*Por Fábio Lopes
Outro dia, na volta do almoço, encontrei o diretor do CFM acompanhado de sua filha, que é discente no CTC. Ele me apresentou a ela. “Ah, você é o Fábio?”, disse a moça. “Lá no meu Centro, queremos fazer uma estátua em sua homenagem.”.
Não era a primeira vez que jovens que estudam do outro lado do rio me falavam algo desse tipo. Já me chegaram vários memes em que meu nome é divertidamente celebrado. Quase todo dia, algum colega de outras unidades de ensino me cumprimenta por aí, cita meus artigos, comenta que está à espera de um novo libelo.
Nada dessa fama me envaidece. Não tenho o menor interesse pessoal em ser conhecido. O fato de eu ser um personagem relevante – o que significa também ser rejeitado e até odiado – só tem um sentido para mim: usar essa força acumulada a bem do CCE e da instituição.
Foi graças a esse prestígio e a essa representatividade que conquistamos obras e equipamentos para o Centro. Em um ambiente de crise – marcado por dinheiro curto e uma cavalar incompetência da Reitoria em lidar com a agenda de demandas –, é só assim que se conseguem as coisas na UFSC.
É claro que cometi muitos excessos e erros como diretor e agente político. Mas no essencial creio ter acertado ao responsabilizar a Reitoria e seus apoiadores por uma parcela considerável da encrenca em que estamos metidos. Esse juízo, aliás, é confirmado pelo MEC, cujo diretor de Políticas para o Ensino Superior confidenciou a uma diretora de Centro da UFSC que nossa universidade tem hoje a pior gestão de todas as 60 instituições do sistema federal.
Saio de meu cargo com a sensação de dever cumprido: evitei que o CCE sucumbisse ao colapso, um fantasma que nos assediou diariamente por quatro anos.
Na minha luta pelo reconhecimento da dimensão local da crise, introduzi vários temas que, só depois de muito tempo, se tornaram moeda corrente. O principal deles foi a crise de infraestrutura. Ninguém falava nela, e havia mesmo quem negasse sua existência, em um impressionante exercício de autoengano. Cheguei até a ser ridicularizado por uma representante de alta patente da Reitoria quando previ um acidente grave na UFSC em decorrência da precariedade das instalações. Três dias depois, uma luminária caiu sobre a cabeça de uma estudante no CCE. Às onze da noite, quando eu a acompanhava na emergência do HU, não me lembro de ter visto minha detratora por lá.
Houve um momento em que, sobretudo por causa da inoperância da Reitoria na resposta à degradação dos prédios da universidade, o reitor passou a ser, com toda razão, pressionado.
Parecia que a ficha da turma havia caído. Uma Gestão que se elegera à custa de vídeos que exibiam nossa instituição em ruínas revelava-se ainda menos capaz de consertar as coisas. A tese do Fábio triunfava.
Eis, no entanto, que veio a greve – e com ela, a ideia de que o diabo morava no Palácio do Planalto, no MEC e no Ministério da Economia. Um acordo entre Reitoria e grevistas criou uma densa massa de discursos que simplesmente fez desaparecer do ar qualquer referência à responsabilidade da Gestão nos problemas. A tese do Fábio virou anátema, traição ao bom combate, criptobolsonarismo, antecipação da eleição para reitor.
Os muitos entusiastas de meus textos e de minha conduta pública seguiram me cumprimentando nas ruas, mas agora com máxima discrição, como se formassem comigo uma franco-maçonaria, uma sociedade secreta, clandestina, sem direito a manifestar-se à luz do sol.
Caí em desgraça. Para todos os efeitos, virei bad guy. Alemão. No limite, como a chapa adversária à Direção do CCE tantas vezes deu a entender, era eu uma dos culpados pela penúria do Centro. O feitiço virou contra o feiticeiro.
Perdi feio. Paciência.
Desejo boa sorte aos vencedores. Mas continuo acreditando em minha tese. E continuo acreditando que, sem o prestígio que arregimentamos e a rede de contatos que montamos, o CCE voltará para o fim da fila. É lá que moram os bons moços. E o perigo.
Falta dinheiro. Falta competência a quem deveria atender nossas demandas. E a partir de agora, creio, faltarão também os meios para obter aquele mínimo necessário para salvar o Centro do caos. Espero estar errado.
Dirigir o CCE foi uma experiência fascinante. Amei cada minuto, cada desafio, cada problema que surgia. Meu velho pai – empresário sempre em luta contra as circunstâncias – vivia atrás de uma mesa matando as crises no peito. Não conheço maneira mais digna de existir entre as coisas. Procurei ser fiel a essa imagem dele gravada em minhas retinas fatigadas (como uma certa pedra no meio do caminho).
Só lamento que a maravilhosa equipe de apoio à direção – o time mais estupendo de toda a universidade – vá se desfazer. Eles não querem coabitar com o novo diretor e seu vice, mormente depois do lamentável episódio que culminou com o pedido de exoneração do TI.
Agradeço a Gabriela, minha golden girl, por ter sido tão fiel e competente, tão firme, ética, corajosa e desafiadora. Agradeço o Adauto, o Tomaz, a Pri, a Ju, o Chris com h, o Cris sem h, o Gabriel e a Aline. Amo vocês.
Obrigado, Marianne, minha vice pelos dois anos iniciais do mandato. Foi incrível estar ao lado da primeira pessoa surda a ocupar um cargo de primeiro escalão na história da universidade brasileira. Sinto muita saudade do convívio paradoxalmente silencioso e ruidoso com você.
Obrigado, Milton, meu vice nos dois últimos anos. Ganhei da vida um irmãozão.
Um apoiador, jovem docente de inteligência e cultura exuberantes, me deu uma pista preciosa ontem, depois da apuração: “Sabe o que é irônico, chefe? No fim, foi a esquerda que votou em você. A esquerda com formação.” Guardarei essa dica na quitinete de meu cérebro. É com essa esquerda bem formada que eu vou. Não poderia imaginar melhor companhia. Me esperem que já estou chegando.
De minha parte, estou cheio de planos: terminar mais um livro, salvar a minha brilhante equipe de um ambiente tóxico que lhes causa repulsa, passar três meses nos EUA com o maior historiador do mundo, construir uma chapa de oposição à Reitoria sem traidores nem carreiristas, escrever outro livro, transformar o TecMídia em um polo nacional de animação e entretenimento digital, ganhar muito dinheiro honestamente, ser coordenador do curso de Letras-Português e escrever de modo ainda mais livre no site da Apufsc. Já tenho outro artigo preparado.
De tudo que vivi neste quadriênio, só restam ótimas lembranças. E restam, como sempre, para sempre, o amor da Marcela e do Gabriel, as pessoas que realmente importam para mim em toda a Via Láctea.
Parabéns ao Sérgio e ao Rodrigo. A vitória de vocês foi insofismável. Fiquem com Deus.
*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC
Artigo recebido às 9h28 do dia 3 de junho de 2025 e publicado às 11h25 do dia 3 de junho de 2025