Formação de talentos e expansão universitária exigem investimento estratégico, alertam especialistas

Tema foi discutido na mesa-redonda do seminário “Vozes da Ciência: Contribuições para a Estratégia Nacional e Plano Decenal de CT&I 2026–2035”

A importância da educação para o desenvolvimento nacional, a crise na pós-graduação e a necessidade de investimentos estratégicos em ciência e tecnologia foram temas abordados durante a quarta mesa-redonda do seminário “Vozes da Ciência: Contribuições para a Estratégia Nacional e Plano Decenal de CT&I 2026–2035”, na última quinta-feira, 22 de maio. O evento foi promovido pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), em parceria com a Academia Brasileira de Ciências (ABC).

Com o tema “Formação de Recursos Humanos e Expansão das Universidades”, a mesa foi mediada pelo físico Ado Jório de Vasconcelos, professor titular no Departamento de Física da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), e reuniu Jorge Audy, superintendente de Inovação e Desenvolvimento da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), Vinícius Soares, presidente da Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), e Denise Pires de Carvalho, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes).

Jorge Audy enfatizou, durante sua fala, o papel fundamental da educação na promoção da inclusão social, na redução da pobreza e na construção de uma sociedade mais justa. “A educação é um processo que permite o desenvolvimento pessoal e profissional das pessoas em uma comunidade”, afirmou.

Ele defendeu a valorização da educação básica como alicerce da formação nacional, com foco na qualidade em todos os níveis de ensino e na implementação de políticas como a educação em tempo integral. Ressaltou também a necessidade de valorização do professor, especialmente na educação básica. “Isso deveria ser uma prioridade nacional. O governo federal precisa assumir essa responsabilidade e não deixá-la apenas a cargo de estados e municípios. Não é aceitável ouvir que cursar licenciatura em Geografia ou História é loucura, como se não fosse possível viver dignamente dessa escolha.”

O superintendente chamou atenção para o aparente paradoxo do investimento público: embora o Brasil destine proporcionalmente mais recursos à educação do que países como Coreia do Sul, China, Japão e Cingapura, os resultados ainda são insatisfatórios. “Há algo entre o recurso alocado e o que se faz com ele que está falhando. O reflexo disso é visível nos baixos índices educacionais, como os do Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes), e na pequena proporção de jovens no ensino superior. Dos milhões de jovens brasileiros, apenas cerca de 20% estão em universidades. Onde estão os outros 80%?”, questionou.

Audy também criticou a defasagem no preparo dos estudantes que ingressam na universidade. “Na minha área, Ciência da Computação, é frustrante ver alunos chegando ao curso sem domínio de conteúdos básicos. Precisamos oferecer disciplinas de nivelamento que ensinem até regra de três. Isso é inadmissível. O problema não é só a matemática, mas a base educacional como um todo.”

“Educação não pode ser apenas mais uma prioridade. Ela deve ser a prioridade. O Brasil não avançará social, econômica ou ambientalmente sem encarar de frente os desafios educacionais. Somos a 13ª nação em produção científica, o que é motivo de orgulho. No entanto, ocupamos apenas o 49º lugar no Índice Global de Inovação e o 72º em competitividade. Esses números espelham nossa desigualdade estrutural. A educação é o caminho para reverter esse cenário.”

Audy também comentou a expansão do ensino superior, criticando o avanço do modelo de ensino a distância (EaD) em detrimento da qualidade. “Mais da metade dos estudantes está no EaD, e muitos em instituições privadas com fins lucrativos. Isso não acontece em nenhum país desenvolvido. Hoje, apenas 800 mil estudantes estão em universidades públicas — federais, estaduais ou comunitárias. Esse quadro é um grande desafio”, pontuou.

Ele defendeu que a educação precisa formar cidadãos críticos e conscientes, além de profissionais para o mercado de trabalho, conforme determina o artigo 205 da Constituição. “Precisamos de uma educação que prepare para a cidadania, que promova o desenvolvimento integral da pessoa e que contribua com a transformação social.”

Por fim, Audy alertou para a necessidade de criar condições — inclusive culturais — para que o conhecimento gerado nas universidades seja convertido em inovação e empreendedorismo. “Temos produção científica, temos conhecimento. O que falta é um conjunto de estímulos que permita transformar isso em negócios, riqueza, desenvolvimento social e sustentabilidade.”

Vinícius Soares e Denise Pires de Carvalho destacaram a necessidade de investimentos robustos e estratégicos, continuidade nas políticas de ciência e tecnologia, além de ressaltarem que é preciso transformar conhecimento em inovação e desenvolvimento econômico.

