UFSC adoecedora

Por Marcela Veiros*

A UFSC é uma instituição com uma força intrínseca imensa, mas não funciona sem a gestão e o trabalho de seus servidores – docentes e técnicos. Creio que a potencialidade da universidade ainda é muito pouco explorada. Me arriscaria a dizer que apenas 20% de tudo o que ela pode produzir, inovar e diversificar é feito e aproveitado, e isso por si só já é triste.

Uma ilusão que eu já tive, mas ainda luto para manter, é achar que a universidade seria um ambiente saudável e correto em suas ações, nos diferentes níveis hierárquicos. Na minha cabeça funcionava assim: a universidade é um local que reúne um “seleto” grupo de pessoas com elevada formação acadêmica – que se traduz em um imenso privilégio quando comparado à triste desigualdade social e educacional de nosso país – e por acreditar no imenso poder suscitado pela educação para uma vida melhor em sociedade, ingenuamente acreditava que seria um ótimo ambiente de trabalho. 

Já trabalhei em outras universidades, e claro, apesar das peculiaridades de cada uma, foram locais menos nocivos, muito menos abusivos. Já ouvi isso de muitos colegas, de diferentes departamentos e centros. A UFSC tem se tornado cada vez mais perniciosa aos servidores que querem trabalhar correta e adequadamente. Eu arriscaria dizer que ela é aflitivamente adoecedora. 

Ela é adoecedora aos que se dedicam para que tudo seja feito corretamente, dentro do que é estabelecido pela legislação universitária e do servidor público. Ela é adoecedora para quem cumpre as regras e espera que elas sejam seguidas. Ela é adoecedora para quem dá o seu melhor e, além de não ser valorizado por isso, é penalizado por fazer o que deve ser feito, da maneira que deveria ser feito, ou ainda, é perseguido e punido para aprender a não questionar ou confrontar os “mais fortes”. Ela é adoecedora, pois, mesmo quando você deseja fazer algo, tem idéias, propõe sugestões e inovações, as pessoas que poderiam colaborar ou autorizar para serem viabilizadas, ignoram, fazem pouco caso ou simplesmente negam ajuda, pois envolver-se exigiria algum esforço, mesmo que mínimo. 

Essas situações tão corriqueiras geram sentimentos de indignação, revolta e raiva, que vão nos chateando, aborrecendo e adoecendo. Os que não desistem de lutar por ética, isonomia e justiça, e insistem em enfrentar as iniquidades, inadequações e desajustamentos, vão adoecendo, pois sentem-se “sozinhos” lutando por um local de trabalho melhor contra forças maiores e inabaláveis; onde a politicagem não seja o critério base utilizado; onde os conchavos e favorecimentos não sejam tão explícitos; onde posturas inadequadas, procedimentos incoerentes ou sem legalidade não sejam feitos de forma tão deslavada. 

Conheço muitas pessoas decepcionadas e adoecidas pela UFSC, ou seria pelo que foi e continua sendo feito com a UFSC? Sabem o que acontece quando as pessoas se cansam e desistem de lutar, por suas forças terem se esgotado? Elas se afastam, deixam de se envolver, em uma tentativa de autopreservação e recuperação, principalmente, de sua saúde mental.

Para aqueles que não se importam se o que se faz na instituição está certo ou errado; que usufruem de privilégios ou benefícios indevidos; que não se preocupam com a legalidade devido a impunidade latente; que fecham os olhos para as inadequações visando evitar incômodo; que fingem não ver ou não sentir o machismo estrutural e a ausência de isonomia adotada nos diversos setores e níveis, a UFSC é realmente uma maravilha e talvez o melhor local para se trabalhar.

Há ainda um segundo grupo, que acredita que na UFSC tudo corre muito bem; é o grupo completamente alheio à instituição. Esse grupo é composto por pessoas que não se envolvem com a universidade; sequer sabem quem ocupa o cargo de reitor e vice-reitor, ou de direção do centro; não sabem os critérios para as “consultas informais” ou eleitorais que acontecem na UFSC, no seu centro ou em seu próprio departamento; não possuem planos nos quais o benefício individual não seja prioritário; não querem assumir responsabilidades com cargos de gestão – mesmo a gestão sendo inerente à atuação docente; nem sequer se importam, ajudam a combater ou se posicionam ao presenciar o machismo e a misoginia, saber sobre os assédios moral e sexual que acontecem com seus colegas de departamento, centro e instituição há décadas, sem a devida punição que compete à maior autoridade executiva da universidade.

Neste mês de agosto completo 13 anos como docente da UFSC. Ainda tenho muitos anos de trabalho pela frente na universidade a que eu quis voltar para trabalhar, pelo amor e carinho que sempre mantive por ela. Entre outros motivos, foi a instituição que me acolheu aos 18 anos quando vim sozinha de Marília, interior de São Paulo, para fazer o curso de nutrição, mesmo sem conhecer uma viva alma na cidade para pedir socorro em caso de emergência. Ela promoveu mudanças na minha vida graças a minha profissão – nutricionista, que amo e valorizo.

Escrevo isso como um desabafo, e para que aqueles que se sentem como eu saibam que não estão sozinhos. Há muito mais pessoas em sofrimento como você. Óbvio que devemos saber que a UFSC, com sua comunidade em torno de 50 mil pessoas, é uma fiel representação do nosso país. Não é apenas “em Brasília” que mora o problema, ele está entre nós, diretamente, diariamente. Brasília é aqui e em todos os locais, como diria Rita Lee, com “pessoas comuns, filhos de Deus, nessa canoa furada remando contra a maré”. 

Claro que ainda luto e mantenho a esperança, quase infantil –  como quem espera um dia receber o ovo de chocolate diretamente do coelhinho da Páscoa –  de a UFSC se tornar um local de trabalho bem melhor e menos adoecedor. Mas o que desejo de verdade, é que a UFSC possa ser holisticamente saudável, uma verdadeira Universidade Promotora de Saúde.

Costumo dizer à minha psicóloga e amigas próximas, que a UFSC é um hospício, mas com o triste diferencial de não ter equipe de saúde para diagnóstico, nem medicação para o tratamento dos pacientes. Se você se identificou e, assim como eu, deseja uma universidade melhor e um ambiente de trabalho mais saudável, manda uma mensagem para @prof._marcela_veiros no Instagram, e vamos criar um grupo que permita troca de experiências, nos fortalecermos e lutarmos por um local de trabalho melhor e mais saudável.

*Marcela Veiros é professora do Departamento de Nutrição (NTR/CCS/UFSC)