O aborto é um assassinato, não é um direito absoluto das mulheres

O aborto é uma prática condenável a luz de  um princípio bastante simples de se entender. Na sua essência, o aborto contrapõe dois seres-humanos já existentes. Um deles, com mais autonomia e com mais poder de ação (a mulher), advoga para si o direito de suprimir a existência de outro ser-humano que é vulnerável e mais fraco (o ser em gestação no ventre da mulher). Uma vez que o ser-humano-mais-fraco não tem como se defender do aborto pretendido pelo ser-humano-mais-forte, faz-se necessário a intercessão do Estado para que com leis específicas proteja o ser-humano-mais-fraco. Este é o pano de fundo para se pensar o aborto. Nada além disso.

Os que defendem o aborto tendem espertamente a deslocar o pano de fundo mencionado acima, sobrepondo-o a causas que são a princípio justas, por exemplo, a dignidade das mulheres e seus direitos, mas que, no entanto, não se mostram fortes e persuasivas o suficiente para obscurecer o aspecto crucial da questão que coloca em oposição a existência de dois seres-humanos. Alguns, mais obstinados, chegam a invocar aspectos biológicos para negar que o ser-humano-mais-fraco seja mesmo um ser-humano pelo fato de não ter um sistema nervoso central plenamente desenvolvido, etc. Obviamente, aceitar tais argumentos onde o ser-mais-fraco em gestação é visto como uma contingência ou objeto de pouca utilidade e, assim, passível de ser descartado, tem o potencial perigoso de ser generalizado a outras fases comuns aos seres-humanos, podendo ser aplicados para justificar  a eliminação de seres-humanos em idade avançada que acometidos por doenças neurológicas degenerativas sejam vistos pela sociedade como incapazes e inúteis, tal como os abortistas consideram os incontáveis fetos humanos abortados (do contrário, não abortariam).

Voltando ao tema do aborto como algo que coloca dois seres-humanos em oposição, é também evidente  a razão de favorecermos a manutenção da existência do ser-humano-mais-fraco contrariando os desejos abortistas do ser-humano-mais-forte. De fato, devemos usar aqui o critério do menor dano causado, e assim perguntar: 

Entre fazer ou não fazer o aborto, qual das duas ações  causa o menor dano?

Investiguemos as duas situações:

I. Se o aborto é feito, favorecemos o ser-mais-forte e o dano é causado ao ser-mais-fraco.

II. Se o aborto não é feito, favorecemos o ser-mais-fraco e o dano é causado ao ser-mais-forte

Analisando o dano causado, em qual dos casos  ele se mostra menos danoso? Obviamente, na opção I, o dano causado ao ser-mais-fraco é irreparável, pois o aborto suprime a própria existência dele. Já no caso II, o dano causado ao ser-mais-forte por não fazer o aborto não suprime a existência dele, logo, comporta toda uma série de intervenções de ordem psicológica e assistencial que pode restabelecer o ser-mais-forte.

Desta análise, quando colocamos o aborto como ele realmente é, como sendo a oposição entre um ser-mais-fraco e um ser-mais-forte, vemos que o aborto não tem justificativa alguma.

Para ilustrar isso, analisemos alguns argumentos muito recorrentes entre os que defendem o aborto, e que eu vejo presente no texto, “Luta pela descriminalização do Aborto”,  de Myriam Aldana Santin.

1. “O aborto é algo que se vive cotidianamente, que acontece em todas as classes sociais, mas as mais afetadas são as mulheres pobres e negras por terem menos condições de pagar por serviços médicos de qualidade. Muitas vezes na falta de métodos para evitar filhos o aborto é a única opção da mulher interromper a gravidez indesejada.”

Mas, o fato do aborto ocorrer de forma cotidiana o legitima? Independente do dano que a proibição do aborto causa ao ser-mais-forte, quer seja ele mulheres brancas de condição econômica mais favorável, ou mulheres negras de condição econômica menos favorável, o aborto continua produzindo um dano maior ao ser-mais-fraco. Assim, se desejamos ser solidários com o ser-mais-fraco, devemos nos opor ao aborto, mesmo que sua proibição afete de forma diferenciada as mulheres. Este fato apenas evidencia a necessidade do Estado prover programas públicos de ajuda a mulheres em situação econômica desfavorável para que possam ter condições dignas de cuidar de seus filhos e filhas, como têm as mulheres de condição econômica mais favorável.

2. A decisão de interromper uma gravidez é um sério dilema ético no qual se consideram todos os fatores a favor e contra para trazer ao mundo uma criança, como as condições de vida da família, a situação do casal, a situação econômica, plano de vida entre outros fatores. Em algumas situações moralmente difíceis o melhor é atuar de acordo com o que consideramos sensato, razoável ou bom, ainda que não coincida com as normas e com as autoridades de nossa igreja o que implica atuar em liberdade de consciência. 

