Piora na pandemia motiva pedidos para adiar o Enem, mas educadores apontam que medida é insuficiente

De acordo com matéria do El País, MEC argumenta que suspensão traria prejuízos ao calendário escolar, enquanto educadores cobram medidas para diminuir aumento da desigualdade entre alunos

Em meio a um novo pico de casos e mortes pela covid-19 no Brasil, ganharam força as vozes em defesa de um novo adiamento da realização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), cujas provas estão marcadas para os domingos de 17 e 24 de janeiro. O Ministério da Educação (MEC) descartou adiar o exame, e, na terça-feira, uma decisão da Justiça Federal referendou a decisão, sob o argumento de que, além dos prejuízos financeiros, mudar a data das provas prejudicaria a formação acadêmica dos estudantes.

Às vésperas da realização do Enem – principal forma de acesso a universidades públicas e privadas no país –, os mais de 5,8 milhões de inscritos e as comunidades acadêmica e médica brasileiras aguardam sob tensão o desfecho deste imbróglio, que ganha novos capítulos a cada dia. Nesta quarta, a Justiça Federal do Amazonas suspendeu a realização do Enem no Estado, após a prefeitura de Manaus anunciar que não cederia as escolas municipais para a realização das provas. Já o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) enviou um ofício ao Governo federal pedindo a mudança da data.

Enquanto especialistas da área saúde temem que as aglomerações causadas pela aplicação das provas agravem a pandemia de coronavírus, educadores reiteram que – independentemente do adiamento ou manutenção do Enem– os estudantes de baixa renda e oriundos de escolas públicas serão os mais prejudicados após um 2020 com escolas fechadas e oferta ensino a distância desigual. “O Enem precisa ser adiado, mas essa bandeira é insuficiente. É preciso também que o MEC coordene esforços junto à secretarias estaduais de educação e universidades para mexer em calendários e início de ano letivo, e assegurar que os alunos vão ter carga horária aula que devem ter”, explica Priscila Cruz, presidenta da organização Todos pela Educação.

A equação “não é simples” e envolve, por exemplo, garantir que os alunos prejudicados pelo fechamento das escolas vão ter a reposição completa das horas de aula perdidas, segundo explica Cruz. Para ela, o adiamento do Enem já deveria ter sido “o começo de uma série de ações que o MEC já deveria ter coordenado”. A educadora defende a aplicação de exames no meio do ano de 2021, o que, segundo ela, retiraria dos alunos “a pressão de terem que fazer a prova agora e dando o tempo para recuperar a aprendizagem perdida.” Contudo, ela vê o MEC, comandado pelo pastor Milton Ribeiro, como incapaz do ponto de vista gerencial de coordenar essas mudanças.

No pedido, rejeitado pela Justiça Federal na terça, a Defensoria Pública da União (DPU) e o Ministério Público Federal (MPF), em conjunto com a União Nacional dos Estudantes (UNE), a União Brasileira dos Estudantes Secundaristas (Ubes), Educafro, entre outras entidades, criticavam a ausência de “clareza sobre as providências adotadas para evitar-se a contaminação dos participantes da prova, estudantes e funcionários que a aplicarão.” “O aumento da circulação do vírus nesta população pode ocasionar um aumento da transmissão nos grupos mais vulneráveis”, complementava o Conass naquele mesmo dia, em ofício enviado ao MEC. A Defensoria já informou que vai recorrer da decisão.

Para a juíza Marisa Cucio, da 12.ª Vara Cível Federal de São Paulo, as medidas de segurança adotadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) Inep, órgão do MEC responsável pela aplicação da prova, “são adequadas para viabilizar a realização das provas nas datas previstas, sem deixar de confiar na responsabilidade do cuidado individual de cada participante e nas autoridades sanitárias locais que definirão a necessidade de restrição de circulação de pessoas, caso necessário”, escreveu ela em sua decisão. Entre as medidas estão o uso obrigatório de máscaras durante toda a realização da prova; a contração de 200.000 salas para a aplicação da prova, em contraste com as 140.000 de 2019; locais de provas ocupados com cerca de 50% da capacidade; e a higienização das salas de aula antes e depois dos exames. Pessoas que estiverem com covid-19 ou sintomas de outras doenças infectocontagiosas podem solicitar a reaplicação das provas, prevista para 23 e 4 de fevereiro.

A enfermeira epidemiologista Ethel Maciel prevê que as pessoas com sintomas leves de covid-19 ou que foram contaminadas e estão na fase pré-sintomática, além dos casos assintomáticos, não deixarão de fazer a prova. “Você coloca todas essas pessoas juntas no meio da aceleração da doença, com Estados beirando o colapso, e temos a possibilidade de piorar a situação.” Ela lembra que a nova cepa do vírus surgida no Reino Unido – e que já chegou ao Brasil – é mais contagiante sobretudo na faixa etária dos 20 anos.

Leia na íntegra: El País