Evasão estudantil: Desmotivação e dificuldades financeiras são travas à permanência de estudantes na UFSC

Em 2022, foi constatado que 8.235 deixaram a instituição, resultando num índice de evasão de 15,62%. Taxa começa a melhorar, mas ainda preocupa

Durante o ensino remoto entre 2020 e 2021, devido à pandemia de covid-19, as universidades públicas brasileiras tiveram que lidar com uma taxa significativa de evasão estudantil. De acordo com dados mais recentes do Censo da Educação Superior do Ministério da Educação (MEC) e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), em 2021, a taxa de evasão nas universidades públicas ficou em 9,4%, o que representa 165 mil graduandos. 

Na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), entre 2020 e 2021, o número de estudantes que evadiram foi 3.498, representando um índice de 2,68% de evasão. Segundo a pró-reitora de Graduação, Dilceane Carraro, a taxa de evadidos poderia ter sido maior se não fosse pela disciplina ZZD-2020. Também conhecida como “disciplina fantasma”, a ferramenta foi instituída como uma alternativa para frear o avanço do abandono estudantil e manter estudantes matriculados na instituição. “A ZZD-2020 matriculava de forma automática os alunos que não estavam acompanhando as aulas, mantendo o discente na instituição”, explica a pró-reitora.

Com a retomada do ensino presencial, no primeiro semestre de 2022, a disciplina ZZD-2020 foi extinta e gradativamente a taxa de evasão foi aumentando. Por meio de um levantamento feito pela Pró-Reitoria de Graduação (Prograd), em 2022, foi constatado que dos 52.717 alunos matriculados na instituição, 8.235 saíram da UFSC, resultando num índice de evasão de 15,62%.  

Segundo a pró-reitora de Graduação e Educação Básica da UFSC, a situação melhorou a partir do segundo semestre de 2022, quando a taxa de abandono voltou à casa dos 6%.

Em maio de 2023, a UFSC anunciou a abertura de processo seletivo de transferências e retornos para admissão nos cursos de graduação, com ingresso a partir do segundo semestre. O número de vagas chama atenção: são 6,1 mil, distribuídas entre transferência interna e externa, retorno por abandono e retorno de graduado, e candidatos do vestibular.

Causas da evasão estudantil

Para professora Regina Célia Franco, mestra em Métodos e Gestão de Avaliação pela UFSC e autora do artigo “Modelo para avaliar a probabilidade de evasão de cursos de uma instituição federal de ensino superior (IFES)”, as dificuldades de permanência estudantil encontradas durante o ensino remoto são diferentes dos entraves presentes no ensino presencial. 

Ela explica que durante as aulas a distância, estudantes tiveram que lidar principalmente com a falta de socialização e a ausência de equipamentos digitais para o acompanhamento das atividades. Já no ensino presencial, as principais causas de evasão estão relacionadas à desmotivação para continuar os estudos e às dificuldades financeiras em se manter na instituição. “Para o estudante, pode haver uma predisposição a evadir por conta da falta de organização dos estudos e dificuldades de aprendizado acerca das disciplinas daquele curso”, Franco complementa, e ressalta:

“Esse cenário pode se agravar com a precariedade de estrutura das instituições de ensino superior e a falta de programas de assistência estudantil”.

Thiago de Freitas mora em Joinville, ingressou na UFSC em fevereiro de 2021, e chegou a cursar três semestres de Jornalismo de forma remota. Neste período, ele sentia mais facilidade em acompanhar as aulas, uma vez que eram mais curtas e gravadas, e o prazo para entrega dos trabalhos costumava ser mais flexível. No início de 2022, ele começou a trabalhar como auxiliar financeiro e teve dificuldades em conciliar os horários do novo emprego com os estudos. 

Após ser anunciado o retorno das aulas presenciais, em abril de 2022, o jovem optou por trancar a matrícula. Fatores como a distância de quase três horas de Joinville até Florianópolis, a estabilidade no novo emprego e o período diurno do curso, que o impossibilitava de conseguir um trabalho, pesaram para que ele não desse continuidade aos estudos. “Quando estava no remoto eu conseguia entregar os trabalhos, consultar os materiais, e de alguma forma acompanhar o conteúdo passado, mas no presencial, ou você está ali ou não está, e essa indisponibilidade me fez trancar a matrícula”, ele conta.

Se para Thiago a distância até a capital e a falta de tempo diminuíram o interesse em continuar os estudos, para Louizi Ferreira, de 22 anos, natural de Lajedão, na Bahia, foram as dificuldades financeiras e psicossociais que a afastaram da instituição. A jovem está na terceira fase do curso de Relações Internacionais na UFSC, chegou a cursar um semestre de ensino remoto, e se mudou para Florianópolis, quando iniciaram as aulas presenciais, em abril de 2022.

A adaptação à nova cidade e ao ensino presencial foi um dos principais problemas. Os conteúdos ensinados pelos professores se acumulavam e geraram dificuldades para Louizi acompanhar e se organizar. “Eu acabei entrando em colapso de tanta informação e problema que tinha, e por isso eu decidi trancar algumas disciplinas para conseguir ter tempo para me estabilizar emocionalmente”, explica.

