Festa estranha, gente esquisita

*Por Fábio Lopes da Silva

Como quase todo mundo, aproveitei a vida na juventude. Frequentei muitos folguedos nada republicanos. Nunca usei drogas ilícitas, mas bebi um bocado. E fiz algumas das bobagens típicas de quem tem o álibi de não dispor de um córtex pré-frontal inteiramente formado para chamar de seu.

Por tudo isso, nutro enorme simpatia pela ideia de permitir a realização de festas no campus. Florianópolis é uma cidade hostil a opções baratas de lazer noturno, e bem sabemos que a maior parte do público atendido pela universidade vende o almoço para comprar o jantar. O P12 não cabe em seus orçamentos domésticos.

A verdade, contudo, é que não temos a menor condição de sediar esses eventos. Não há na UFSC nenhum espaço adequado para recebê-los. Para terror de quem mora nas vizinhanças da instituição, falta isolamento acústico, assim como faltam condições mínimas de segurança aos frequentadores das festas.

Com a deterioração dos prédios e equipamentos da UFSC, a chance de ocorrer um acidente grave – regado a álcool e outros bichos – aumenta consideravelmente. Some-se a isso o fato de que, embora os organizadores das festas geralmente cumpram os acordos feitos com diretores de centro quanto a horário de encerramento e limpeza dos ambientes utilizados, legiões de rapazes e moças sem vínculos nem compromisso com a universidade acabam acorrendo às festas e se apropriando delas. O que era para ser um acontecimento ao menos relativamente controlado prolonga-se ad libitum clandestinamente.

O resultado são brigas frequentes, depredação do patrimônio público, violação da lei do silêncio, sujeira para todo lado, etc.

Como diretor do CCE, autorizei várias festas organizadas por estudantes da Casa, mesmo que ao preço de alguns dissabores e de justos protestos da Secretaria de Segurança Institucional, cujo escasso contigente dá tratos à bola para atender as múltiplas ocorrências que agitam as madrugadas no campus. Desde a semana passada, parei, no entanto, de emitir essas autorizações.

Os muitos danos deixados pela última HH a contar com minha anuência foi, para mim, a gota dágua. A UFSC é uma instituição em frangalhos. Precisa de cuidado, não de mais destruição e desapreço pelos seus equipamentos.

Mas o problema maior das festas nem é o rastro de vandalismos que elas deixam atrás de si. Tudo isso é café pequeno perto do fato de que as baladas de fim de semana estão transformando o campus em uma praça aberta ao consumo de drogas. Algo assim não pode ser tolerado em lugar algum, mas é ainda mais repugnante quando ocorre em uma instituição pública e pedagógica, à vista de todos, ainda que, como a Jasmine de Blue Jasmine, a maioria prefira “to look the other way.”

Aviso aos incautos: não estamos falando apenas de drogas conhecidas, que, embora perniciosas, costumam contar com a condescedência ou mesmo a simpatia das pessoas, principalmente as ditas progressistas. As substâncias que circulam na UFSC são, em muitos casos, poderosos e perigosos alucionógenos, que embalam viagens lisérgicas por horas – às vezes dias – a fio. Está escrito nas estrelas que isso acabará muito mal.

Recentemente, a Reitoria organizou um audiência pública sobre as festas na UFSC. Apesar de a imprensa oficial na universidade alardear o sucesso da iniciativa, o fato é que muito pouca gente estava presente na discussão. Vamos combinar: isso não passa de uma encenação de democracia – um assembleísmo que, a par de desprestigiar os fóruns legalmente constituídos na UFSC para apreciar as pautas universitárias (dos quais o CUn é o principal), cria frequentemente a ilusão de que aquilo que deveria ser simplesmente cancelado pode ser resolvido com uma boa conversa e contribuições da comunidade (existe exercício mais divertido qo que dar palpites em matérias cujas consequências jurídicas e responsabilidade civil recairão sobre terceiros?)¹.

Foi assim no caso do teletrabalho e da jornada de 6h, um projeto com certeza deletério para a instituição que, no entanto, foi supostamente legitimado por audiências públicas, a ponto de ser implementado sem que jamais tivesse discutido no CUn. Ora, está sendo também assim no caso das festas: um blablablá sem fim eclipsa o fato de que ninguém quer colocar o guizo no gato e admitir o fato autoevidente de que, infelizmente, a UFSC não tem como comportar festas noturnas, ponto final.

O curioso é que, ao mesmo tempo, não se faz o menor esforço institucional para encontrar formas de conter as terríveis forças de dispersão que hoje levam professores e TAEs a querer permanecer o menor tempo possível no câmpus, estudantes a procurar cada vez menos os nossos cursos, a se evadir, a não apostar nos ambientes da UFSC como um palco rico para a vida social e as atividades extracurriculares.

Fala-se muito sobre as madrugadas no campus, e nada sobre o que deveria nos interessar antes de mais nada: o que se passa na UFSC à luz do dia.

¹Em tempo: a proposta de audiências públicas na UFSC nasceu em algum ponto da hoje quase metafísica década de 1990, no programa de campanha para reitor de Nildo Ouriques e Sônia Lauz. A modéstia não me impede de dizer que foi uma sugestão minha. Mas a ideia era que esses eventos se prestassem exclusivamente à prestação de contas do reitor, não uma tentativa de substituir a democracia na UFSC – que é representativa – por um simulacro de democracia direta.

Fábio Lopes da Silva é diretor do CCE/UFSC