Emprego e desemprego em Santa Catarina: o mundo fictício do governo estadual

Por Lauro Mattei e Vicente L. Heinen

O Brasil enfrenta uma das maiores crises sanitárias de sua história, com  expressivos impactos econômicos, sociais e políticos. Diante da gravidade da situação  nacional, a temática do emprego e do desemprego emerge nos debates atuais em praticamente todas as unidades da federação. Foi nesse contexto que recentemente  autoridades governamentais catarinenses se manifestaram sobre o assunto, conforme  reportamos a seguir: 

“O estado de Santa Catarina criou 32.077 empregos formais em  janeiro de 2021 e está em pleno emprego. O estado não precisa criar  auxílio para as pessoas porque elas não estão desempregadas. Estamos  a pleno emprego, importando mão de obra da Venezuela, Haiti, PA,  AM, RS, PR e SP. Não é coerente o Estado criar auxílio para as  pessoas ficarem em casa se as fábricas estão precisando de gente para  trabalhar”. Paulo Eli, Secretário de Estado da Fazenda de SC. Manifestação  proferida dia 16.03.2021 no programa SC Connection da CBN/Diário  e CBN Joinville. 

Acompanhando e analisando a evolução do mercado de trabalho em Santa  Catarina por mais de vinte anos, somos obrigados a reagir diante de manifestação tão  infundada, até mesmo para restabelecer a verdade dos fatos. Registre-se que neste artigo  trataremos apenas dos temas do emprego e do desemprego, evitando comentar o ranço  preconceituoso também presente nesta declaração que considera que os beneficiários de  programas sociais os obtêm para “ficar em casa”. 

Inicialmente, é preciso esclarecer que o mercado de trabalho é composto por  dois tipos de relações de trabalho: as formais (com contrato assinado, baseado na  legislação trabalhista) e as informais (sem qualquer amparo legal). No caso específico de Santa Catarina, quem falar de mercado formal de trabalho estará se referindo a  aproximadamente 60% do total de postos de trabalho existentes do estado, a depender  inclusive da forma de medição. 

Santa Catarina é, historicamente, um estado com elevadas taxas de formalidade  das relações trabalhistas, quase sempre liderando o ranking nacional. Por isso, é 

importante analisar o desempenho dessa parte do mercado de trabalho no ano de 2020,  quando a pandemia provocada pelo novo coronavírus provocou fortes quedas no  emprego em todo o país. De fato, o estado apresentou o maior saldo de vínculos formais  de trabalho dentre todas as unidades da federação. Esse aspecto mereceu atenção em um  estudo desenvolvido recentemente no Necat/UFSC3, que identificou as principais razões para esse desempenho. 

Neste estudo, destacamos que em 2020 Santa Catarina apresentou um  crescimento de apenas 2,55% do estoque de empregos formais, percentual que lhe  conferiu o 7º lugar no ranking nacional. Todavia, como o mercado formal de trabalho das unidades da federação que apresentaram maiores percentuais (AC, RR, MA, TO,  MT e MS) são bem menores que o catarinense, Santa Catarina se sobressaiu em termos  absolutos. Além disso, existem outros fatores relevantes a serem considerados. No ano  de 2020 ocorreu um fraco desempenho nos principais estados do país nesta área (SP,  RJ, MG, RS e PR), sendo que todos eles fecharam o ano com saldos negativos. Com  isso, o saldo de 142 mil empregos formais que está sendo usado como referência para  supostamente ressaltar o resultado excepcional de Santa Catarina representa um  crescimento praticamente nulo dos vínculos formais de trabalho no país, com aumento  de apenas 0,37%. Soma-se a isso a composição setorial desses vínculos, uma vez que  setores fortemente afetados pela pandemia (comércio e serviços) e que fecharam o ano  com saldos negativos pesaram mais no cômputo geral do país (76% do total de vagas,  contra 64% no estado). Finalmente, a retomada do emprego no setor industrial fez com  que Santa Catarina tirasse proveito da situação, tendo em vista que 33% de todos os  postos formais de trabalho do estado estão ligados ao setor industrial. 

Feitas essas observações sobre o mercado formal de trabalho, passaremos a  discutir o comportamento do conjunto do mercado de trabalho do estado ao final de  2020. Com base na PNAD Contínua4do IBGE para o 4º trimestre do referido ano,  apresentamos a seguir um organograma, que mostra a real situação do mercado de  trabalho catarinense após o primeiro ano da pandemia. 

