*Por Fábio Lopes
Logo no início do mandato, o Prof. Irineu publicou em suas redes sociais uma selfie ao lado de Lula. Fui talvez a única pessoa na universidade a confrontá-lo abertamente por isso. Um reitor é um agente de Estado, não um funcionário do governo de plantão. Se ele admira o ocupante eventual da cadeira presidencial, que guarde esse sentimento para si. A autonomia universitária é um valor inegociável. Dela, mais do que de qualquer outro princípio, dependem a consistência e o sentido da instituição.
Compreende-se, em todo caso, o que estava em jogo naquela foto: o reitor apostava todas as fichas na chegada de Lula ao poder. Acreditava ele que, depois da tempestade bolsonarista, o petismo trataria de colocar ordem na casa, recompondo o orçamento da UFSC. No limite, seríamos devolvidos ao ambiente do segundo mandato de Lula, no qual o sistema universitário público conheceu uma expansão sem precedentes.
Não ocorreu ao reitor – embora ele seja regiamente pago para refletir sobre essas coisas – que o estado atual da economia brasileira nem de longe lembra as condições vigentes no primeiro ciclo petista. Tampouco lhe ocorreu levar em conta que, de lá para cá, o Congresso sequestrou boa parte do orçamento, o que reduz enormemente a margem de manobra do Executivo. Não lhe ocorreu, por fim, ponderar que um dado novo – a existência de uma oposição robusta e aguerrida na extrema-direita do espectro político – talvez fosse suficiente para deixar o governo sempre nas cordas e na defensiva.
Deu no que deu. O Prof. Irineu, que na campanha vendera a imagem de administrador competente e conhecedor dos meandros da universidade, simplesmente não tinha plano B. Quando ficou claro que os recursos federais continuariam a vir a conta-gotas, restou-lhe martelar a ideia – perfeitamente falsa – de que nossa crise se deve apenas à falta de verbas. O silêncio cúmplice do movimento estudantil, do Sintufsc e do grupo de oposição à diretoria da Apufsc ajudou a consolidar a crença de que somos vítimas impotentes do ajuste fiscal.
Consideremos agora a figura da vice-reitora. Sua presença na chapa vitoriosa concorreu para criar a expectativa de que teríamos a vida facilitada em Brasília. Na cabeça do reitor e de seus apoiadores, ela, como quadro destacado do PT catarinense, haveria de abrir portas para que a UFSC pudesse receber tratamento diferenciado na obtenção de dinheiro e na aprovação de projetos. Nada disso, contudo, se confirmou.
Na verdade, esteve desde sempre claro que a Profa. Joana se achava muito mais inteligente e capaz do que o seu vizinho de porta. Ela transpirava a certeza de que o engoliria politicamente. Ledo engano. Em lugar disso, tudo o que conseguiu foi criar ruídos na relação com o reitor que só prejudicam a sua já desastrada gestão. Se a equipe da Reitoria é ruim em tempos de paz, imaginem o que não se dá em meio à guerra permanente entre a ala que o Prof. Irineu lidera e a ala patrocinada pela vice.
Nem a Profa. Joana nem nenhum dos que, na esteira dela, desejaram colocar limites no reitor entenderam o seu estranho jeito de se manter forte no cargo. O que sustenta o Prof. Irineu é o seu
completo desinteresse pelo exercício do poder. Seu desejo de eleger-se e agora reeleger-se tem exclusivamente a ver com vaidade, com o impulso infantil de ser aceito em certos círculos, de frequentar certas rodas, de ter a oportunidade fazer selfies com Lula, de usar as vestes rituais, de ter seu rosto pintado no quadro que enfeitará a Sala dos Conselhos em futuro próximo. Se o preço disso é engolir sapos de todos os tipos e tamanhos, que assim seja. O reitor não se melindra de levar desaforos para casa, desde que, para repetir uma metáfora que usei em artigo anterior, deixem-no continuar a usar a fantasia de astronauta.
A tática do Prof. Irineu é empurrar com a barriga os problemas reais e estruturais da UFSC. Ou melhor: é fazer isso ao mesmo tempo em que deixa o caminho livre para que os grupos de pressão organizados – sindicalistas, representantes do movimento estudantil, frentes identitárias – se engalfinhem ou se aliem na cena pública a fim de impor as suas pautas corporativas ou ideológicas à universidade.
O difícil enfrentamento dos dilemas da UFSC é substituído por uma sucessão de polêmicas que interessam apenas a determinados agentes políticos: teletrabalho sem contrapartida, resoluções inaplicáveis ou redundantes sobre minorias, mudança de nome do campus, suspensão do semestre durante greves sem mobilização suficiente, etc. Enquanto essas querelas prosseguem, o reitor permanece em sepulcral silêncio. Contudo, equivoca-se quem pensa que ele adota tal postura a bem de ocupar a posição de árbitro isento. Sua conduta, na verdade, é sobretudo uma maneira de não disciplinar o debate, de não invocar as regras institucionais que coíbem o puro exercício da força. E aí está o segredo de sua longevidade política: no fundo, as pessoas apoiam o Prof. Irineu não por suas ideias e ações mas pelo exato oposto disso: sua passividade, sua inação, sua permissividade, sua incapacidade de decidir, o que permite que certas figuras ou facções completamente incapazes de conquistar o poder por seus próprios meios tenham a chance de ganhar tudo o que desejam no grito (ou de, na pior das hipóteses, perder aqui e ali mas consolar-se com a oportunidade de fazer catarses, de destilar impune e publicamente seu ressentimento, de odiar, ofender, agredir).
A solução para a crise real da UFSC que se dane. Danem-se também preservação da urbanidade e a discussão de alto nível sobre evasão, baixa procura em cursos, ciência e tecnologia no horizonte da necessidades do país e de um projeto nacional de desenvolvimento. A única coisa que importa é manter a base eleitoral a qualquer preço.
Há que se mencionar, entretanto, que o truque político do Prof. Irineu só funciona porque se exerce sobre um Conselho Universitário enfraquecido e desarticulado. Com raras exceções, o colegiado formalmente responsável por dar um basta nessa maluquice toda não tem encontrado forças para se opor à baderna que está destruindo a instituição.
O trabalho dos diretores de Unidade é particularmente crucial. Eles precisam resistir ao clima de intimidação e cooptação criado pela atual Reitoria.
O sinal amarelo se acendeu quando, ao fim de seus mandatos, alguns diretores ganharam cargos na Gestão, mesmo depois de passarem anos dizendo que as práticas e procedimentos do reitor eram inaceitáveis.
O assédio e o canto de sereia agora se dirigem a outros colegas diretores. Não é fácil – mas é necessário – dizer não. O tempo todo, a Reitoria e seus apoiadores operam para criar um clima sufocante que abafa as vozes dissonantes e deixa no ar a sensação de que não há como escapar ao rolo compressor. A ideia é que as pessoas se convençam de que não há defesa contra a violência contra as dissidências, de que a reeleição do Prof. Irineu é líquida e certa e de que o melhor é, portanto, juntar-se a ele.
Isso simplesmente não é verdade. E mesmo que fosse, o dever de quem preza a universidade e a democracia é recusar essa esculhambação institucional e essa rota para a bárbarie que, por certo, só vão se agravar em um eventual segundo mandato. Que o exemplo da Profa. Joana sirva de lição: quem se alia ao reitor é devorado e digerido pela ignorância, a incompetência e o autoritarismo que reinam ao redor dele.
*Fábio Lopes é professor do CCE/UFSC
Artigo recebido às 11h21 do dia 8 de setembro de 2025 e publicado às 12h33 do dia 8 de setembro de 2025
