*Por Fábio Lopes
Há mais ou menos três anos, escrevo regularmente neste espaço. Minha ideia – ou, mais exatamente, minha obsessão – é instaurar um debate sobre a instituição, seus dilemas, limites e gargalos.
O tom de minhas manifestações é invariavelmente polêmico, provocativo. Fico à espera de contestações, correções, queixas. Mas elas nunca chegam.
Não tenho ilusões de que esse silêncio signifique que todo mundo concorde comigo. Sei o quanto sou detestado e combatido em certos círculos. A tática desses adversários é não dar corda para mim, fazer com que as pessoas acreditem que sou uma voz isolada, como a dos malucos que sobem em caixotes e se põem a berrar no meio da Praça XV. Outra tática deles é me difamar à boca pequena, na base da fofoca de corredor ou em grupos de Whatsapp. O que aos sussurros repetem por aí é que faço campanha antecipada para reitor e sou bolsonarista e até racista e misógino.
Eis, no entanto, que, depois de meus artigos sobre o caso Ferreira Lima, meus críticos finalmente decidiram sair momentaneamente da toca para questionar minhas posições (https://www.apufsc.org.br/2025/07/11/o-nome-do-campus-da-ufsc-um-compromisso-com-a-democracia/)
O artigo que publicaram é pueril e pedestre, a começar pelo fato de que, em vez de assiná-lo, seus autores preferem esconder-se atrás de uma entidade de nome tão longo e pedante quanto o das princesas: Comissão para Implementação das Recomendações do Relatório da Memória e Verdade da UFSC. Trata-se de peça tão inconsistente que, a rigor, não mereceria consideração de minha parte.
O problema é que vivo em uma solidão intelectual desgraçada. Como na canção de Zeca Baleiro, qualquer beijo de novela me faz chorar. Me sinto tão miseravelmente abandonado que, se um cachorro latisse para mim, eu responderia. Por que, então, não replicar a peça que me ataca, em que pese a sua fraqueza?
Antes de mais nada, preciso, porém, resolver um problema: como me referir aos meus contendores se eles não ousam apresentar-se como indivíduos com nome, sobrenome e CPF? Pensei inicialmente em chamá-los de Sra. Comissão para Implementação das Recomendações do Relatório da Memória e Verdade da UFSC. Mas semelhante opção ia tornar a minha resposta demasiado enfadonha. Escolho então, mui respeitosamente, uma forma mais sucinta de tratamento: Sra. C.
Isso posto, vamos ao que interessa.
Alega a Sra. C. que a decisão de mudar o nome do campus foi tomada por ampla e inequívoca maioria. Arremata ela que, portanto, o processo é uma afirmação da democracia na Universidade. O que a Sra. C. não conta é que as sessões do Conselho que debateram e decidiram a matéria foram um circo de horrores em que não faltaram gritos, vaias, agressões verbais, violações flagrantes e constantes ao Regimento da Casa, reboladas e outros bichos. Por pouco, a plateia não chegou às vias de fato. A baderna era tamanha que as duas últimas reuniões do Conselho sobre o tema tiveram que ser protegidas por um rígido e inédito esquema de segurança. Tudo ocorria sob o olhar passivo, omisso e complacente de uma presidência que simplesmente deixa o rock rolar.
A Sra. C. tampouco fez qualquer menção ao fato de que essa desorganização e esse esvaziamento da autoridade do Conselho vêm de longe. Pensem, por exemplo, no que houve durante a greve, quando a Reitoria permitiu que os trabalhos do CUn transcorressem a despeito de que os conselheiros estivessem sendo ofendidos e fisicamente ameaçados por membros da audiência. Pensem ainda no fato de que, em determinadas sessões, as manifestações on-line de conselheiros não eram sequer ouvidas no auditório ou que a sala virtual reservada a eles estava invadida por dezenas de pessoas estranhas ao CUn. Pensem no fato de que, por muito tempo, representantes dos TAEs no Conselho eram também pró-reitores e diretores nomeados pela Reitoria, em uma clara violação tanto da autonomia sindical quanto da regra que limita o número de assentos da Gestão no CUn.
Parece que para a Sra. C. nada disso importa. Estranhamente – tanto mais depois que venceu a votação –, não lhe passa pela cabeça a ideia de que um ambiente assim é completamente enviesado, cerceado, viciado. A verdade é que, há muito tempo, os conselheiros encontram-se grotescamente intimidados e amedrontados. Dê-se a isso o nome que se queira, menos democracia.
