Com a crise gerada pela pandemia, universidades buscam aperfeiçoar graduação

Ensino superior pode ganhar com cooperação entre públicas e privadas e reforma curricular

O ensino superior nada em águas agitadas já há algum tempo. As instituições públicas enfrentam contingenciamento de recursos, problemas para repor quadros técnicos e o desafio de conduzir pesquisas diante do cenário nacional de propagações de fake news. Nas particulares, há inadimplência e evasão de alunos. A pandemia do novo coronavírus agitou ainda mais esse mar revolto. Mas, por outro lado, a tempestade tem o potencial de apontar para a urgência de uma reforma ampla e conceitual.

“Este momento abre uma janela de oportunidade para a gente repensar e recriar a universidade. Estamos pensando em criar um estímulo de política educacional, com base em redes de cooperação que rompam barreiras entre as instituições públicas e privadas”, explica Mozart Neves Ramos, professor da Universidade de São Paulo (USP) e presidente de uma comissão recém-criada no Conselho Nacional de Educação (CNE) para essa finalidade.

Na Bahia, as instituições públicas se movimentam nessa direção. “Estamos tentando estabelecer protocolos mais flexíveis de mobilidade acadêmica e até de compartilhamento de espaços físicos entre as instituições, para o aluno acessar um computador para uma atividade remota em uma universidade que não é a sua”, diz João Carlos Salles, reitor da Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Ao mesmo tempo em que o relacionamento entre instituições é estreitado, é preciso rever também as estruturas curriculares nacionais dos cursos superiores, ainda muito conteudistas. Há ideias que se inspiram nas mudanças aplicadas no ensino básico, com a nova Base Nacional Comum Curricular (BNCC), com esquemas organizados em trilhas de aprendizagem. Assim, em vez de uma abordagem focada no acúmulo de conteúdos em disciplinas, seriam trabalhados projetos nos quais os conhecimentos sejam integrados e façam mais sentido.

“Temos de aproveitar a oportunidade para modificar a educação superior no que diz respeito ao excesso de engessamento, de conteudismo. Precisamos formar cidadãos mais amplos, mais abrangentes. Nossa formação tem de ser menos horas em sala de aula e mais em projetos sociais e extracurriculares”, afirma Marcelo Knobel, reitor da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Ele exemplifica com as grades dos cursos de Engenharia, que deixam o estudante 35 horas semanais em sala de aula. “Vamos discutir com seriedade uma mudança curricular importante na nossa maneira de ensinar.”

Das mudanças que as universidades podem fazer para o futuro, Knobel põe no topo da lista uma maior aproximação com a sociedade. Dessa forma, como ocorre com memes e fake news, é importante que os benefícios trazidos pelas universidades para a sociedade sejam mais conhecidos e se tornem “virais”. “Como é possível que as universidades, com tantas novidades e coisas positivas, não tenham milhões de seguidores em redes sociais? Temos de encontrar a linguagem para mostrar a importância da instituição para a pesquisa e o desenvolvimento do nosso País. Só assim podemos ter um futuro melhor”, diz o reitor da Unicamp.

Visibilidade

Os educadores estão convictos: propagar a importância do conhecimento científico produzido nas universidades é uma tarefa árdua e imprescindível neste momento do País. “Há um obscurantismo que perpassa a sociedade e dá orientações equivocadas sobre a educação. Não podemos ter uma visão imediatista e utilitarista do papel estratégico das universidades. Nossos projetos são de longa duração. Ao lado da pesquisa aplicada, há a pesquisa básica. Ao lado do interesse imediato, você tem o processo de formação de uma instância fundamental para a independência intelectual do País”, diz Salles, reitor da UFBA.

No Estado de São Paulo, o desafio dos reitores é sensibilizar os deputados para que não seja aprovado o projeto de lei encaminhado pelo governo do Estado que determina que o superávit financeiro das autarquias e fundações seja transferido, ao fim de cada exercício, ao tesouro estadual. “É um confisco. Um terço das pesquisas científicas do País é feito nas três universidades públicas de São Paulo (USP, Unesp e Unicamp) com o apoio do Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). É importante que a sociedade brasileira se mobilize para defender a ciência e a educação superior do Estado de São Paulo”, afirma Knobel.

No ensino superior privado, 89% dos estudantes pertencem às classes C, D e E – com um salário mínimo de renda per capita familiar – e necessitam de algum auxílio para seguir os estudos. Dados do Sindicato das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Ensino Superior no Estado de São Paulo (Semesp) mostram que a inadimplência cresceu 51% neste ano, enquanto a evasão subiu 14%.

Pesquisa realizada pelo Semesp em julho com 2,7 mil alunos de instituições públicas e privadas de ensino superior apontou que 40% foram afetados pela pandemia, seja por perda de emprego ou por redução de carga horária e salário. “Temos pedido para que a ajuda aos estudantes seja ampliada, com algum tipo de financiamento emergencial. Mas a resposta vai na contramão, como o projeto de lei da reforma tributária que tem um impacto violento e retira o ProUni (Programa Universidade para Todos) das isenções”, afirma Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

Os estudos estimam que a perda de alunos no ensino superior será de 1,6 milhão em dez anos. Hoje, 18% dos brasileiros de 18 a 24 anos cursam uma graduação. A meta do Plano Nacional da Educação é chegar a 2024 com 33% dos jovens com ensino superior. “Com esse tipo de política, em dez anos vamos ter 11,2% dos jovens matriculados.” 

Fonte: Estadão