Motivos para a greve docente na UFSC não faltam!

*Por Astrid Baecker Avila e Giovanni Frizzo

A greve nacional da educação federal já está unificada e consolidada no país. Colegas TAEs na UFSC já estão em greve desde o dia 11 de março se somando a convocação da Fasubra; colegas TAEs e docentes que atuam nos Institutos Federais de Educação e CEFETs da base do Sinasefe entraram em greve no dia 3 de abril, incluindo colegas do IFSC e do IFC; dia 15 de abril se instalará o Comando Nacional de Greve docente das universidades federais em Brasília, convocados pelo Andes-SN, sendo que mais de 25 Instituições Federais de Ensino (IFE) já aprovaram a deflagração de greve e o número só aumentará nos próximos dias.

Os motivos para a greve nacional da educação federal são muitos e se referem ao descaso e desmonte da educação pública federal operada pelos governos nos últimos anos. Aqui, elencaremos alguns destes motivos que compõem a pauta unificada das entidades sindicais da educação federal:

1) Diminuição de orçamento para as universidades e a precarização das condições de trabalho

Desde muito tempo, estamos convivendo com os chamados contingenciamentos orçamentários que, na prática, se configuram como cortes de recursos para o serviço público. Tanto a Emenda Constitucional 95/2016 do governo Temer como o Arcabouço Fiscal do governo Lula,  tornaram permanentes esses dispositivos que diminuem drasticamente os recursos para direitos sociais, incluindo educação, saúde, previdência etc.

Para se ter ideia, de acordo com a própria Andifes: “o Projeto de Lei Orçamentária (PLOA) 2024 para as universidades federais já continha um orçamento menor, em valores nominais, do que o montante conquistado em 2023 com a chamada PEC da transição, que foi de R$ 6.268.186.880,00. Mesmo após diversas reuniões da Diretoria da Andifes com lideranças do Governo Federal e do Congresso Nacional, a redução se acentuou ainda mais na Lei Orçamentária aprovada, resultando no montante de R$ 5.957.807.724,00 para as universidades federais, ou seja, valor R$ 310.379.156,00 menor do que o orçamento de 20231.

E, mesmo com a diminuição do orçamento, seguimos convivendo com novos contingenciamentos para atender a meta fiscal de interesse dos grandes ricos. Há poucas semanas, o governo informou um novo corte de 2,9 bilhões de reais em vários setores, inclusive em Ciência e Tecnologia com o corte de 118 milhões de reais. Diversas pesquisas que são desenvolvidas na UFSC estão sendo impactadas, desde projetos aprovados e com orçamento indisponível como também de novos editais que não tem previsão de recursos. A produção do conhecimento no país sendo destroçada pelas medidas que servem para atender a elite empresarial, banqueiros e latifundiários.

Por conta desse desinvestimento, o semestre na UFSC começou com falta de docentes e TAEs, prédios e estruturas precárias para as atividades de ensino, pesquisa e extensão, diminuição de recursos e financiamento de pesquisas, salas de aula que alagam com qualquer chuva, departamentos que tem que fechar a entrada de turma por falta de docentes, dentre outros tantos problemas.

E cada dia mais nosso trabalho está sendo intensificado com atribuições diversas que até então não nos cabia. Passamos boa parte de nossa jornada preenchendo diversas plataformas e formulários, participando de comissões que sequer são registradas em nossa jornada. Aliás, docentes trabalham muito mais do que se pode registrar no PAAD!

2) Carreira docente e salário

A defasagem salarial e a desestruturação da carreira docente apontam um quadro cada dia mais difícil para a categoria. O governo apresentou uma proposta de reajuste salarial zero para este ano, sem apresentar nenhuma proposta para estruturação de nossas carreiras e que prejudica professores aposentados e pensionistas. Na mesa que ocorreu nesta semana (10/4), foi reafirmado pelo governo que não terá nenhum reajuste salarial em 2024, apenas condicionando aumento de valor de alguns benefícios (alimentação, saúde e creche) desde que as categorias assinem acordos aceitando não ter nenhum reajuste salarial e nem estruturação de carreira para este ano, uma chantagem enorme. Importante dizer que a revisão anual geral das remunerações de servidoras e servidores públicos está prevista, inclusive, na Constituição Federal art. 37, inciso X. Portanto, reajuste zero é inconstitucional!

