Em manifesto, entidades criticam fim da vinculação de recursos para educação

A Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (ANPED) e mais 15 entidades nacionais divulgaram, nesta segunda-feira (22), um manifesto em que criticam a proposta do governo Bolsonaro de acabar com a previsão constitucional de investimentos mínimos em educação. 

Hoje, o repasse de recursos às escolas, é regulado pela Constituição brasileira por meio de uma regra chamada “vinculação de recursos”, que determina um percentual mínimo do orçamento a ser investido em Educação. Para estados e municípios, esse porcentual é de 25%. Para a União, de 18%. 

As entidades ressaltam na nota que a vinculação de recursos “tem objetivo de garantir a estabilidade das fontes de financiamento, no que se refere à suficiência de recursos e regularidade de seu fluxo”. 

No texto, as associações defendem que a proposta de desvinculação que vem sendo cogitada pelo governo é “essencialmente uma proposta antifederativa, que trará graves prejuízos, sobretudo ao financiamento pelos municípios”.

Essa não é a primeira manifestação pública contrária à desvinculação. Governadores do Nordeste assinaram uma nota conjunta pela manutenção da vinculação de recursos à educação, assim com as entidades que reúnem secretários estaduais e municipais de educação – Consed e Undime. 

A nota do Consed, assim como o manifesto publicado nesta semana, descreve o histórico das vinculações, que aparecem pela primeira vez na Constituição em 1934, e só foram suprimidas durante as ditaduras do Estado Novo (em 1937) e na militar (1967). O órgão também mostra que os recursos para a educação básica estão caindo nos últimos anos. “De 2015 para 2017, as despesas totais da União com manutenção e desenvolvimento do ensino decresceram 18%, em termos reaisd+ nos estados e Distrito Federal, o decréscimo foi da ordem de 10% e, nos Municípios, da ordem de 6%”, diz a nota do Consed publicada em março. “É ilusório argumentar que a inexistência da vinculação conferirá maior liberdade para decisões de política orçamentária por parte do Poder Legislativo, que poderia definir as prioridades das políticas públicas”, completa.

Embora o governo insista em dizer que o Brasil investe o suficiente em educação pública, 62% dos municípios têm menos de R$ 400 por mês por aluno. Esse orçamento inclui despesas que vão de manutenção das escolas, salários de professores a transporte e alimentação escolar. 

Veja abaixo o manifesto na íntegra:

Manifesto pela manutenção da vinculação de verbas para a educação pública na Constituição Federal de 1988

A vinculação de recursos da receita resultante líquida de impostos para a Manutenção e Desenvolvimento do Ensino (MDE) foi inserida na legislação brasileira na Constituição Federal de 1934. Pilar do financiamento à educação pública brasileira, tem objetivo garantir a estabilidade das fontes de financiamento, no que se refere à suficiência de recursos e regularidade de seu fluxo.

A vinculação de recursos para a educação tem sido atacada nos momentos de fechamento político e revigorada nos processos de redemocratização. Assim é que ela é retirada na CF de 1937 (ditadura Vargas), retomada na CF de 1946 e excluída mais uma vez na CF de 1967 (ditadura militar).

Nos anos 70 e 80, os trabalhos de, entre outros, o Prof. José Carlos de Araújo Melchior no plano acadêmico e a ação parlamentar do Senador João Calmon demonstraram como a ausência de vinculação foi danosa ao financiamento da Educação.

Ao ser elaborada a Constituição de 1988, de forma a encerrar o ciclo do regime militar, foi consagrada a vinculação, emblema de todas as Constituições democráticas da história republicana brasileira.

A proposta de desvinculação que vem sendo cogitada pelo governo é essencialmente uma proposta antifederativa, que trará graves prejuízos, sobretudo ao financiamento pelos municípios.

Em primeiro lugar, porque é a vinculação que permite aos entes exercerem sua função supletiva e dá os meios para que organizar a educação em seu território para atender as funções prioritárias estabelecidas no art. 211 da constituição. Em segundo lugar, a desvinculação implica o fim do FUNDEB. O Fundeb é uma subvinculação. A desvinculação extinguirá esse mecanismo de financiamento que se caracteriza por repasses automáticos com instrumentos de controle interno, externo e social e tem critérios redistributivos, segundo a matrícula, destina recursos, por meio de outra subvinculação, à remuneração dos professores. Sem a vinculação, a cesta do Fundeb é furada, se não, inexistente. O instrumento, ainda insuficiente no Fundeb, mas simbólica e materialmente importante, a complementação da União ao Fundeb também desapareceria. O que provocaria o caos nos sistemas públicos estaduais e municipais.

A proposta ignora o modelo federativo adotado pela Carta de 1988 e trará novos conflitos federativos e provável judicialização. Ainda que houvesse a desvinculação na Constituição Federal, continuam válidas as normas de vinculação estabelecidas, por vezes em patamar superior aos 25%, em várias constituições estaduais e das leis orgânicas municipais. O poder constituinte originário estadual ou municipal assim decidiu. Não pode ser atropelado pelo poder constituinte federal derivado, em desrespeito ao pacto federativo.