A estudante baiana é autista e é diagnosticada com depressão. Por ser oriunda de uma família de baixa renda e não ter tido acesso a uma educação de qualidade durante o ensino médio, os problemas durante a graduação se agravaram ainda mais. 

A professora Regina Célia Franco explica que além dos fatores financeiros, há questões psicossociais que podem levar o estudante a casos de trancamento ou evasão. Ela explica que, para o aluno com quadro de depressão, pode ser inviável dar continuidade aos estudos por conta da pouca adesão e motivação. 

Ela enfatiza que se faz necessário o apoio e auxílio da coordenação do curso em casos como o de Louizi. “É importante acompanhar esse tipo de aluno, porque, uma parte relevante da pesquisa que realizei é que a maior parte dos alunos que trancaram, não volta mais”, afirma.

Para Louizi, o ensino presencial está sendo um choque de realidade social, uma vez que muitos dos seus colegas têm uma condição financeira melhor e são bilíngues, enquanto que ela depende dos auxílios ofertados pela universidade e nunca teve acesso a cursos de idiomas. A estudante ainda sente que os professores tornam o ensino das disciplinas inacessíveis para alunos de baixa renda por conta dos textos passados em línguas internacionais. “Houve momentos em que eu quase voltei para casa, porque sentia que o curso de relações internacionais era algo muito elitizado e não era para mim”, conta Louizi.

Combate à evasão dos estudantes

Tendo em vista o aumento dos casos de evasão após o retorno das aulas presenciais, a pró-reitora de Graduação da UFSC, Dilceane Carraro, reconhece o problema e busca formar uma comissão de enfrentamento à evasão estudantil. Ela explica que atualmente os dados são levantados pelo sistema de Controle Acadêmico da Graduação (CAGR), e ele engloba cenários de abandono, desistência, transferência, troca de curso ou de turno e cancelamento de matrícula como evasão. 

A falta de precisão do sistema e ausência de um perfil real do estudante que evade da instituição são problemas que a Prograd está resolvendo com a criação da comissão setorial. “Tendo uma maior exatidão desses dados e traçando o perfil desses alunos, iremos visualizar melhor o atual cenário, para que assim possamos melhorar os nossos programas de permanência”, explica.

Dilceane Carraro, professora do curso de serviço social da UFSC e pró-reitora de Graduação da UFSC (Foto: Laura Miranda/Apufsc)

Dentre as iniciativas de permanência, a pró-reitora destacou o Programa Institucional de Apoio Pedagógico aos Estudantes (Piape), e os programas de assistência estudantil. Ofertado pela Prograd, o Piape visa atender às necessidades de aprendizagem de estudantes e oferecer orientação pedagógica por meio de grupos de aprendizagem e atendimentos individuais. Ela explica que, neste ano, houve um aumento no número de tutores de 25 para 35, o que possibilitou ampliar as ações ligadas às oficinas de apoio estudantil. 

Além da Prograd, a Pró-Reitoria de Assuntos Estudantis (Prae) disponibiliza programas de assistência estudantil como os auxílios moradia, bolsa estudantil e a isenção alimentar. Entre 2019 e 2021, estes programas, que são fomentados pelo Programa Nacional de Assistência Estudantil (Pnaes) e ajudam financeiramente os alunos de baixa renda, tiveram o orçamento reduzido em 18,3% nas universidades federais brasileiras, de acordo com a Associação Nacional dos Dirigentes de Instituições Federais (Andifes).

Eficácia das bolsas de assistência estudantil

Segundo Dilceane, mesmo com a diminuição do orçamento, não houve uma redução no número de bolsas ofertadas na UFSC. Entretanto, não foi possível ampliar a quantidade de estudantes beneficiados pelos programas de permanência, e situações de atraso ou adiamento dos pagamentos dos auxílios estudantis se tornaram recorrentes, o que gerou um cenário de instabilidade. 

A falta de reajuste nos valores dos auxílios de permanência estudantil são sentidos por Louizi, que depende da bolsa estudantil, auxílio moradia e isenção alimentar para se manter em Florianópolis. Morando na cidade há mais de um ano, ela ainda se vê em situações difíceis para equilibrar as contas e suprir todas as necessidades que possui. “Houve momentos em que tive que escolher se tomava café da manhã ou comprava meus medicamentos, porque o valor da bolsa era insuficiente para arcar com tudo”, lembra a estudante.

Para este ano, Dilceane explica que, com o orçamento recomposto, foi possível aumentar as bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Estágio (Pibe) e o valor das bolsas do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica (Pibic). “Apesar da melhora nesse novo orçamento, os valores ainda são muito baixos e precisam aumentar para que haja maiores condições de permanência dos estudantes”, afirma a pró-reitora.

Com o preço médio da cesta básica em Florianópolis chegando a R$ 746,95, segundo o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), e o preço médio do aluguel em Florianópolis registrando R$ 45,77 por metro quadrado, de acordo com dados da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipezap+), as bolsas e auxílios de permanência estudantil se tornam pouco eficazes em uma região de alto custo de vida.

Filipe Melo
Imprensa Apufsc