O Fonasefe, que é o fórum que articula os sindicatos e federações do serviço público federal (em que fazem parte as entidades legítimas da educação federal) e centrais sindicais, desde o começo do ano passado já apresentou propostas e contrapropostas indicando reajuste de 22,71% divididos em 3 parcelas de 7,06% em 2024, 2025 e 2026. Enquanto isso, o governo já fechou acordos de reajuste salarial esse ano com servidores da Polícia Federal (22% de aumento salarial), Polícia Rodoviária Federal (27%), Polícia Penal Federal (60%), Banco Central (23%) e Auditores Fiscais (aumento de bônus de produtividade). E para demais categorias, a proposta do governo é ZERO.

Sobre a carreira docente, é fundamental compreendermos que, em 2012, o governo federal desestruturou completamente a nossa carreira e aprofundou a desestruturação em 2015. A compreensão central é que não temos uma carreira docente, nós temos uma TABELA REMUNERATÓRIA sem nenhum nexo de steps percentuais entre uma classe/nível e outro. Na tabela, se chega ao absurdo de que regimes de trabalho de 40h não tem remuneração que equivalha ao dobro de 20h, o que seria básico de qualquer cálculo matemático simples. 

Quando o regime de Dedicação Exclusiva foi criado, a motivação principal era de fixar docentes na carreira tendo as condições de desenvolver uma educação de qualidade, vinculos com a comunidade via trabalho extensionista e de engajamento científico da nossa comunidade acadêmica, dedicando assim, exclusivamente à Universidade, sem precisar buscar outros trabalhos para sobreviver. Por essa razão, se estabeleceu que o regime de 20h teria um piso, o dobro desse piso (100%) para o regime de 40h e a Dedicação Exclusiva teria um acréscimo de 210% do regime de 20h. Em 2012, o governo (junto com seu parceiro Proifes) desmontou toda essa lógica e estabeleceu uma tabela sem nenhuma relação entre regimes e classe/nível na carreira, inclusive indicando ao final das tabelas que o regime de 40h teria um acréscimo de 40% em relação à 20h e a Dedicação Exclusiva teria 100% do regime de 20h. Em 2015, essa lógica foi ampliada criando gratificações produtivistas que dificultam docentes da carreira EBTT de se afastarem para realizar mestrado e doutorado e chegarem ao topo da carreira. Reforçando, inclusive, a lógica de fragmentação da carreira docente que divide colegas que atuam na mesma instituição com carreiras distintas.

A desestruturação da carreira é tamanha que diferentes colegas de mesmo departamento ou área tem “carreiras” completamente distintas de acordo com o mês/ano de ingresso. Com uma diferença de remuneração muito grande e com o “pedágio” para quem ingressou a partir de março de 2013 que fica congelado no primeiro nível da carreira durante o estágio probatório.

3) Aposentadoria

Praticamente todos os governos, desde a promulgação da Constituição Federal de 1988, promoveram diversos ataques aos direitos de aposentadoria do povo trabalhador. Docentes e demais servidores públicos federais convivem com, no mínimo, três distintas formas previdenciárias dentro do regime próprio de servidores públicos (além de terem que cumprir com as regras gerais de aposentadoria) e essas diferenças impactam no cálculo da pensão a que docentes terão direito ao se aposentarem: quem ingressou até 2003, quem ingressou entre 2004 e 2013 e quem ingressou depois de fevereiro de 2013. Estes últimos, inclusive, já ingressaram no regime da previdência que prevê adesão voluntária à Funpresp que nada mais é do que um fundo privado de investimentos com aporte de recursos públicos para rentabilidade no mercado financeiro sem nenhuma garantia de que, ao se aposentar, o docente acessará o valor pago. Docentes que ingressaram de 2013 para cá, terão direito a pensão pelo teto do INSS. Imaginem que o docente chega ao topo da carreira – classe de titular – e, ao se aposentar, receberá uma pensão que equivale praticamente à 25% do salário na ativa. Ou seja, uma diminuição de remuneração muito grande para quem trabalhou durante a vida toda dedicando-se à educação pública desse país.