Em sua fala, o presidente da ANPG chamou atenção para a queda no número de titulados em doutorado e o aumento da evasão na pós-graduação. Segundo ele, esse cenário é resultado da redução dos investimentos em educação e ciência, da ausência de direitos para jovens pesquisadores e do modelo engessado da pós-graduação no País.

“A evasão gira em torno de 5% das matrículas na pós-graduação. Embora esse número seja menor do que o registrado na graduação, que ultrapassa os 50%, ainda é significativo e serve como um alerta. Precisamos analisar os processos sociais que têm impactado a permanência dos estudantes na pós”, afirmou Soares.

Ele também destacou a queda no número de ingressantes nos programas de doutorado: “Nos últimos 10 anos, observamos uma redução contínua na entrada de novos doutorandos. Em 2023, registramos o menor índice de ingressantes desde 2015. Precisamos entender por que a formação de recursos humanos altamente qualificados deixou de ser atrativa para a juventude brasileira.”

Para o presidente da ANPG, três fatores explicam esse cenário: a redução dos investimentos em educação, ciência e tecnologia; a ausência de direitos trabalhistas, estudantis e previdenciários para os pós-graduandos; e a falta de atualização dos programas de pós-graduação, especialmente dos currículos de mestrado e doutorado, que muitas vezes não dialogam com as realidades locais, estaduais ou nacionais”, citou.

Soares citou dados do Observatório do Conhecimento, que apontam a perda de quase R$ 120 bilhões em investimentos na educação e na ciência nos últimos dez anos. Ele também criticou cortes recentes aprovados no orçamento de 2025, que reduziram recursos da Capes, do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) e das universidades, ao passo que aumentaram as emendas parlamentares, que somam quase R$ 50 bilhões. “Não há transparência sobre para onde esses recursos estão indo, quem os está destinando e quais programas estão sendo beneficiados. Isso enfraquece ainda mais o financiamento da ciência e da educação”, salientou.

Outro ponto abordado por Soares foi a dificuldade da carreira de pesquisador no Brasil. “A pesquisa está, na maioria das vezes, subordinada à carreira docente. Para ser pesquisador, é preciso ingressar em uma universidade, especialmente pública, já que não há vagas suficientes voltadas apenas para pesquisa. Além disso, 90% da ciência no país é produzida na pós-graduação, diretamente pelos pós-graduandos.”

O presidente da ANPG defendeu a valorização da carreira científica, com melhores bolsas, mais oportunidades para mestres e doutores, e maior integração entre a pós-graduação e o setor produtivo não acadêmico. “Nós já exercemos uma profissão e contribuímos para o desenvolvimento nacional. No entanto, vivemos um verdadeiro apagão de direitos: não temos acesso a direitos estudantis, trabalhistas ou previdenciários. O tempo de dedicação ao mestrado e ao doutorado não conta para a aposentadoria. Ainda temos uma baixa remuneração que contribui para a crise de desmotivação e evasão que enfrentamos”, apontou.

Apesar do reajuste das bolsas em 2023, Soares afirmou que os valores ainda estão muito defasados. “Mesmo com esse avanço importante, se olharmos para a série histórica, veremos que as bolsas ainda não refletem minimamente o custo de vida atual nem o valor do trabalho desenvolvido pelos pesquisadores”, lamentou.

A presidente da Capes, Denise Pires de Carvalho, por sua vez, destacou os esforços da instituição para reduzir as desigualdades regionais na formação de mestres e doutores no Brasil, além do trabalho do órgão para ampliar o ingresso desses profissionais no mercado de trabalho.

Carvalho ressaltou que o Brasil alcançou o patamar atual graças a decisões tomadas em 1951, como a criação da Capes e do CNPq. “Essas instituições de Estado foram fundamentais para o desenvolvimento científico e tecnológico do País e, por isso, devem ser defendidas com firmeza. No entanto, é preciso lembrar que elas dependem de financiamento adequado. Sem orçamento, não é possível cumprir sua missão, que é, em essência, transformar o Brasil em uma nação desenvolvida e menos desigual. Tanto a Capes quanto o CNPq têm sido motores importantes na redução das desigualdades sociais, ainda que essas desigualdades permaneçam profundas. Precisamos de um financiamento robusto, mas só ele não é suficiente. Precisamos de estratégia. Temos capacidade instalada e sabemos que, sem uma direção clara, o financiamento por si só não promove as transformações de que o país necessita. O investimento precisa ser estratégico para realmente gerar impacto”, disse.

