Um ofício sem ossos

*Por Fábio Lopes

Não há mais como tapar o sol com a peneira: a UFSC está em franca decadência. 

O traço mais visível desse processo de deterioração é o estado deplorável de nossos prédios. Para quem conheceu o campus João David Ferreira Lima em outros tempos, a sensação é de angústia e desalento. Compreensivelmente, as pessoas vão perdendo a vontade de frequentar a instituição. Afinal, quem, em sã consciência, deixaria voluntariamente o conforto de sua casa para ingressar em ambientes carcomidos e insalubres? 

Impotente e sem ideias, o reitor assiste a tudo como se não fosse com ele. Nenhuma solução interna é proposta. Até parece que a universidade não está eivada de gargalos e problemas de gestão capazes de drenar quantidades industriais de recursos humanos e financeiros. E o pior é constatar que, quando o Prof. Irineu sai de sua impressionante letargia e resolve agir, é para render-se ao mais deslavado corporativismo eleitoreiro, como no caso da decretação indiscriminada de teletrabalho entre TAEs.

Ao assumir seu cargo, ele parece ter apostado todas as fichas em Lula. A esperança, salvo melhor juízo, era a de que o orçamento da Universidade fosse recomposto sem que, em contrapartida, precisássemos fazer qualquer esforço para nos tornar mais eficientes no uso dos bens públicos. 

Agora que ficou claro que o governo está completamente desinteressado da educação superior federal, tudo que lhe ocorre é sentar-se no meio fio e reclamar que não tem dinheiro para tocar as obras necessárias. A falta de iniciativa é tanta que ele não parece perceber que, quanto mais reclama, mais deprime as pessoas ou, alternativamente, mais incute nelas um silogismo perverso: “Se nem o PT nos acudirá, estamos ferrados. E se estamos ferrados, eu vou tentar me salvar individualmente, e seja o que Deus quiser.” 

Como diretor de centro, observo claramente o principal efeito desse chororô sem fim: o progressivo estiolamento moral da UFSC. Não é que as pessoas sejam naturalmente sórdidas. É que vai ficando cada vez mais fácil tomar decisões pouco republicanas quando não se oferece nenhuma saída coletiva para a vida da gente.

Vejam o que acaba de acontecer aos terceirizados de limpeza. Em uma gestão que não perde a oportunidade de falar em inclusão, o mínimo que se espera é que os mais excluídos entre os membros da comunidade universitária recebam tratamento condizente. Mas é exatamente o contrário disso que se apresenta. Enquanto o rame-rame sobre minorias é repetido em discursos para inglês ver, a UFSC atrasou repasses à empresa responsável pelos serviços de limpeza por dois meses. Resultado: os funcionários da referida empresa não receberam seus salários na data prevista neste mês. O pagamento só chegou ao bolso dos trabalhadores no dia 11 de fevereiro. 

Boletos vencidos, pensões alimentícias não honradas, compras de víveres e outras despesas urgentes tiveram que esperar. Imaginem o desespero dos envolvidos, uma gente que, caso os leitores não saibam, ganha em torno de 1,5 mil reais por mês. 

Antes que alguém recorra à eterna desculpa de que o repasse não aconteceu por causa da falta de recursos federais, cito um ofício da PROAD sobre o tema. Um documento como este jamais deveria ter sido escrito. E se o foi, é justamente porque as pessoas, na UFSC, estão perdendo completamente a compostura e a capacidade de agir como adultas em face da crise que acomete a instituição. Vale reproduzi-lo na íntegra:

  1. Manifesto reconhecimento de dívida no valor de R$ 1.603.010,37, em favor da empresa PROVAC TERCEIRIZACAO DE MAO DE OBRA LTDA, inscrita no CNPJ sob o nº 50.400.407/0001-84, referente aos serviços prestados no período de 01/12/2024 a 31/12/2024. 
  2. O reconhecimento da dívida é motivado considerando o término de vigência do contrato nº 505/2018, em 29/10/2024, firmado entre a empresa e a Universidade Federal de Santa Catarina, sem que, contudo, se tivesse concluído o novo processo licitatório. Assim, como os serviços de limpeza na Universidade não podem ser interrompidos, sob pena de prejuízos irreparáveis a UFSC, houve necessidade de assinatura do Termo de Compromisso nº 01/2024 com a prestadora do contrato para continuidade das atividades. 
  3. Encaminhamos anexo a este Ofício a Nota Fiscal nº 76294, no valor bruto de R$ 1.603.010,37 e relatório de fiscalização correspondentes ao período de 01/12/2024 a 31/12/2024, bem como as certidões negativas necessárias ao pagamento. 
  4. Por oportuno, informamos que se encontra em andamento o planejamento para a nova licitação do serviço de limpeza para os campi da UFSC, conforme processo 23080.037490/2023-57. 
  5. Ressaltamos que a demora no processo de licitação foi ocasionada por diversos fatores, dentre os quais podemos citar, a greve de 3 meses ocorrida no ano de 2024, afastamento de servidores que faziam parte da equipe de planejamento para tratamento de saúde e, principalmente, o estudo minucioso que o processo exige, por se tratar de um serviço que necessita de detalhamentos específicos.   

O texto é tão grotesco que nem precisa de análise mais cuidadosa para revelar sua gritante inadequação. Há dez anos, quem na universidade teria a desfaçatez de justificar o atraso na licitação de um serviço essencial com argumentos tão pueris como licenças médicas ou complexidade do objeto? Mas o ápice do ofício como sintoma do quanto a instituição está perdendo a sua ossatura moral é a parte em que se arrola a greve como causa da demora na publicação do edital de concorrência pública. O que deu na cabeça de servidores públicos remunerados com gordas CDs (e que, de resto, se dizem esquerdistas) para propor tamanho disparate? 

Greve é coisa sagrada. O tempo que se consome com elas deve ser reposto custe o que custar, o que inclui horas extras e o que mais for necessário para colocar a agenda em dia. Ademais, usar a greve como álibi para atrasos que, como no caso em tela, culminam com prejuízos à terceirizados – os mais vulneráveis entre os trabalhadores da UFSC – é trair a própria razão de ser dos movimentos paredistas, que é garantir direitos aos trabalhadores, principalmente os que habitam as camadas mais frágeis da população.

*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC

Artigo recebido às 20h45 do dia 12 de fevereiro de 2025 e publicado às 8h26 do dia 13 de fevereiro de 2025