brasil criará? Todo reino dividido contra si mesmo é devastadod+ e toda cidade ou casa, dividida contra si mesma não subsistirá” (Mateus, 12:25, citado por Lincoln num famoso discurso em 1858).

 


Carlos Brisola Marcondes

Professor do Departamento de  Microbiologia,  Imunologia e  Parasitologia (MIP)