Caça às bruxas: anatomia do ódio

Por Armando de Melo Lisboa

“As idéias não têm uma existência desencarnada e elas sozinhas não fazem a história. Mas, por outro lado, os homens que as fazem, que delas participam ou que as sofrem têm suas próprias idéias. Essas idéias com frequência os enganam e dissimulam as realidades que parecem iluminar. Mas, em definitivo, é com suas idéias que os homens enfrentam suas realidades, são elas que determinam as suas escolhas”

Bronislaw Baczko

Vivemos em tempos de cancelamentos e intolerâncias provindos de todos os extremos do espectro político, em tempos em que a disputa entre olavistas e estalinistas inflama e contamina o debate social.

O prof. Sérgio Colle, aposentado por atingir a idade limite, solicitou recontratação como “professor voluntário”. Entidades estudantis e outros coletivos desencadearam uma campanha contra, como vemos no site “UFSC à Esquerda”.

Argumentam que este colega, do ponto de vista ideológico, é um alucinado. Infelizmente posições extremistas (e não só à direita …) vem se multiplicando, insufladas pelas bolhas formadas no mundo das redes.

O prof. Colle vive numa cruzada anti-esquerdista. Outros, da esquerda da UFSC, vivem caçando bruxas fascistas. Nestes tempos de ódio e surdez às vozes discordantes, urge afirmar que o dissenso é o que oxigena a democracia, que sua ausência é fatal à mesma.

Todavia, a questão aqui não é sobre “liberdade de expressão”, sobre até onde vão os limites da mesma, uma vez que defendê-la não significa um “vale tudo”.

A polêmica é sobre a recontratação de um colega como “voluntário”. O processo trata do direito de alguém permanecer presente no espaço universitário na condição de professor.

O ponto é avaliar se este cidadão contribui ou não com a UFSC. E, aparentemente, tudo indica que sim e muito. O prof. Colle é um dos poucos da UFSC com bolsas de produtividade/CNPq na modalidade PQ-SR (Sênior), o único com bolsa renovada em 2020.

A universidade é uma instituição que gravita em torno do mérito. Cabe aos colegas de departamento apreciar os méritos dos que pretendem continuar colaborando com a mesma, decidir sobre o valor dele para a instituição.

Este processo de “voluntário” é o desfecho de um ciclo acadêmico, e não pode ser possuído ou intimidado pelo VAR das redes. Colegiado departamental não é tribunal para julgar posições políticas.

A politização da academia, ou seja, avaliar contribuições acadêmicas em termos ideológicos, corrompe-a inexoravelmente. Condenar e deletar “Paulo Freire” ou “Olavo de Carvalho” no imprescindível debate das ideias não apenas empobrece como também mata a faísca criativa e inovadora que brota da potência dos dissensos.

Mas, fazer parte da comunidade acadêmica não torna ninguém imune, nem propicia um salvo-conduto para destilar discursos racistas, homofóbicos e misóginos. Nenhum docente, nem Colle, tem imunidade por ser “professor”. A responsabilização por excessos e ofensas é da alçada de outros fóruns, administrativos e judiciais.

No momento, antecipando julgamentos que outras cortes porventura farão de controversos excessos, quer-se impedir a recontratação como “voluntário” do prof. Colle com base na acusação dele ter “posicionamentos de extrema-direita misóginos e racistas”. Ora, ora, então temos uma campanha pela não contratação de um colega com uma explícita motivação ideológica.

Esta campanha é deprimente não apenas porque sua simples existência apequena nossa universidade, barbarizando-a, mas principalmente por, ao buscar calar e eliminar a presença do adversário na academia, incidir naquilo que seus autores condenam em Colle: uma universidade excludente.

Infelizmente, ela alimentará à histeria anti-esquerdista da ultra direita, dando-lhes razão na denúncia do quanto a universidade brasileira está capturada ideologicamente. Esta disputa aprisiona a universidade no círculo de ódio bipolar “nós contra eles” e seu corrosivo movimento pendular, jogando-a de um polo ideológico ao outro.

Este episódio expressa o tóxico jogo dos extremos, onde a polarização entre suas fantasiosas narrativas fortalece-os mutuamente, eclipsando outras posições políticas mais respeitosas da alteridade e, possivelmente, melhor posicionadas diante dos fatos e mais adequadas para que a comunidade universitária cresça e perdure. Nesta guerra pelas nossas mentes e corações, os extremos se alimentam, destruindo o pouco que resta da nossa universidade.

Armando de Melo Lisboa é professor do Departamento de Economia e Relações Internacionais da UFSC