Para docentes da Educação Básica, como é caso de colegas que trabalham no Colégio de Aplicação, no Núcleo de Desenvolvimento Infantil, ou em Institutos Federais e Cefets, até mesmo a aposentadoria especial, na prática, não será possível de acessar na medida em que a reforma da previdência do Bolsonaro estabeleceu idade mínima para a aposentadoria especial de docentes da Educação Básica. Portanto, mesmo atingindo o período mínimo de 25 anos de contribuição previdenciária, ainda deverá atingir a idade mínima (57 anos para mulheres e 60 para homens), o que antes não era necessário.

E, ainda, para colegas que já se aposentaram a luta por respeito e direitos permanece! É preciso garantir o efetivo reenquadramento de docentes que se aposentaram antes de serem criadas outros cargos na carreira e que atendiam aos critérios estabelecidos quando da sua aposentadoria. Inclusive, na UFSC, pela auto-organização de colegas já aposentadas é que se tem avançado na luta por este reenquadramento (infelizmente sem nenhum apoio do sindicato que deveria representar a categoria).

Outra questão de colegas que se aposentaram que é pauta da greve nacional docente é pelo fim da contribuição previdenciária de quem já se aposentou! Sim, mesmo depois de se aposentar, docentes continuam a ter descontado em sua pensão a contribuição previdenciária. É mais um desrespeito à colegas que se aposentaram.

Essa proposta de atender a demanda do reajuste salarial via auxílios ainda agrava a situação dos docentes aposentados, que tem o seu salário corroído no período da vida que mais se necessita de recursos com a saúde, reconhecendo em parte a defasagem causada pela inflação somente dos professores da ativa.

4) Revogação de medidas que atacam o serviço público

O acumulado de pautas em defesa da universidade pública também se referem à questões de democracia das instituições de ensino. O governo Bolsonaro nomeou reitores interventores em mais de 20 universidades e institutos federais, um ataque frontal à democracia universitária. O governo Lula não revogou nenhuma destas intervenções do governo anterior, apenas se comprometeu a respeitar as próximas indicações realizadas pelas instituições. É preciso revogar a nomeação de todos os reitores interventores!

Revogar também todas as medidas do governo Bolsonaro que atacam o serviço público! E, ainda, confrontar qualquer tipo de Reforma Administrativa que vem sendo trazida pelo Congresso Nacional através da PEC32/2020 ou mesmo das propostas do governo federal de apresentar um novo tipo de reforma administrativa. Bem sabemos que nenhum destes setores tem respaldo para tais modificações na estrutura que garante serviço público de qualidade e acesso aos direitos sociais para a população deste país. E é este o nosso trabalho principal: garantir direitos para o povo trabalhador.

Por fim, a greve nacional unificada da educação federal já é uma realidade, são várias universidades e institutos federais que já estão em greve. Outras tantas que se somarão no processo de luta. Milhares de colegas estão lutando por nossos direitos, por este conjunto de pautas necessárias e pela valorização do serviço público e pela qualidade da educação federal.

Colegas docentes da UFSC, a pergunta que cada 1 deve fazer é: vou ficar indiferente enquanto os colegas do país inteiro lutam por mim ou vou me somar nessa luta que é por todos e todas nós?

Não podemos deixar que entidades ilegítimas negociem nossos direitos sem a nossa efetiva participação, como foi em 2012 e 2015, desestruturando completamente nossa carreira e nem fiquem nos enrolando, levando o movimento de deflagração da greve até maio, quando a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) vai para o Congresso, pois nesse caso nossa greve ao invés de ter o governo federal como interlocutor terá o Congresso Nacional. Precisamos ajudar esse governo a cumprir com suas promessas pois enquanto estamos calados os agentes do capital educacional internacional e financeirizado estão ocupando cada vez mais o MEC (haja vista a presença da Fundação Lemann) e demarcar em nossa luta que financiamento público deve ser exclusivamente para a educação pública estatal. Todas as diferentes formas de luta já foram buscadas desde o ano passado e nenhuma teve avanço. O governo só retomou mesas de negociação quando as greves foram deflagradas. Portanto, é GREVE porque a situação é GRAVE! E é AGORA!  Por nós, pelos que já passaram e pelas futuras gerações!

  1. Conferir em: https://noticias.ufsc.br/2023/12/andifes-divulga-nota-sobre-o-orcamento-das-universidades-federais-de-2024/ ↩︎

*Astrid Baecker Avila e Giovanni Frizzo são docentes do departamento de Estudos Especializados em Educação da UFSC