Esta argumentação tenta legitimar o aborto apelando apenas para o que ser-mais-forte considera “sensato”, mas, é óbvio que a sensatez exercida pelo ser-mais-forte tolhe qualquer possibilidade de defesa do ser-mais-fraco. Mais uma vez, observando onde se tem o maior dano, vemos que ele reside no ser-mais-fraco, logo, tal argumentação também  não justifica o aborto.

Até aqui não usei nenhum argumento de ordem moral e, portanto, religiosa, contra o aborto. Mas, obviamente, há abundantes razões de natureza moral para se opor ao aborto. Continuando a análise do texto, “Luta pela descriminalização do Aborto”,  de Myriam Aldana Santin, vemos que ela elabora uma pretensa justificativa para o aborto feita por mulheres que se dizem católicas. Inicialmente, desejo salientar que a mera existência de um grupo como “Católicas pelo Direito de Decidir – CDD” ser tolerado pela igreja católica não é de todo surpreendente numa igreja que  põe a verdade biblicamente fundamentada numa posição secundária, atrás, por exemplo, da tradição e do que se decide em concílios. Assim, faltando a ortodoxia assume seu lugar o subjetivismo. Uma vez que o papa, seus bispos e cardeais são falíveis, tudo que se coloca como doutrina católica feita ao largo da verdade bíblica é passível de erro e contradição quando confrontado com o exame criterioso e infalível das Sagradas Escrituras. Feito esta observação, selecionei alguns outros pontos na argumentação de Aldana Santin que se revelam sem nenhuma fundamentação bíblica.

Por exemplo, Aldana Santim argumenta que

“Na tradição católica a liberdade de consciência tem um grande valor porque é a base da dignidade humana, somos pessoas com autoridade moral capazes de tomar decisões de acordo com o que consideramos melhor ou assumir em cada decisão nossa liberdade e nossa responsabilidade. As decisões tomadas em consciência são decisões moralmente válidas e devem ser respeitadas, este respeito implica no reconhecimento da autonomia da consciência individual e da autoridade moral que tem todas as pessoas para decidir livremente a melhor opção de acordo com suas circunstancias incluídas as decisões relacionadas com a sexualidade, a reprodução e o aborto.

Apenas a primeira parte do que ela escreve está correta quanto “a liberdade de consciência apresentar um grande valor”, mas esta liberdade de consciência é base da liberdade humana (me desculpem os reformados quanto a isso), não da dignidade humana, pois no exercício dessa liberdade de consciência é que surge o pecado humano. Assim, que grave e lastimável erro Aldana comete ao afirmar que “as decisões tomadas em consciência são decisões moralmente válidas.”  Não são!!! Se fossem moralmente válidas, então não haveria pecado. Talvez Aldana pudesse indicar que passagem bíblica ela utiliza para justificar tal afirmação, ou mesmo que apontasse em que parágrafo do Catecismo da Igreja Católica esta noção está expressa. 

Aldana Santim também escreve

“… não pode haver condenação nem pecado quando as mulheres e adolescentes tomam decisões difíceis como a de interromper a gravidez quando seja em sua consciência convencidas de haver tomado a melhor decisão.”

Mas, o que Aldana fala não é muito diferente da descrição de Genesis 3:1-6 quando  a serpente ardilosamente se dirige a Adão e Eva e os convence de que não há nenhum mal em se tomar do fruto da árvore do conhecimento. Naquele momento, acreditando na serpente, a consciência deles também não viu nenhum mal em tomar do fruto, contudo, as conseqüências do ato foram devastadoras para o gênero humano. Aqui, o grande equívoco de Aldana é não reconhecer que a consciência humana não é referência para designar o bem e o mal, embora a consciência seja o instrumento pelo qual o Espírito Santo nos alerta para a gravidade de nossos atos.

Em seguida, Aldana tenta defender  melhor seu ponto de vista, alegando que dentro da tradição católica existe um embasamento teológico que favorece o aborto e cita um tal  principio do Probabilismo que afirma: “Onde há dúvida, há liberdade”. É difícil afirmar do que Aldana escreve sobre este princípio em que sentido ele legitimaria ou atenuaria o aborto feito por mulheres que se dizem católicas. Mas, é fácil de constatar que, tal qual outros tantos princípios católicos que existem, a validade deles só é determinada pelas Escrituras.

