Gabriela Marques: “Não dá para a gente fazer educação só com uma perspectiva”

Atuando como docente substituta no Centro de Ciências da Educação, Gabriela também tem estudos no campo das questões de gênero

“Nosso papel enquanto professores não é chegar lá com a verdade, é aprender a construir um diálogo de maneira menos violenta, com mais possibilidade de escuta”, afirma Gabriela Miranda Marques sobre sua atuação como docente. Carioca que mora em Florianópolis há quase 20 anos, ela é, atualmente, professora substituta no Centro de Ciências da Educação (CED) da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Ministra a disciplina de Organização Escolar, comum a todos os cursos de licenciatura.

Gabriela se formou na UFSC e hoje é professora (Foto: Arquivo pessoal)

Gabriela é egressa da UFSC. Ela fez sua graduação, mestrado e doutorado em História, no Centro de Filosofia e Ciências Humanas (CFH). Antes de ingressar no corpo docente da universidade em que construiu sua carreira acadêmica, Gabriela estava como professora substituta no Departamento de História da Universidade do Estado de Santa Catarina (Udesc). Ela também atuou, durante um período, na rede municipal de São José.

Seu interesse pela docência foi despertado ainda durante o ensino fundamental. Inspirada por uma professora de História que “tentava fazer da sala de aula um lugar prazeroso, no sentido de que a gente quisesse estar um pouquinho ali com ela naquele espaço”, Gabriela decidiu cedo que gostaria de seguir o mesmo caminho. Ela, que se diz péssima com nomes, ainda se lembra de Margarida. A docente reflete que esse impacto tem a ver com a forma como sua antiga professora conseguia despertar nos alunos a vontade de estar na escola, ainda que nem sempre esse seja um interesse das crianças.

Gabriela se recorda que Margarida “conseguia fazer daquele espaço num espaço de desejos, de a gente querer estar ali porque queria saber o que ela ia fazer naquele dia, o que ela ia trazer pra gente. Isso é algo que me inspirou.”

Essa é uma abertura que, hoje em dia, como professora, a própria Gabriela procura levar para a sala de aula. Ela diz se inspirar em bell hooks – autora, professora e ativista estadunidense – para tornar a sala de aula um espaço de comunidade. A docente preza pela escuta compartilhada em todas as disciplinas que ministra. “Não sou senhora de todo o conhecimento, os estudantes são dotados de vários conhecimentos outros que precisam estar em diálogo para fazer a educação”, afirma.

“Não dá para a gente fazer educação só com uma perspectiva, né? Então que a gente crie, na sala de aula, um espaço de diálogo, e de afeto mesmo, para poder se comunicar, compartilhar e aprender coletivamente. Eu aprendo muito.”

Nesse sentido, a representatividade é importante na construção acadêmica da docente. Participando ativamente de movimentos coletivos desde muito cedo, Gabriela entende a educação como um espaço atravessado pela política. Ela entrou para o Grêmio Estudantil durante o sexto ano do ensino fundamental e, ao longo da graduação, atuou nos movimentos estudantis da universidade. Esse histórico, conta Gabriela, influenciou a sua percepção da educação como uma escolha de transformação na sociedade. “Não dá para transformar tudo, mas alguma coisa a gente vai semeando no caminho”, reflete.

“Educação não se faz só com mentes, se faz com corpos”, diz a professora sobre a representatividade LGBTQIA+ na universidade. Gabriela é lésbica e conta já ter sido procurada por alunas que falavam sobre como é bom se reconhecer dentro do espaço universitário, e de enxergar a “possibilidade de outras formas de existir na universidade.” Ela diz que, em muitos departamentos, não há sequer uma pessoa da comunidade, e relaciona esses dados à “impossibilidade, algumas vezes, de reconhecimento.”

“Se a educação se faz com pertencimento ao espaço da universidade, e a gente é atravessada por esse ‘enxergar a possibilidade de fazer’, esse horizonte de expectativa, o ‘não enxergar’ também faz haver a falta de horizonte”.

Diante disso, Gabriela faz questão de incluir discussões de gênero e sobre a heteronormatividade em todas as suas disciplinas. Para a docente, é importante que isso não faça parte apenas de quem ela é como pessoa, mas também dos conteúdos que coloca em sala de aula. Ela cita a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), “que diz que a diversidade é um dos princípios e das finalidades da educação brasileira.”

Entre a extensa lista de disciplinas que já ministrou, a professora cita desde matérias de estágio até diferentes temas da História. Seus estudos no campo acadêmico, no entanto, são bastante especializados em questões de gênero. Gabriela é vinculada ao Laboratório de Estudos de Gênero e História (LEGH), do CFH, do qual faz parte desde que era graduanda. Nesse percurso, estudou, por exemplo, as relações dos movimentos feministas e os tensionamentos com a Igreja Católica durante o período da ditadura militar. O interesse pelos estudos acadêmicos foi algo que surgiu apenas durante sua graduação, mas que a acompanhou durante todo o processo de mestrado e doutorado. Antes disso, seu objetivo era o de atuar como professora.

Mesmo com todos os seus anos de estudo e experiência, Gabriela ainda relata a forma como, muitas vezes, ainda não é reconhecida como professora no ambiente universitário. Sendo uma mulher jovem, com menos de 40 anos, ela acredita que sua idade, gênero e sexualidade sejam os motivos por trás desses olhares. “É interseccional, não é isolado, né? Esse olhar de ‘será que a pessoa é capacitada para fazer isso? Será que é o lugar dela?'”, relata.

“Em alguns momentos é muito mais importante eu ser uma professora lésbica do que em outros”, diz Gabriela. Ela ressalta a importância de entender a fluidez das identidades, pelas relações de encontro e desencontro com outras pessoas. A professora ainda destaca que o espaço de reafirmar essas questões não deve ser o único lugar que a comunidade LGBTQIA+ ocupa na universidade. “A gente precisa ter também o direito de construir a partir de outros lugares. Trazer outros temas, fazer outras coisas”, conclui.

“Que seja de fato um tema a ser pensado por todos e todas. Não só por uma parcela da comunidade que já é oprimida, que já sofre um monte de coisa, e que é obrigada, ainda, a comprar as lutas”.

Laura Miranda
Imprensa Apufsc