Bolsonaro veta projeto que garantia acesso à internet para a rede pública

Em vídeo publicado nas redes sociais, MEC diz que veto presidencial ao PL 3447/20 ocorreu por apoio a um projeto mais abrangente, porém, propostas têm focos diferentes; professora da UFSC comenta

Na última quarta-feira, próximo à meia-noite, o Ministério da Educação (MEC) postou um vídeo em suas redes sociais, em que “explica” os motivos que levaram Bolsonaro a vetar o PL da Conectividade (PL 3477/20). A pasta faz comparações com outro projeto (PLC 142), do MEC, que institui a Política de Inovação Educação Conectada, que seria mais abrangente do que o vetado pelo presidente e, por isso, receberia apoio do governo federal. 

Proposto pelo Ministério da Educação em 2017, durante o governo Temer, o projeto de lei foi aprovado pela Câmara em 2018 e segue parado no Senado desde fevereiro de 2019. Porém, enquanto o PL da Conectividade visa à garantia de acesso à internet e de equipamentos para professores e alunos de baixa renda – possibilitando que que alunos possam acompanhar as aulas remotas –, o projeto apoiado pelo MEC tem o objetivo de aumentar a infraestrutura nas escolas públicas. Portanto, esse último projeto não muda a vida dos estudantes e professores que seguem sem aulas presenciais por causa da pandemia. Tratam-se, então, de propostas distintas.

Veto presidencial

O presidente Jair Bolsonaro (sem partido) vetou integralmente na última semana o projeto de lei da Conectividade, da Câmara dos Deputados, que previa R$ 3,5 bilhões da União para que as Secretarias de Educação de estados, Distrito Federal e municípios pudessem garantir acesso à internet para alunos e professores das redes públicas de ensino durante a pandemia. Relatora do projeto, a deputada Tábata Amaral (PDT-SP) afirmou que a lei beneficiaria 18 milhões de estudantes e 1,5 milhão de professores. Os beneficiários seriam os alunos pertencentes a famílias inscritas no Cadastro Único para Programas Sociais do Governo Federal (CadÚnico) e os matriculados em escolas de comunidades indígenas e quilombolas. Quanto aos professores, seriam contemplados os de todas as etapas da educação básica.

A deputada Tábata Amaral (PDT-SP), relatora do PL da Conectividade, respondeu ao veto em sua conta no Twitter, dizendo que o MEC ou está mentindo, ou não leu o projeto vetado, visto que tratam de temas diferentes. “O MEC, ao invés de investir no acesso à educação, gastou recursos públicos para fazer um vídeo oficial com erros graves!”, escreve a deputada, que é uma das apoiadoras da Política de Inovação Educação Conectada, e defende que ambos os projetos são importantes para a Educação brasileira.

O PL 3447/20 é de autoria do deputado Idilvan Alencar (PDT-CE) e outros 23 parlamentares, e foi aprovado em dezembro. O texto previa que os recursos viriam do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (Fust), entre outras fontes. Entre as justificativas para o veto, Bolsonaro alegou uma questão técnica: faltou a estimativa de impacto da medida no Orçamento da União. Também usou como argumento o aumento da rigidez orçamentária que o projeto acarretaria e, consequentemente, o aumento da dificuldade em cumprir a meta fiscal. Bolsonaro ainda alega que seu governo já emprega esforços para melhorar a contratação de internet de banda larga para as escolas públicas. 

Para professora da UFSC, governo se nega a dar acesso à educação

Para a professora de Educação e Mídias da Universidade Federal de Santa Catarina e coordenadora do Programa de Pós-graduação em Educação (PPGE/UFSC), Andrea Lapa, o veto presidencial é um absurdo, uma vez que o governo retira a possibilidade de investimento de um dinheiro que já era previsto para isso, por meio do Fust. “O governo federal neste momento de pandemia se negar a dar mínimas condições de acesso às pessoas à educação, é uma barbárie. É assinar embaixo que quem tem dinheiro e está nas escolas particulares, pode ter educação, e quem não tem dinheiro, que se dane”. 

Andrea ressalta que a inclusão digital é uma meta antiga, mas que sofre com a falta de investimentos. Para ela, isso ficou ainda mais evidente na pandemia, contexto que exigiu que a comunicação e a educação fossem feitas por meio da tecnologia.

Como complementa a professora, promover uma educação na cultura digital envolve também fornecer uma educação crítica, para que os alunos sejam autores e produtores de conteúdos, pautando uma participação nas redes sociais enquanto cidadãos ativos, e não apenas consumidores. “Isso também ficou evidente com a pandemia: não basta o professor saber acessar o moodle, saber ligar uma webcam, e continuar dando aula expositiva. Isso não é uma pedagogia adequada à cultura digital, e não dá conta do que é a demanda educacional contemporânea”, ressalta Andrea. Mas fornecer a estrutura necessária para essa modalidade de ensino é um primeiro passo fundamental.

Segundo apurou o Estadão, das 56 milhões de crianças e jovens que estudavam no ensino básico e superior no auge da pandemia, em agosto de 2020, 32,4 milhões passaram a ter aulas remotas. Desse total, entre os alunos da rede pública que tinham aulas virtuais, 26% não tinham acesso à internet, por falta de condições financeiras de suas famílias. Os dados são do Instituto DataSenado. 

Para o Conselho Nacional de Secretários da Educação (CONSED), em nota pública, essa seria a primeira ação importante realizada pela União para a área da Educação desde o início da pandemia. “Não fosse o esforço de estados e municípios até aqui na oferta de ferramentas para garantir a aprendizagem no período, os danos teriam sido ainda maiores”.

O veto de Bolsonaro ao PL da Conectividade será analisado pelos deputados e senadores, em sessão conjunta do Congresso Nacional, ainda sem data. São necessários, no mínimo, 257 votos na Câmara dos Deputados e 41 no Senado para derrubar um veto presidencial.

Imprensa Apufsc, com informações de Agência Câmara de Notícias e Estadão.