Aldana segue escrevendo que

“quando se leva em conta que as questões relativas a moral sexual e ao comportamento reprodutivo nuca foram estabelecidos pela igreja católica como dogma, são passíveis de discussão e permitem a manifestação de divergências, o que sempre ocorreu na história da igreja.”

pode até ser passível de discussão, mas não são endossadas publicamente, e comete sério erro alguém que aconselhe outra pessoa a uma ação contrária aos artigos da fé. É evidente que Aldana esquece que o que se estabelece por norma na igreja católica está contido no “Catecismo da Igreja Católica” e o catecismo é bem explícito sobre o aborto, vide os parágrafos 2270-2275 da qual eu transcrevo apenas o parágrafo 2271:

“A Igreja afirmou, desde o século I, a malícia moral de todo o aborto provocado. E esta doutrina não mudou. Continua invariável. O aborto directo, isto é, querido como fim ou como meio, é gravemente contrário à lei moral:

«Não matarás o embrião por meio do aborto, nem farás que morra o recém-nascido» .

«Deus […], Senhor da vida, confiou aos homens, para que estes desempenhassem dum modo digno dos mesmos homens, o nobre encargo de conservar a vida. Esta deve, pois, ser salvaguardada, com extrema solicitude, desde o primeiro momento da concepçãod+ o aborto e o infanticídio são crimes abomináveis»”

Ou seja, Aldana além de não ser  biblicamente fundamentada, tampouco consegue estar de acordo com a doutrina católica como expressa em seu catecismo.

Por fim, Aldana cita algo que um tal Paul Ladriére escreveu e que ela identifica como  um moralista católico e que aparentemente toma como autoridade no assunto:

“Em conclusão, tendo em conta, como vimos, a dificuldade para afirmar que o aborto é um ato culpável e criminoso, porque existem infinitas circunstâncias que diminuem a responsabilidade ou eximem totalmente dela, seguir falando indiscriminadamente do aborto como crime e de quem o leva a cabo como criminosas (os) é demagógico, injusto e imoral. E será infinitamente mais imoral ainda pedir que se castigue toda pessoa que realize um aborto. […] Uma ética que pretenda ser para todos (e não somente para um grupo religioso) estará geralmente obrigada a optar por suspender o juízo diante do aborto, quer dizer, deixar a decisão à autonomia da pessoa (e este é outro princípio sine qua non da ética).”

Para criticar devidamente tal afirmação, seria necessário ler como Paul Ladriére  fundamenta biblicamente o que ele escreveu (supondo que ele realmente considere a fundamentação bíblica como sendo relevante, algo que não é prática tão comum no catolicismo), mas, fica claro que Ladriére não está endossando o aborto e sim atenuando o olhar crítico sobre aquelas que abortam. Mesmo assim, suspeito dizer que não faz muito sentido alegar atenuantes ao aborto diante das circunstâncias em que ele ocorre, e tampouco de conjecturar a possibilidade de eximir de culpa quem o pratica, pois, examinando  o Livro do Levítico, vemos que Deus não deixa de culpabilizar ações pecaminosas, mesmo aquelas feitas de forma inconsciente, quanto mais aquelas feitas de forma consciente. Cito aqui algo que Wayne Grudem escreveu que responde  à colocação feita por Paul Ladriére:

“ … Christians should not view their conviction about the personhood of the unborn child as “our moral conviction”. We did not make it up out of our own minds, but found  it written in the Bible. And the Bible presents it as not mere human opinion, but the moral standard of God himself, by which he holds all people in every nation accountable.”

[ Wayne Grudem: Christian Ethics, pag. 565-586]

Finalizo afirmando que o aborto não é um direito absoluto das mulheres e que qualquer mulher que exija respeito ao seu direito de decidir deveria primeiro dar o exemplo e respeitar o ser-mais-fraco que tem sua existência suprimida num mal irreparável como o aborto. A história desses seres-humanos-mais-fracos é mais dolorosa e trágica do que a história de qualquer mulher diante de uma gravidez inesperada. O fato de não serem capazes de expressar o que sentem não diminui o horror e o tratamento desumano por que passam inúmeros seres-humanos abortados e descartados como lixo. Resta então a triste constatação de que os que defendem o aborto já perderam há muito tempo a sublimidade do ser humano, algo que nos torna  feito  a  imagem e semelhança de Deus, que é a capacidade de se compadecer da dor do outro, de ser solidário ao mais fraco. Tais valores formam o núcleo de qualquer doutrina cristã sobre a dignidade da pessoa humana, assim, é desolador que uma pessoa como Aldana, e as mulheres que se dizem católicas do grupo CDD, em suas manifestações públicas expressem graves erros de doutrina confundindo e induzindo outras mulheres católicas ao erro sem sequer ser devidamente disciplinada pela sua igreja. Para Aldana e as outras inúmeras mulheres que pensam da mesma forma resta apenas a oração para que se convertam e percebam seu erro.

Professor do Departamento de Matemática