Por Fábio Lopes*
Fui ao velório do Prof. Rodolfo, mas não ao ato ecumênico promovido pela Reitoria. É que meu ecumenismo, embora generoso e inclusivo, tem lá seus limites. Tolero qualquer companhia, menos a de bípedes implumes moralmente invertebrados que só acreditam de verdade nos próprios interesses pessoais ou políticos. Tudo mais – de Deus à ciência – é, para eles, imprestável metafísica.
Vendo mais tarde as fotos do evento, ergui as mãos para os Céus por ter me recusado a lá comparecer. Por mais casca grossa que eu seja, não teria suportado ver e ouvir colegas que, há menos de um ano, quando o Prof. Rodolfo já se encontrava irreversivelmente doente, contribuíram para a rejeição do título de professor emérito a ele.
Custo a acreditar que, tão perto de nós e em uma instituição que deveria organizar a vida espiritual e intelectual da sociedade, exista tamanha frieza. Como gente supostamente bem formada e com tantas responsabilidades públicas pode não estremecer de culpa nem mesmo diante da morte de alguém a quem voluntariamente prejudicou? Como, em vez disso, pode querer tirar dividendos pessoais do que deveria ser uma homenagem ao falecido?
Há só umas poucas semanas, a Universidade dedicou seu precioso tempo a discutir a atuação de algumas de suas lideranças durante a ditadura. Não faltaram advogados de acusação dispostos a arrancar aplausos de uma plateia sedenta de sangue. O curioso é que nenhum desses rábulas se levanta para falar do que ocorre em tempo real, bem debaixo de seus narizes. Eles, que são tão sensíveis a erros eventualmente cometidos por quem nem está mais aqui para se defender, fecham os olhos para o que seus amigos e apoiadores estão fazendo agorinha mesmo, na esquina.
Não lhes ocorre a conclusão óbvia de que não há limites para quem ousa profanar até mesmo algo tão sagrado quanto um rito fúnebre. Tampouco lhes ocorre a pergunta que qualquer um em sã consciência faria: se essas pessoas se comportam assim em plena vigência da democracia, o que não fariam sob as ordens de um ditador?
Sim, eu sei: a hipocrisia sempre fez parte da política, de modo que eu talvez não devesse me surpreender com o fato de que os que ofenderam a honra do Prof. Rodolfo agora se debrucem sobre seu túmulo com os olhos marejados e o semblante mui grave. Mas aí é que está: o que estamos testemunhando não é simplesmente a boa e velha hipocrisia. Afinal, a hipocrisia, por definição, simula a seriedade, ao passo que o que se desenrola diante de nós é outra coisa: um tipo de leviandade que não esconde a sua natureza. Pelo contrário, esfrega-a na cara das pessoas.
Tudo se passa à maneira de um desafio. É como se os perpetradores dessa hipocrisia 2.0 apostassem que estamos tão desiludidos e impotentes que já não somos capazes de reagir aos seus atos mais descarados. É como se, enfim, eles tivessem definitivamente desistido de lidar com qualquer problema real e decidido tão somente se divertir às custas dos outros, inclusive mortos e feridos.
*Fábio Lopes é diretor do CCE/UFSC
Artigo recebido às 20h49 do dia 8 de julho de 2025 e publicado às 8h42 do dia 9 de julho de 2025
