O astronauta

*Por Fábio Lopes

No dia 26 de novembro, aconteceu mais uma reunião do Conselho Universitário. 

Minha ideia era usar a sessão de informes para pedir ao reitor que prestasse explicações a respeito do atraso no processo de licitação de um novo plano de saúde para docentes e TAEs. 

Preparei-me para ser duro e incisivo. Afinal, 15 mil pessoas – inclusive idosos, crianças e pacientes em tratamento contínuo – dependem do serviço. Ocorre que, na hora H, recuei e fiz uma intervenção suave, aquém do que a grotesca irresponsabilidade da Administração Central no trato do tema merecia.

Havia um motivo para minha mudança de atitude. É que, um pouco antes de eu pedir a palavra, o Prof. Irineu tinha passado por um ritual de humilhação tamanho que submetê-lo a um novo constrangimento me pareceu demasiado. 

Estranhos tempos os que estamos vivendo: o líder incontestável da UFSC é alguém que, com perturbadora frequência, inspira pena nas pessoas.

Deixem-me, em todo caso, relatar o que sucedera. A reunião transcorria normalmente. Ou nem tão normalmente assim: a sala dos conselhos estava repleta de pessoas estranhas à composição do CUn, sem que estivessem formalmente autorizadas por nós a permanecer lá. 

A certa altura, uma delas interrompeu os trabalhos e começou a discursar a respeito do assunto que a trouxera ao recinto (e que até então nos era desconhecido). O reitor, por sua vez, tentou interrompê-la, mas foi ignorado. A alegação? De acordo com o manifestante, aquilo era uma “intervenção”, e uma intervenção não deve satisfações às regras da Casa. 

Impotente, o reitor simplesmente deixou o barco correr em silêncio. A pregação durou cerca de 15 minutos. Tão logo percebi que não haveria reação por parte do Prof. Irineu, retirei-me do recinto, para só voltar depois que aquela comédia de erros terminasse.

Na história da UFSC, não é a primeira vez que o Conselho Universitário é vilipendiado. Já houve até invasões truculentas em outros tempos, durante as quais conselheiros foram mantidos em cárcere privado. A novidade é que agora não é preciso usar a força das massas para enquadrar o reitor. Um único indivíduo é suficiente para colocar no bolso aquele que deveria zelar pela institucionalidade. 

É claro que isso tem a ver com características de nosso tempo e do ambiente em que circulamos. No campo progressista – ao qual pertence a maioria dos membros da comunidade universitária –, todo mundo quer bancar o bonzinho, o tolerante, o acolhedor. Qualquer reivindicação vinda de minorias ou de quem quer que se apresente como vítima das circunstâncias é recebida como fosse as Tábuas da Lei. Dizer ‘não’ mesmo as mais estúpidas, disparatadas ou inexequíveis exigências dos grupos de pressão ou mesmo dos exércitos de um homem só virou uma impossibilidade.

Mas não pode colocar tudo na conta da deplorável cultura organizacional e institucional da UFSC. Um reitor continua a ser um reitor, e ele precisa ser responsabilizado por isso. Se ele ocupa o cargo, é justamente porque os eleitores supõem – e porque ele mesmo se imagina – diferente dos outros, melhor do que nós. Entre as suas muitas atribuições, está a de transcender as condições em que vivemos, sem o que não pode nos liderar e nos ajudar a sair do labirinto em que nos encontramos.

Infelizmente, o Prof. Irineu já se mostrou completamente incapaz disso. A rigor, a sua covardia e a sua inação – como o seu silêncio aviltante em face do aluno que se insubordinou na sessão de terça-feira mais uma vez provou – são ainda mais gritantes do que a das pessoas comuns. 

Sabemos que ele sonhou a vida toda em se eleger reitor. Doutorou-se e se tornou professor para isso. Concorreu quatro vezes ao cargo, três delas sem sucesso. E agora que chegou lá está empenhadíssimo em se reeleger. O diabo é compreender por que ele é reitor. Não é possível que alguém em sã consciência queira continuar passando pelo que ele já viveu tantas vezes e voltou a experimentar na última reunião do CUn. Não é possível que alguém cultive o masoquismo a esse ponto. Não é possível que se sinta confortável em arrastar para o fundo do poço de sua própria inércia uma instituição em crise, que precisa desesperadamente de um adulto na sala

Uma coisa é ser gentil, conciliador, cavalheiresco. Outra coisa é aceitar o inaceitável, conquistar o poder para entregá-lo de bandeja ao primeiro aventureiro ou arrivista que se apresente à sua frente.

A única hipótese que me ocorre é a de que o Prof. Irineu quer ser reitor pela mesma razão por que as crianças desejam ser astronautas quando crescerem: não pelas enormes responsabilidades impostas pelo ofício – que, por óbvio, elas nem imaginam quais sejam –, mas pela roupa com o emblema da NASA, o capacete brilhante, as luzes que acendem e apagam. 

Resta saber se a universidade está disposta a permanecer com ele no mundo da Lua.

*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC

Artigo recebido às 14h03 do dia 27 de novembro de 2024 e publicado às 17h39 do dia 27 de novembro de 2024