“Entre os cursos de excelência (notas 6 e 7), que possuem padrão internacional, temos 30 na área de Ciências Biológicas e 19% deles na área da Saúde. Ainda assim, o Brasil não conta com uma indústria farmacêutica forte. Isso não ocorre por falta de pós-graduação ou de formação de doutores. O problema está na ausência de políticas públicas eficazes que incentivem o desenvolvimento desse setor, o que nos deixa dependentes de multinacionais”, lamentou.

Carvalho citou ainda que quando se analisa a produção científica brasileira em parceria com empresas, a única não ligada à indústria farmacêutica é uma empresa americana de fragrâncias. “As outras nove principais parcerias são com empresas do setor farmacêutico — e isso reflete a concentração de quase 50% da pós-graduação de excelência nessas áreas”, citou.

Ela também destacou a necessidade de refletir sobre as contradições da indústria nacional: “por que o Brasil consegue produzir aviões, mas não os fabrica em larga escala? E por que ainda dependemos da importação de equipamentos essenciais para o SUS, como tomógrafos, respiradores, macas e leitos hospitalares?” Segundo a presidente da Capes, o país tem conhecimento técnico e mercado consumidor, mas falta investimento estratégico para desenvolver sua base industrial — condição essencial para absorver os doutores que forma.

Carvalho ressaltou que o Brasil já conta com bons exemplos, como os parques tecnológicos e a Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii), que são fundamentais nesse processo. “As universidades públicas e as instituições de ciência e tecnologia do país estão preparadas para contribuir. O que falta é investimento consistente e estratégico”, afirmou.

Assimetrias

Ao falar das assimetrias do País, Carvalho comentou que o número de pessoas que concluem uma pós-graduação no Brasil é significativamente inferior à média dos países membros da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que é de 47,2%. No Brasil, temos 37% de pessoas com essas formações no Distrito Federal. Mas, por ser sede da administração central do país, há muitas pessoas que migraram para a região por meio de concursos públicos. Em São Paulo, o percentual é de 25%, consideravelmente menor que no Distrito Federal e bem abaixo da média da OCDE. No Rio de Janeiro, registramos 24%. Já no Maranhão, esse número cai para apenas 11%. Essa desigualdade começa já na graduação”, observou.

Segundo Carvalho, foi justamente essa assimetria que motivou, a partir de 2002, a expansão do ensino superior no País. “Esse processo teve início no primeiro governo do presidente Lula, quando o país contava com 42 universidades e 121 campi. Até 2023, esse número cresceu substancialmente, resultado da política de reestruturação e interiorização da educação superior promovida pelo Reuni”, explicou.

Carvalho também enfatizou que levar universidades federais ao interior do país contribui diretamente para o fortalecimento da pós-graduação.

“Ao contrário do ensino de graduação — que muitas vezes se expandiu sem garantir a qualidade —, a pós-graduação no Brasil tem evoluído com critérios rigorosos. A maioria dos programas avaliados atualmente recebe nota 4 (programas em consolidação), seguidos pelos programas nota 5 (consolidados) e os de excelência (notas 6 e 7). O número de programas de excelência (notas 6 e 7), de padrão internacional, tem crescido nas últimas duas décadas, demonstrando o amadurecimento do sistema. No entanto, persistem fortes assimetrias regionais: região Norte: apenas 9 cursos com notas 6 e 7; região Sudeste: 424 cursos; e região Sul: 151 cursos”, citou.

A presidente da Capes explicou ainda que essa desigualdade tem origem histórica. “Os primeiros programas foram criados nas décadas de 1970, concentrados nas regiões Sul, Sudeste e no litoral. Naturalmente, essas áreas possuem cursos mais antigos e consolidados. Para essa mudança, é preciso políticas públicas específicas e maior investimento em regiões como o Norte, Nordeste e Centro-Oeste, para garantir expansão equitativa da produção de conhecimento no país”, disse.

Segundo Carvalho, a Capes tem trabalhado para elevar a média nacional de formação de doutores, aproximando-se do padrão internacional. “Apesar dos avanços, ainda há muito a ser feito. Precisamos continuar ampliando os cursos, formando mais doutores e garantindo qualidade, especialmente nas regiões menos favorecidas. Só assim conseguiremos alcançar um sistema verdadeiramente equilibrado e de excelência em todo o território nacional. Para isso, é fundamental implementar políticas específicas para promover a expansão da formação de doutores nessas áreas e reduzir as assimetrias regionais. Apesar dos avanços, o Brasil ainda está distante da média da OCDE. Temos, proporcionalmente, três a quatro vezes menos doutores do que os países que compõem essa organização. Portanto, para melhorar nossa posição internacional, é essencial elevar a média nacional e garantir um desenvolvimento mais equilibrado da pós-graduação em todas as regiões do país”.

Fonte: Jornal da Ciência