Agulhas e agulhadas

*Por Raul Valentim da Silva

Li com muita preocupação uma reportagem do jornal O Estado de São Paulo, publicada no dia 11 de janeiro de 2023, intitulada “Recusa de pais à vacina da covid para filhos sobe 56%”. Relata o aumento da hesitação dos brasileiros entre 2021 e 2022, na contramão do que ocorre em outros países. A análise feita pelo instituto Isglobal, de Barcelona, envolve dados levantados em 23 países que detêm mais de 60% da população mundial.

Segundo os dados do Isglobal, enquanto nos outros países a disposição dos pais para vacinar seus filhos aumentou de 67,6% para 69,5% entre 2021 e 2022, a hesitação dos pais brasileiros subiu, no mesmo período, de 8,7% para 13,6%. Esta constatação pode ajudar a explicar a baixa cobertura vacinal contra covid entre as crianças brasileiras. A referida reportagem menciona que, enquanto entre os adultos 80% estão com esquema primário completo (duas doses), entre as crianças, somente 39,5% estão totalmente imunizadas.

Minhas preocupações crescem na medida em que outros dados divulgados no Brasil mostram um acentuado recuo na vacinação das crianças não apenas contra a covid, mas também para diversas outras graves enfermidades. Como avô e professor aposentado de Estatística, passo a levantar algumas suspeitas a respeito deste comportamento brasileiro aparentemente irracional.

Como a vacinação contra a covid demorou muito a acontecer, lembro da satisfação das pessoas quando o processo começou. As fotos das agulhadas eram divulgadas nas redes sociais. Os veículos de comunicação aproveitaram o entusiasmo para associar a vacinação da covid com injeções e com as picadas. Na medida em que a vacinação alcançou a grande maioria da população, o entusiasmo pelas agulhadas certamente arrefeceu na população.

No entanto, na televisão, o festival de picadas se intensificou e alcançou todos os canais passando a ter, a meu ver, um caráter sensacionalista. Quando a vacinação chegou às crianças, o festival de agulhadas não poupou os pequenos. Como avô sinto angústia quando vejo o sofrimento deles. Os pais e especialmente as mães também devem sofrer bastante. Mesmo em campanhas publicitárias para estimular a vacinação das crianças, as desnecessárias injeções e picadas estão presentes. O próprio site da Diretoria de Vigilância Epidemiológica de Santa Catarina (Dive-SC) mostra a cena de uma criança sendo agulhada.

Encaminhei em 12 de janeiro de 2023 sugestão à Dive-SC para que patrocine uma campanha junto aos meios de comunicação e especialmente às redes de televisão para parar com a divulgação das agulhadas nas crianças. O Zé Gotinha foi um sucesso que merece ser replicado. As injeções são necessárias, mas suas imagens não devem ser usadas se forem, como acredito, altamente prejudiciais para promover uma melhor cobertura vacinal da população brasileira e principalmente das crianças que ainda não dispõem de um sistema imunológico suficientemente desenvolvido.

*Raul Valentim da Silva é professor aposentado