O pedófilo e o estuprador usam máscaras?

Por Edson Roberto De Pieri

Escrevo esse texto como pai, como professor, como educador e não gostaria que o mesmo seja resposta a alguém, pois não quero identificar os autores de tudo que li, que me embrulhou o estômago, e que me fez questionar se o ser humano é esse ser superior ou se as nossas crenças e dogmas nos impedem de constatar que outros seres vivos, talvez sejam, coletivamente, superiores aos seres humanos em diversos aspectos, se não restringirmos apenas à inteligência. Somente a religião e visão centrada nos nossos umbigos poderiam nos classificar como as criaturas mais inteligentes, sem mesmo qualificar a que isso se refere. Reflito, em particular, sobre as abelhas e as formigas, quando penso nelas agindo coletivamente, parece-me que a evolução, colocando-nos como superiores em inteligência, está, de fato, clamando por um desejo em detrimento da realidade.

Mas o assunto é outro. A pandemia nos fragiliza, nos torna mais sensíveis a perdas que, muitas vezes, passando por nós como acontecimentos reais, colocam vidas como números, e falta de cuidado coletivo, como fatalidades. Não bastassem as mortes e as perdas de entes queridos, camufladas oficialmente sob um prisma imbecil e desumano de negação, desdenhadas por autoridades, eis que surge no noticiário algo que atesta aquilo que não é novo e que, por ser escondido sempre que possível, quando aparece e se torna notícia, faz-nos questionar o que é ser humano, o que é o respeito à vida e, principalmente, o que é subtrair a infância de uma criança de 10 anos de idade. Uma menina, por ser o caso relatado na mídia, mas menina ou menino, a violência é a mesma. É a truculência, o constrangimento físico e moral, a crueldade e o egoísmo de um adulto em relação à inocência, à beleza e à fragilidade da infância.

A pedofilia é crime, nem por isso ela deixa de existir. Pior, em um grande número de casos, ela acontece em ambiente familiar, em outros, ela é externa e alimenta diferentes interesses, inclusive o econômico. Rende prazer a quem é incapaz de entender que prazer é compartilhamento, é troca e é vida. A truculência do ato desigual não é menor do que as consequências que ele gera: dor, perda da infância, perda precoce da ingenuidade, perda do sentido do carinho, dos sonhos e do amor que cuida. Além disso, no caso de uma menina, conforme relatado na mídia, uma gravidez. Gravidez de uma garota de 10 anos de idade! Não quero seguir pelo caminho do aborto legal, parece que isso nem deveria ser assunto a tornar público nesse caso. É obrigação do Estado prover os meios para interromper a gravidez e manter em sigilo a identidade da criança. Quero sim, seguir pelo caminho do estupro e da pedofilia, pois isso pode representar melhor o que significa esse caso e as manifestações que acompanhamos nos últimos dias.

Ao ser molestada, estuprada e abusada por um membro da família, de fato essa menina sofreu um ato violento e hediondo cometido por um adulto contra uma criança. O que vemos em seguida é um segundo estupro, este cometido coletivamente por diversos setores, sejam eles do governo, da sociedade, da imprensa, de “representantes de Deus” e de seres medíocres e opacos, os quais, usando a luz e a claridade daqueles que têm brilho, entendem que com isso podem sair das trevas que habitam.

Não bastasse isso, e não menos violento, eis que, além do estuprador próximo e dos estupradores de plantão que participam do ato com suas manifestações, surgem também outros pedófilos que, sem estatura e amadurecimento suficientes para se relacionar com seus pares, inconformados com anos de ausência de prazer intelectual, usam e abusam do trauma de uma criança de 10 anos de idade, de forma egoísta, de forma mesquinha, nojenta e dissimulada, com o único e exclusivo desejo de ter o tão sonhado orgasmo intelectual, provavelmente desconhecido e nunca antes vivenciado.

Talvez a única lição que se possa obter disso, neste momento, seja de que, quando essas pessoas falam, se expressam e se despem, as máscaras – não aquelas que usamos na pandemia – mas as máscaras do caráter, estas começam a cair e nós passamos a conhecer essas pessoas naquilo que têm de mais marcante e que guardam da forma mais dissimulada possível nas comunidades em que convivem. Não tenhamos dúvidas, ainda que de uma outra forma, esses “seres humanos” são também estupradores, pedófilos e grandes incentivadores dos atos contra crianças inocentes. Conhecê-los sob esse prisma, ao mesmo tempo que nos permite identificá-los, é também uma grande tristeza saber que estão entre nós!

Edson Roberto De Pieri é professor e diretor do Centro Tecnológico (CTC) da UFSC

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