A Sra. C. também se revela contrariada com o fato de que eu disse que muita gente no Conselho e na plateia defendeu teses sobre a mudança do nome do campus sem ter lido os autos. A fim de tentar me desqualificar, minha interlocutora usa o artifício retórico surrado de me caracterizar como um arrogante que faz pouco caso da opinião alheia. Vestindo a proverbial pele de cordeiro, escreve ela que ofendo os meus colegas de Conselho. Só se esquece de esclarecer que meu argumento se baseia em pura lógica decorrente de uma premissa irremediavelmente verdadeira. Boa parte dos documentos estava ilegível no processo eletrônico. Se quase ninguém chamou a atenção para tão evidente defeito de instrução, é porque quase ninguém consultou de fato o processo. Se me mostrarem o erro desse raciocínio, recuo de bom grado (presumo que a minha adversária nem tentará me contestar quanto a esse ponto, visto que isso implicaria admitir publicamente que as cópias eletrônicas disponibilizadas às pessoas estavam mesmo corrompidas).
A Sra. C reclama ainda da consulta pública colocada no ar pela Apufsc a pedido de seis ex-reitores da UFSC na véspera da votação (por meio de uma petição que coube a mim encaminhar à entidade). Pergunta ela se se pretende recorrer a esse expediente em todas as decisões do CUn, o que, no fundo, significaria tirar a autoridade dos conselheiros e substituí-la por mecanismos paralegais.
A resposta para a questão levantada pela Sra. C. é evidentemente negativa, e ela disso sabe – ou deveria saber. É claro que consultas só cabem se atendidas duas condições igualmente raras: mediante pedido de associados e em face de temas particularmente sensíveis. De resto, nunca se pretendeu que o dispositivo solicitado à Apufsc fosse mais do que um elemento capaz de orientar os conselheiros. Jamais se reivindicou que este fosse usado para impor decisões a quem quer que seja.
A propósito, não é por meio de consultas que se elegem os reitores da UFSC? A Sra. C. bem sabe disso, assim como defende que, nesse último caso, a consulta seja impositiva e passe por cima das atribuições legais do CUn. Sentem os leitores um cheiro de contradição no ar? É engano meu ou a Sra. C. está invocando a autoridade do CUn para desacreditar consultas ao mesmo tempo em que, na esquina, invoca consultas em detrimento da autoridade do CUn?
Aproveitando o embalo das perguntas que acabo de fazer, fico à vontade para propor outras: se a minha adversária está tão preocupada com a democracia e a legalidade no CUn, onde estava ela quando a Casa era agredida pela supracitada baderna das sessões abertas? Onde estava ela quando a Casa era violentada em plena discussão da mudança do nome do campus (a ponto de, repita-se, termos precisado mobilizar esquemas de segurança)? Onde estava ela quando a Reitoria, como também já mencionei neste artigo, permanecia super-representada no Conselho por dublês de TAEs e pró-reitores? Chega a ser ridículo a Sra. C. agora falar democracia, calma e tranquilidade, como se a decisão sobre o nome do campus e várias outras não tivessem sido tomadas na esteira de um rosário de maluquices que viraram de ponta cabeça o Regimento do CUn e foram fortemente alimentadas por uma tigrada que tocava o terror na plateia. Quem silenciou em face desses abusos e foi mesmo beneficiário deles não deveria ter a petulância de invocar agora os valores que ajudou a sacrificar.
Sigo, em todo caso, com minhas perguntas: o que pensa a Sra. C. do fato de que muitas discussões no CUn foram precedidas por audiências públicas? Não têm essas audiências públicas um caráter semelhante ao da consulta solicitada pelos ex-reitores? Por que as audiências públicas são um instrumento legítimo de instrução dos conselheiros mas a consulta não? Desconfio de que a minha ilustre debatedora finge julgar atos, quando, na verdade, julga os atores: se a iniciativa parte do círculo de amigos e parentes, é virtuosa; já se vem dos inimigos, só a guilhotina resolve.
Outras perguntas a meu juízo mostram-se relevantes: se a questão é a preservação incondicional da autoridade e da legitimidade do CUn, o que pensa a Sra. C. sobre, por exemplo, a implantação do teletrabalho? O fato de ela ter sido baixada monocraticamente pelo reitor não incomoda a minha contendora? O fato de ela jamais ter sido submetida ao CUn deve ser aceito passivamente? A alegação de que se tratava de projeto-piloto é cabível mesmo diante da constatação de que, pela primeira vez na história da humanidade, um projeto-piloto foi aplicado não a uma amostra mas a toda uma instituição? O fato de que o tal projeto-piloto deveria durar um ano mas foi – de novo, monocraticamente – prorrogado por mais um ano constitui uma manobra democrática?
Aguardo as respostas. Aliás, minha amiga Jéssica – mulher lésbica demitida junto com outros cem terceirizados nos últimos dois meses – também quer entender melhor o conceito de democracia e tranquilidade institucional da Sra. C.
Fábio Lopes é professor do CCE/UFSC
Artigo recebido às 23h52 do dia 17 de julho de 2025 e publicado às 09h52 do dia 18 de julho de 2025