 A desvinculação de recursos de impostos à manutenção e desenvolvimento do ensino, a par de inconstitucional, por violar cláusula pétrea, é antifederativa. Desorganiza os meios de financiamento e a reserva de recursos para o exercício da função supletiva. Destrói a política de cooperação, o regime de colaboração. Cabe lembrar que no período da ditadura militar, quando não havia vinculação, os gastos com educação situavam-se na faixa de 2,5% – 3% do PIB. Hoje eles estão na faixa de 5% do PIB.

Neste sentido, é importante lembrar que os governadores do Nordeste assinaram nota conjunta pela manutenção da vinculação de recursos à educação. Além destes, também as entidades de secretários estaduais e municipais de educação – Consed e Undime – manifestaram a favor da permanência da vinculação.

O mesmo governo que propõe a desvinculação para a educação deixa intocável as vinculações da Lei de Responsabilidade Fiscal, que estabelece um limite irresponsável aos gastos com pessoal, inviabilizando a melhoria da oferta educacional em estados e municípios. Ao mesmo tempo diz que o gasto com Previdência é dez vezes maior do que com educação, o que é falso, pois usa como comparação apenas o gasto federal em educação, esse sim, ínfimo, não diz uma palavra sobre a vinculação, ou melhor, a subordinação de toda a política pública ao pagamento de juros da dívida pública que deve consumir mais de 7% do PIB deixando de financiar a educação, saúde e demais políticas de desenvolvimento econômico e social.

Destaque-se que o primeiro golpe contra as políticas sociais ocorreu no governo Temer, através da EC 95/2016, que congelou por 20 anos os gastos sociais do país, entre eles a educação. Agora o governo Bolsonaro quer abrir caminho para que Estados e Municípios, além da União em caráter definitivo, deixem de assegurar um mínimo constitucional de recursos para a educação e saúde. Sobre isso vários governadores e prefeitos também já se manifestaram contra mais esse golpe ao futuro do país.

No Brasil, é bom lembrar, em função de um sistema tributário injusto, regressivo e desigual, que se baseia na tributação sobre a produção e o consumo, revela que quando a economia cresce, aumenta a receita de impostos e, em virtude da vinculação, os recursos para a educação e saúde também aumentam, no entanto, eles se tornam minguados em tempos de crises econômicas, como as que temos vivido nos últimos tempos. Além disso, o governo federal aprova um perdão para dívidas bilionárias de empresas com a receita federal e com a previdência pública, implementa diversas isenções fiscais e recoloca uma discussão sobre uma “reforma fiscal” que representa sério risco para com os recursos da educação. Tudo isso representa a atual aliança entre o capitalismo mais selvagem e o esoterismo que comanda o Executivo da União e que condena o futuro de milhões de crianças, adolescentes e jovens. No país são quase 2.5 milhões de pessoas em idade escolar obrigatória que se encontram totalmente fora do sistema educacional: 672.940 de 4 e 5 anosd+ 429.592 de 6 a 14 anos e 1.643.713 de 15 a 17 anos. E um contingente imenso de adultos não terminaram o Ensino Médio, negando-lhes o direito a uma educação pública de qualidade.

O quadro de descaso com a educação nacional se completa quando se percebem as condições de oferta da escola pública brasileira com a ausência de bibliotecas, quadras, falta de equipamentos e materiais de uso contínuo, até de banheiros ou água encanada, além de baixo acesso à internet…

Por tudo isso, as entidades nacionais abaixo denunciam as propostas de desvinculação das verbas para a educação, veiculadas nas diferentes mídias, como um verdadeiro genocídio social, e reiteram sua defesa da educação como uma das principais políticas públicas que atende à maioria da população brasileira!

Não vamos admitir tal retrocesso!

Pela manutenção das vinculações constitucionais para a educação!

Mais verbas públicas para as escolas públicas!

À luta todos que acreditam na educação pública, laica, gratuita, socialmente referenciada, democrática com acesso, permanência e sucesso para todos os brasileiros!

Assinam este Manifesto:

Associação de Pós-graduação e Pesquisa em Educação – ANPED

Associação Nacional de Política e Administração da Educação – ANPAE

Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)

Associação Brasileira de Currículo (ABdC)

Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação – FINEDUCA

Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências (ABRAPEC)

Associação Nacional de História – ANPUH

Associação Brasileira de Ensino de Biologia (SBEnBio)

Centro de Estudos Educação e Sociedade (CEDES)

Confederação Nacional dos Trabalhadores em Educação – CNTE

Fórum Nacional de Diretores de Faculdades, Centros de Educação e equivalente das Universidades Públicas (FORUMDIR)

Movimento Nacional em Defesa do Ensino Médio

Sociedade Brasileira de História da Educação

Sociedade Brasileira de Ensino de Química (SBEnQ)


C.G/N.O