Figura 1 – Situação do mercado de trabalho de Santa Catarina no 4º trimestre de 2020.

Fonte: PNAD Contínua (2021), com modificações. 

Em primeiro lugar, observa-se que 196 mil pessoas que faziam parte da força de  trabalho catarinense estavam desocupadas ao final de 2020. Com isso, a taxa de  desemprego ficou em 5,3% no último trimestre de 2020, patamar idêntico ao verificado  no mesmo período de 2019. De fato, esse índice é relativamente baixo quando  comparado ao de outras unidades da federação, todavia não pode ser atribuído a uma  grande geração de empregos no período, uma vez que o total de pessoas empregadas em  Santa Catarina, quando consideradas tanto as vagas formais quanto informais, diminuiu  em 224 mil ao longo de 20205.  

Na verdade, a principal causa para a manutenção de uma taxa de desemprego  relativamente baixa no estado é que uma massa de trabalhadores (cerca de 240 mil  pessoas) saiu do mercado de trabalho durante a pandemia, seja por não estar  encontrando trabalho (desalento) ou para não se contaminar com o vírus, por exemplo.  Esse fato é demonstrado pela taxa de participação das pessoas na força de trabalho em  relação à população em idade para trabalhar, que foi de 59% ao final de 2020,  registrando uma queda de 6,2 pontos percentuais em relação ao final de 2019. Se ao contingente de desocupados for somado o número de 136 mil pessoas da  força de trabalho potencial, isto é, as pessoas que desejariam trabalhar, mas que por  algum motivo (desalento ou não) não estão incorporados à força de trabalho, chega-se a  mais de 330 mil pessoas. Isso fez com que a taxa de subutilização (desocupados + força  de trabalho potencial + subocupados) se situasse no patamar de 10,8% ao final de 2020. Assim como a fase de perda de empregos observada na primeira metade de 2020  se concentrou entre os trabalhadores informais, a fase de recuperação segue a mesma  tendência. De acordo com os dados do IBGE, grande parte dos 47 mil postos de  trabalho recuperados no 4º trimestre de 2020 eram empregados do setor privado sem  carteira de trabalho assinada. Ao mesmo tempo, observa-se que – contrastando com as  informações do CAGED do Ministério da Economia – o emprego com carteira no setor  privado seguiu caindo no referido trimestre, sendo que ao longo do ano de 2020 essa  categoria acumulou uma perda de 218 mil ocupações. Esse fato explica o aumento da taxa de informalidade, que subiu de 34,6%, para 36,5% entre 2019 e 20206. Por fim, registre-se que a massa de rendimentos reais efetivamente recebidos ao  final de 2020 ficou 6,8% abaixo do nível registrado ao final de 2019, indicando  claramente uma perda de poder de compra da população. Essa perda foi maior especialmente entre os trabalhadores que já possuíam menores rendimentos, com  destaque para aqueles que costumavam a receber até dois salários mínimos, que foram a  maior parte daqueles que perderam seus empregos ao longo do ano7

Em síntese, esse conjunto de informações analisadas comprova o quanto as  afirmações proferidas pelo membro do atual governo estão longe de refletir a realidade  do mercado de trabalho catarinense, ao mesmo tempo em que se desconhece a dinâmica  atual, fortemente condicionada por efeitos da pandemia que, inclusive, distorcem a  interpretação usual dos principais indicadores do mercado de trabalho, como a taxa de  desemprego. Assim sendo, lamentamos a completa falta de empatia desse senhor em  relação a uma parcela expressiva da população, cujas condições de vida foram e ainda  estão sendo impactadas negativamente pelos efeitos perversos da pandemia. 

3 Razões para Santa Catarina apresentar o maior saldo de empregos formais dentre os estados brasileiros,  de autoria de Vicente Loeblein Heinen. 
4Pesquisa Nacional de Amostra por Domicílio Contínua.
5 Este tema foi tratado em outro texto produzido pelo Necat/UFSC. Disponível em: Qual a dimensão do  desemprego gerado pela crise da Covid-19 em Santa Catarina?
6 Mercado de trabalho catarinense bate recorde de informalidade no 3º trimestre de 2020 7 Ver: A queda dos rendimentos do trabalho em Santa Catarina durante a pandemia da Covid-19.

Lauro Mattei é Professor titular do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da  UFSC. Coordenador geral do Necat/UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ.

Vicente L. Heinen é estudante de Economia na UFSC e bolsista do Necat.